domingo, 30 de julho de 2023

Utopia, não futurismo: por que realizar o impossível é a coisa mais racional que podemos fazer

Por Emersom Karma Kontchog

30 de jul. de 2023


 Murray Bookchin (1921 ~ 2006)

 

Esta palestra de Murray Bookchin de 1978 continua extremamente relevante hoje


Encontrei a transcrição de uma palestra de Murray Bookchin, de 1978, e gostei tanto que republico abaixo uma tradução automática (do DeepL) revisada.

Bookchin foi um pensador e ativista estadunidense muito influente entre ecologistas e ativistas, principalmente nos anos 70 e 80, tendo desenvolvido a filosofia da "ecologia social", que propõe princípios éticos naturais para substituir a atual tendência em direção à dominação e hierarquia por democracia e liberdade.

Acaba sendo surpreendente como esse alertas de 45 anos atrás se concretizaram, especialmente em relação ao colapso ambiental, ao autoritarismo e à dominação tecnológica (apesar de ele não ser contra tecnologias em si). Sua crítica, além de atingir a direita oligárquica, também não poupa as ideias mais comuns da esquerda socialista.

Sua proposta é uma utopia de auto-organização da sociedade de modo descentralizado e harmônico, que desenvolveu e aprofundou em diversos livros.

Em relação ao modo de pensar tecnocrático com verniz ecológico, nessa palestra, ele critica frequentemente a ideia da Terra como sendo uma nave espacial. Na época, essa era uma ideia bastante difundida mesmo entre a vanguarda da "sustentabilidade" e, apesar de hoje não ouvirmos falar tanto disso, o sentido subjacente, que é o da natureza como uma máquina (com todos seus desdobramentos), continua prevalecendo.


Palestra de 24 de agosto de 1978, na Toward Tomorrow Fair, em Massachusetts, EUA. Editado e publicado no site Uneven Earth, em 2019.

por Murray Bookchin

Esta manhã, às onze horas, tentei explicar a vocês por que eu não fui um ambientalista, mas sim um ecologista. E tentei dar-lhes uma ideia, pelo menos do meu ponto de vista, do que significava ecologia, diferentemente de ambientalismo. O ponto que tentei enfatizar mais fundamentalmente é que o ambientalismo tenta consertar as coisas, aplica band-aids e cosméticos ao meio ambiente. Ele meio que se apodera da natureza, acaricia-a e diz: "Produza!" Ele tenta usar o solo, despejar produtos químicos nele e, se ao menos eles não fossem venenosos, tudo estaria ótimo. Já a ecologia acredita em uma harmonização genuína da humanidade com a natureza. E essa harmonização da humanidade com a natureza depende fundamentalmente da harmonização dos seres humanos entre si. A atitude que temos tido com relação à natureza sempre dependeu da atitude que temos uns com os outros. Não vamos nos enganar, não existe uma "natureza pura".

O simples fato agora é que não apenas não sou um ambientalista, mas também tenho uma notícia quente: não sou um futurista. Não sou um futurista de forma alguma. Sou um utopista. Quero ver essa palavra reavivada. Quero que a usemos. Quero que pensemos em utopia. Não pensar em futurismo. E é sobre essas questões que eu gostaria de falar, se me permitem.

O que é futurismo?

O que é futurismo? Futurismo é o presente como ele existe hoje, projetado para daqui a cem anos. É isso que é o futurismo. Se você tem uma população de X bilhões de pessoas, como vai ter comida, como vai fazer isso... nada muda. Tudo o que fazem é tornar tudo maior ou mudar o tamanho — você viverá em prédios de trinta andares, viverá em prédios de sessenta andares. Frank Lloyd Wright ia construir um prédio de escritórios com um quilômetro de altura. Isso era futurismo.

O fato é que eu simplesmente não acredito que tenhamos de estender o presente para o futuro. Temos que mudar o presente para que o futuro seja muito, muito diferente do que é hoje. Essa é uma noção extremamente importante a ser transmitida. Portanto, há muitas pessoas andando por aí hoje que parecem muito idealistas. E o que elas querem fazer? Elas querem que as corporações multinacionais se tornem corporações multicósmicas [risos da plateia] — literalmente!

Eles querem levá-las para o espaço, querem colonizar a Lua, mal podem esperar para ir a Júpiter, muito menos a Marte. Eles estão todos muito ocupados, estão chegando, têm até cabelos compridos e barba, e chegam e dizem: "Ah, mal posso esperar para entrar no meu primeiro ônibus espacial!" — esse é o futuro.

Isso é visto como ecologia e não é ecologia. É futurismo! É o que a Exxon quer fazer. É o que o Chase Manhattan quer fazer. É o que todas as corporações querem fazer. Mas não é utopia, é puro futurismo. É o presente estendido para o futuro.

Há uma sociedade de massa, e como mantemos contato uns com os outros? Não precisamos nem olhar uns para os outros. Olharemos para as telas de televisão. Apertarei um botão, verei você na tela da televisão, você estará em Marte, pelo que sei, e teremos uma conversa maravilhosa um com o outro, e diremos: "Nossa! Temos uma tecnologia alternativa!" A questão é que não se trata de uma tecnologia libertária. Posso conhecer pessoas no futuro por anos e anos — jogar xadrez com elas, ter conversas intelectuais interessantes com elas — e nunca tocá-las. Se é assim que o futuro será, fico feliz por ter cinquenta e sete anos e não ter muito tempo pela frente. Eu não quero isso. [risos] Estou falando muito sério.

O movimento antinuclear

Agora gostaria de tocar em alguns nervos. Não acredito que a Terra seja uma nave espacial. Estou pedindo que pensem no que significa pensar na Terra como uma nave espacial. Ela não tem válvulas. Não tem todos os tipos de equipamentos de radar para guiá-la. Não é movida por foguetes. Ela não tem nenhum encanamento. Talvez tenhamos encanamento. Mas ela não é "uma nave espacial". É uma coisa orgânica e viva, em grande parte, pelo menos em sua superfície, construída com material inorgânico. Está em processo de crescimento e desenvolvimento. Não é "uma nave espacial".

Estamos começando a desenvolver uma linguagem que não tem nada em comum com a ecologia. Ela tem muito a ver com eletrônica. Falamos de "input".'Dê-me seu input. Conecte!" [risos] Bem, eu não "conecto", eu converso [aplausos]. As máquinas se conectam. O radar é a linguagem que o produziu e foi a linguagem militar que produziu a palavra "conecte" ("plug in").

"Dê-me seu input". Não é isso que eu quero. Não quero seu output, quero você. Quero ouvir suas palavras. Quero ouvir sua linguagem. Não estou engajado em um "feedback" com você [risos], estou engajado em um diálogo, uma conversa. Não é o seu "feedback" que eu quero, quero sua opinião. Quero saber o que você pensa. Não quero ter um circuito conectado a mim em que eu possa receber seu "feedback" e você possa receber meu "input". [risos]

Por favor, estou fazendo um apelo aqui, e se você acha que estou falando de linguagem, acho que está enganado. Não estou falando de linguagem, estou falando de sensibilidade. Uma planta não tem "input" ou "output". Ela faz algo para o qual a eletrônica não tem absolutamente nenhuma linguagem — ela cresce! Ela cresce! [aplausos]. E deixe-me dizer outra coisa, ela não apenas cresce, ela faz mais do que mudar; ela se desenvolve. Temos um grande problema com todas essas palavras que refletem uma maneira de pensar, e é isso que me incomoda.

Essa é a sensibilidade do futurismo. É a linguagem do futurismo, na qual as próprias pessoas são molecularizadas e depois atomizadas e, por fim, reduzidas a partículas subatômicas, e o que realmente temos em termos de ecossistema não é crescimento nem desenvolvimento, o que temos é encanamento. Nós gastamos quilocalorias no ecossistema. E ligamos as válvulas aqui e desligamos as válvulas ali.

Agora, isso pode ser útil, não nego isso. Devemos saber como a energia se move em um ecossistema. Mas isso, por si só, não é um ecossistema. Estamos começando a aprender que as plantas têm vida própria e interagem umas com as outras. Que existem mecanismos sutis que não podemos realmente entender. Elas não podem ser reduzidas a energia, não podem ser reduzidas a quilocalorias, temos que olhar para elas de um ponto de vista diferente. Temos que vê-las como vida, diferenciando-as do que não é vivo, e mesmo essa distinção não é tão nítida e clara como muitas pessoas pensam.

Portanto, essa é a linguagem do futurismo e a linguagem da eletrônica, que reflete uma sensibilidade muito distinta, que me incomoda muito, muito mesmo. Não é utópica — e falarei disso mais tarde — é a linguagem da manipulação. É a linguagem da sociedade de massa. A maioria dos futuristas começa com a ideia: "Você tem um shopping center, o que você faz então?" Bem, a primeira pergunta a ser feita é: "Por que diabos você tem um shopping center? [risos] Essa é a verdadeira pergunta que deve ser feita. Não é "e se" você tiver um shopping center, o que fazer depois.

Lá fora, na grande e vasta distância — que as pessoas acham que deveríamos colonizar, indo em naves espaciais, ou que de alguma forma deveríamos nos relacionar com o universo distante e ouvir as estrelas —, mas ainda não começamos nem a ouvir nossos próprios sentimentos.

Nem sequer começamos a ouvir nossa própria localidade. Este planeta está sendo arruinado, e as pessoas estão falando de meios de projetar plataformas espaciais lá fora, falando de uma aldeia global, quando, para começar, não temos "aldeias" em nenhum lugar deste planeta. Não as temos. Não temos vilas, não temos comunidades, vivemos em um estado de atomização e esperamos nos comunicar eletronicamente uns com os outros por meio de vilas globais.

Isso me incomoda porque pode ser boa física, pode ter boa mecânica, pode ser uma boa dinâmica, pode ser qualquer coisa que você queira, mas não é ecologia. Não é ecologia.

O que é ecologia?

O erro mais fundamental começa com a ideia de que as coisas mudam. Agora, você sabe, mudar pode significar algo ou pode não significar nada. Se eu me afastar daqui e andar um metro e meio, eu "passei por uma mudança". Eu me afastei um metro e meio, mas não fiz nada no que me diz respeito, ou no que diz respeito a você. Não é com a "mudança" que estou preocupado. O que me preocupa é o desenvolvimento, o crescimento. Não me refiro ao crescimento no sentido comercial, mas ao crescimento da potencialidade humana, ao crescimento do espírito humano. Refiro-me ao crescimento do contato humano. Isso é ecológico. Desenvolver é o que é realmente ecológico. Mudar pode significar qualquer coisa. A questão é: qual é o fim para o qual você quer se desenvolver? Qual é o objetivo que você está tentando alcançar e, depois, se você se desenvolveu ou não até esse objetivo. Portanto, o mero input, output e feedback, o mero movimento, não significam nada — o verdadeiro problema é a discussão e o diálogo, o reconhecimento da personalidade, o crescimento e o desenvolvimento, que é o que interessa à biologia. Ela não se preocupa apenas com a mudança.

Por fim, é preciso deixar bem claro que se você acredita que a Terra é uma nave espacial, então você acredita que o mundo é um relógio. Você e Sir Isaac Newton concordam perfeitamente, o mundo é um relógio, assim como uma nave espacial é um monte de encanamentos com muitos foguetes, com muitos mostradores, com muitos pilotos e todo o resto. E se você ainda acredita que a beleza da mudança, hoje, é poder se deslocar para todos os lados em um helicóptero, que pegará sua cúpula geodésica, ou usar algum tipo de comunicação eletrônica para se relacionar com alguém que está a três mil milhas de distância, que você talvez nunca veja, então não estamos mudando nada, no sentido de desenvolvimento, estamos piorando as coisas, e piorando o tempo todo. E essa é uma questão que também me preocupa muito.

A ecologia — ecologia social — deve começar com o amor pelo lugar. Deve haver um lar. "Oikos" = lar, ecologia = o estudo do lar. Se não tivermos um lar — e esse lar não for uma comunidade orgânica e rica —, se não conhecermos a terra em que vivemos, se não entendermos seu solo, se não entendermos as pessoas com quem vivemos, se não conseguirmos nos relacionar com elas, então, nesse ponto específico, estaremos realmente em uma nave espacial. Estamos realmente em um vazio.

A ecologia deve começar com uma compreensão muito profunda da interação entre as pessoas e a interação entre as pessoas e o ecossistema imediato em que vivemos. De onde você vem, o que você ama, qual é a terra que você ama. Não me refiro ao país ou ao estado, estou falando da terra que você ocupa. Pode até ser um vilarejo, pode ser uma cidade, pode ser uma fazenda.

Mas, acima de tudo, sem essas raízes que o colocam na natureza, e em uma forma específica de natureza, é um engano falar sobre unidade cósmica, é um engano falar sobre naves espaciais, é um engano até mesmo falar sobre ecossistemas sem ter esse senso de unidade com seu local imediato, com seu solo, com sua comunidade, com seu lar. Sem essa comunidade e sem esse senso de lar, sem esse senso do orgânico — do orgânico e do desenvolvimento, em vez do mero inorgânico e da "mudança" em que você simplesmente muda de lugar — você não está mudando nada, os problemas são apenas ampliados ou diminuídos, mas continuam sendo os mesmos problemas.

O que não é ecologia?

É por essa razão que o futurismo hoje desempenha um papel cada vez mais reacionário, porque trabalha com o preconceito de que o que você tem é dado. Você tem que assumir o que existe hoje, extrapolar para o futuro e fazer um jogo de números. E, então, você sai por aí e manipula logisticamente aqui e ali, e implícita em tudo isso está a ideia de que vocês são coisas a serem manipuladas. Há todos os tipos de técnicos que decidirão, por meio de seus conhecimentos de eletrônica, por meio de seu "know-how", por meio de seu "feedback" e de seu "input", para onde você vai, o que você deve fazer: e isso está se tornando um problema muito sério hoje em dia, especialmente quando é confundido com ecologia, baseada no orgânico, no crescimento, no desenvolvimento como indivíduo, como comunidade e como lugar.

Finalmente, chega-se ao jogo de números mais sinistro de todos: quem deve viver e quem deve morrer. O "jogo da população". A aterrorizante ética do bote salva-vidas, na qual agora, em nome da ecologia, estão sendo propostas visões que são quase indistinguíveis do fascismo alemão. Há pessoas que são obrigadas a se afogar e que, por acaso, vivem na Índia. Convenientemente, eles têm pele negra ou escura, e você pode identificá-los. E há aqueles que ocupam outro bote salva-vidas, que se chama América do Norte. E nesse bote salva-vidas, você tem de conservar o que tem, entende?

Você tem de estar preparado para desenvolver uma ética, tem de estar preparado para desenvolver a resistência para ver as pessoas morrerem. É claro que você se arrependerá, mas com recursos escassos e população crescente, o que você pode fazer? Em vez de tentar descobrir o que havia de errado com o navio que o fez afundar e em vez de tentar construir um navio que possibilite que todos nós compartilhemos o mundo, você entra em um bote salva-vidas, assim como entra em uma nave espacial e, nesse ponto específico, que se dane o mundo. E essa é uma ideologia muito sinistra.

Falo como alguém que vem da década de 30 e se lembra, de forma muito dramática, que havia a ecologia demográfica, se preferirem, na Alemanha, não diferente de algumas das ecologias demográficas que tenho testemunhado hoje. Lembrem-se bem de que as implicações de algumas dessas concepções são extremamente totalitárias, extremamente antiecológicas, extremamente inorgânicas e tendem, no mínimo, a promover uma visão totalitária do futuro em que não há escala humana, em que não há controle humano.

Outra coisa que me incomoda muito é a enorme extensão em que a ecologia social ou os problemas ecológicos são reduzidos simplesmente a problemas tecnológicos. Isso é ridículo. É um absurdo. A fábrica é um local onde as pessoas são controladas, quer construam coletores solares ou não. Isso não faz diferença.[aplausos] Lá existirão as mesmas relações que existem em qualquer outra circunstância de dominação. Se "casa" significa que as mulheres cuidam da louça e os homens saem e fazem o trabalho masculino, como fazer a guerra, limpar o planeta e reduzir a população, aonde chegamos? Nada mudou. Como será a aparência de uma "nave espacial" na Terra? O que ela será? Quem será o general que dará as ordens, quem será o navegador que decidirá em que direção a "nave espacial" irá?

Tenha em mente quais são as implicações dessas coisas. Se as pessoas moram em cidades com uma milha de altura, como diabos vocês poderão se conhecer? Como você pode sentir a terra em que vive, se a paisagem que você vê vai até um horizonte a vinte, trinta, quarenta milhas de distância? No topo do World Trade Center, não sinto nada por Nova York. Se eu fosse um produto comum e simples da Força Aérea dos Estados Unidos e recebesse uma ordem do World Trade Center, lá no alto, para bombardear Manhattan, olhando para baixo, eu não veria nada. Eu apertaria o botão e isso não teria sentido. A grande bomba, o grande clarão, a grande nuvem subiriam. Isso não teria nenhum significado para mim. Lá embaixo no chão, quando olho para o Empire State Building ou para o World Trade Center, sinto-me oprimido. Sinto que fui reduzido a uma formiga humilde. Começo a sentir a demanda por um ambiente que eu possa controlar. Que eu possa começar a entender. Mas quando vejo as plantas crescendo ao meu redor, quando vejo a vida existindo ao meu redor — vida humana, vida animal de todas as suas diferentes formas, flora — então posso me identificar. Esta é a minha terra.

Pensar humano

O que temos de fazer não é apenas "pensar pequeno" [referência a um livro de sucesso na época], temos de pensar humano. Pequeno não é suficiente. O que conta é o que é humano, não apenas o que é pequeno. O que é belo são as pessoas, o que é belo são os ecossistemas e sua integridade nos quais vivemos. O que é belo é o solo que compartilhamos com o resto do mundo da vida. E, particularmente, aquele pedaço especial de solo no qual sentimos que temos algum grau de responsabilidade.

Não é apenas o que é pequeno que é belo, é o que é ecológico que é belo, o que é humano é belo.

O importante não é apenas que a tecnologia seja apropriada. Como já disse antes: a Comissão de Energia Atômica está absolutamente convencida de que as usinas nucleares são uma tecnologia apropriada — para a Comissão de Energia Atômica. Os bombardeiros B1 são uma tecnologia muito apropriada para a Força Aérea.

O que me preocupa é, novamente, o que é libertário, o que é ecológico. Temos de trazer essas palavras carregadas de valor e temos de trazer esses conceitos carregados de valor para o nosso pensamento, ou então nos tornaremos meros físicos, lidando com matéria morta e lidando com as pessoas como se fossem meros objetos a serem manipulados, em naves espaciais, ou a serem conectados por meio de várias formas de dispositivos eletrônicos, ou sujeitos a jogos mundiais ou, finalmente, à deriva em uma jangada ou em um bote salva-vidas no qual eles expulsam qualquer um que ameace comer seus biscoitos ou que ameace beber sua água destilada — e isso se torna ecofascismo. Isso se torna ecofascismo, e fico horrorizado ao pensar que qualquer coisa ecológica — até mesmo a palavra "eco" — possa ser associada ao fascismo.

Antes de mais nada, precisamos voltar à tradição utópica, no sentido mais rico da palavra. Não à tradição eletrônica, não à tradição da NASA, não à tradição de Sir Isaac Newton, na qual o mundo inteiro era uma máquina ou um relógio.

Você pode viajar por todo o país e não aprender nada, porque está carregando algo muito importante com você, que decidirá se você aprenderá ou não, e isso é: você mesmo. Mude-se para a Califórnia amanhã e, se ainda tiver os mesmos problemas psicológicos, espirituais e intelectuais, você estará suando em São Francisco da mesma forma que em Amherst ou Nova York. Isso é o mais importante: recuperar-se e começar a criar uma comunidade. E que tipo de comunidade a imaginação pode começar a criar.

O que significa ser utópico?

"Da imaginação ao poder", como disseram os estudantes franceses. "Seja prático, faça o impossível", porque se você não fizer o impossível, como eu disse várias vezes, acabaremos com o impensável — e isso será a destruição do próprio planeta. Portanto, fazer o impossível é a coisa mais racional e prática que podemos fazer. E esse impossível é, tanto em nossa própria convicção quanto em nossa convicção compartilhada com nossos irmãos e irmãs, começar a tentar criar ou trabalhar em direção a uma noção bem distinta do que constitui uma sociedade finalmente liberada e ecológica. Uma noção utópica, não uma noção futurista.

Finalmente, isso significa o seguinte: temos de começar a desenvolver comunidades ecológicas. Não apenas uma sociedade ecológica — comunidades ecológicas, compostas por um número comparativamente pequeno de grupos, e belas comunidades espaçadas umas das outras, de modo que você possa quase caminhar até elas, e não apenas ter de entrar em um carro e viajar sessenta ou setenta quilômetros para chegar até elas. Isso significa que temos que reabrir a terra e reutilizá-la novamente para criar canteiros de hortas orgânicas e aprender a desenvolver uma nova agricultura na qual todos nós participaremos da horticultura.

Temos de procurar comunidades que possamos ter uma visão única, como disse Aristóteles há mais de 2.200 anos — e ainda temos de aprender muito com os gregos, apesar de todos os seus defeitos como proprietários de escravos e patriarcas —, uma comunidade que possamos ter uma visão unificada, para que possamos nos conhecer. Não uma comunidade em que nos conhecemos uns aos outros por nos sentarmos e conversarmos por telefone, ou ouvirmos algum chefe falar por um microfone, ou ouvirmos algum chefe maior falar por uma tela de televisão. Isso tem de ser feito sentados em comunidades, em reuniões municipais e nas estruturas que temos aqui nos Estados Unidos como parte do legado — o melhor legado dos Estados Unidos — pelo menos, e começar a pensar em utopia no sentido mais amplo da palavra.

Também temos que desenvolver nossas próprias tecnologias. Não podemos deixar que outras pessoas simplesmente as construam para nós. Elas não podem ser transportadas sabe-se lá de onde para nós. Temos que saber consertar nossas torneiras e criar nossos próprios coletivos. Temos de nos tornar seres humanos ricamente diversificados. Temos de ser capazes de fazer muitas coisas diferentes.

Temos de ser cidadãos-agricultores e agricultores-cidadãos. Temos de recuperar o ideal que até mesmo Ben Franklin — que de forma alguma pode ser considerado, em minha opinião, algo mais do que um filisteu — acreditava no século 18: você pode tanto imprimir quanto ler e, quando imprime, lê o que imprimiu. É isso que temos de trazer para nós mesmos. Temos de pensar não apenas em termos de mudança; temos de pensar em termos de crescimento. Temos de usar a linguagem da ecologia para que possamos nos tocar com a magia das palavras e nos comunicarmos uns com os outros, com a magia e a riqueza dos conceitos, e não com frases de efeito que são realmente rápidas [estala os dedos] — "input", "output". O diálogo é mais longo, mas tem uma bela ressonância. "Dia" + "logos", discurso entre dois, conversa entre dois. Logos = lógica, raciocínio criativo, dialético, e crescimento por meio da conversa, e crescimento por meio da comunicação. É isso que quero dizer com utopia. Temos de voltar a Fourier, que disse que a medida da opressão de uma sociedade poderia ser determinada pela maneira como ela trata suas mulheres. Não foi Marx quem disse isso, foi Charles Fourier... Temos de voltar à rica tradição da reunião da cidade da Nova Inglaterra, e tudo o que havia de saudável nela, recuperá-la e aprender um novo tipo de confederalismo.

Hoje, os verdadeiros movimentos do futuro, na medida em que são utópicos em suas perspectivas — na medida em que estão tentando criar não uma extensão do presente, mas tentando criar algo que seja realmente novo, que por si só possa resgatar a vida, o espírito humano, bem como a ecologia deste planeta — devem ser construídos em torno de uma nova e rica comunicação, não entre líder e liderado — mas entre aluno e professor, de modo que cada aluno possa eventualmente se tornar um professor, e não um ditador, um governador, um controlador e um manipulador.

E, acima de tudo, temos de pensar organicamente. Temos de pensar organicamente — não eletronicamente. Temos de pensar em termos de vida e biologia, não em termos de relógios e física. Temos de pensar em termos do que é humano, não do que é meramente pequeno ou grande, porque só isso será belo. Qualquer sociedade que busque criar uma utopia não será apenas uma sociedade livre, mas também precisa ser uma sociedade bela. Não pode mais haver nenhuma separação — mais do que entre mente e corpo — entre a arte e o desenvolvimento de uma sociedade livre. Devemos nos tornar artistas agora, não apenas ecologistas, utópicos. Não futuristas, não ambientalistas.

[aplauso]

[Murray Bookchin recebeu duas perguntas relevantes da plateia, que não foram ouvidas na gravação. O primeiro questionador perguntou se ele era contra a tecnologia.]

Não, isso não é verdade. Vejo um uso muito grande para a tecnologia. O que estou falando é de uma tecnocracia. Estou falando de um governo por técnicos. Estou falando do uso de vários tipos de dispositivos tecnológicos que são desumanos para as pessoas e desumanos em sua escala, e não podem ser controlados por pessoas. A beleza de uma tecnologia ecológica — uma ecotecnologia, ou uma tecnologia libertária, ou uma tecnologia alternativa — é que as pessoas podem entendê-la se estiverem dispostas a tentar dedicar algum grau de esforço para isso. É a simplicidade, sempre que possível, é a pequena escala, sempre que possível. É disso que estou falando. Não estou falando em voltar ao paleolítico, não estou falando em voltar para as cavernas. Não podemos voltar a isso e acho que não queremos voltar a isso.

[Na próxima pergunta da plateia, Bookchin é solicitado a descrever, de forma bem concreta, sua visão política. Houve risos após a pergunta.]

Vou ser realmente duro com isso e ir direto ao ponto, e não apenas dizer que estou lhe dando alguns princípios filosóficos vagos. Eu gostaria de ver comunidades, cooperativas de alimentos, grupos de afinidade, todos esses tipos de estruturas — reuniões urbanas desenvolvidas em todos os Estados Unidos. Gostaria de ver organizações de bairro, não hierárquicas em sua forma, desenvolvidas em todos os Estados Unidos, da cidade de Nova York a São Francisco, da zona rural de Vermont à zona urbana da Califórnia. Quando essas organizações específicas se desenvolverem rapidamente e se confederarem, primeiro regionalmente e, com sorte, nacionalmente e talvez até internacionalmente — porque não estamos mais falando apenas dos Estados Unidos, estamos falando até mesmo do que está acontecendo na União Soviética em grande parte —, espero que elas, de uma forma ou de outra, pelo exemplo e pela educação, conquistem a maioria das pessoas para essa sensibilidade. E, tendo feito isso, exijam que a sociedade seja transformada e, depois disso, teremos de enfrentar o que tivermos de enfrentar. A única alternativa que temos depois disso, se não fizermos isso, será a seguinte: seremos organizados em burocracias, burocracias em nome do progresso, bem como burocracias em nome do reacionarismo, bem como burocracias em nome do status quo.

E se estivermos organizados na forma dessas burocracias, quer usemos energia solar ou gases nervosos, não faz diferença, acabaremos, em última análise, com a mesma coisa. Na verdade, a ideia de que a energia solar, a energia eólica ou o metano estejam sendo usados em vez de combustíveis fósseis se tornará apenas uma desculpa para manter o mesmo sistema multinacional, corporativo e hierárquico que temos hoje.

Portanto, proponho que esses tipos de organizações e esses tipos de formas sociais sejam desenvolvidos em todo o país e, cada vez mais, esperamos que afetem a maioria da opinião, a ponto de o povo americano, de uma forma ou de outra, fazer com que suas vozes sejam ouvidas, porque eles são a maioria esmagadora e dizem que querem mudar a sociedade.

E se os Estados Unidos mudarem, o mundo inteiro mudará, em minha opinião pessoal. Porque esse é o centro, literalmente a pedra fundamental do que eu chamaria de todo o sistema capitalista que hoje envolve o mundo, seja na China, em Cuba e na Rússia, ou nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa Ocidental. Isso é, muito concretamente, o que proponho.

Gostaria de deixar isso bem claro: primeiro, o povo americano começará a mudar inconscientemente, antes de mudar conscientemente. Você irá até eles e perguntará: "O que você acha do trabalho?" E eles dirão que é nobre. Você lhes perguntará o que acham da propriedade? E eles dirão que é sagrada. E você lhes perguntará, o que acham da maternidade, e eles dirão que é grandiosa, que é piedosa. O que você acha da religião e elas dirão que pertencem a ela e que são completamente devotadas a ela. Se você perguntar a eles o que acham dos Estados Unidos, eles dirão: "ame-os ou deixe-os". Você perguntará o que acham da bandeira e eles dirão que é gloriosa, a Velha Glória.

Mas, um dia, algo vai acontecer. Um dia, o inconsciente, a expectativa, o sonho, a imaginação, a esperança com a qual você vai para a cama e se afunda nas horas crepusculares do sono, ou de manhã cedo, quando sonha acordado, logo depois que o despertador toca e você o desliga — essas expectativas e sonhos que estão enterrados na mente inconsciente de milhões e milhões de americanos vão se tornar conscientes. E quando eles se tornarem conscientes, que Deus ajude esta sociedade. [empolgação da plateia] Estou falando muito sério.

Essa é a estranha catálise, o estranho processo de educação; todos hoje em dia são esquizofrênicos, estamos todos levando vidas duplas, e sabemos disso. E não apenas nós estamos levando vidas duplas, mas também as pessoas comuns — as chamadas "comuns" — que estão por aí também estão levando vidas duplas. E um dia, essa vida dupla se tornará uma vida unificada. Talvez seja para pior. mas talvez seja para melhor. Nesse momento específico, talvez comece algo como maio, junho de 1968 em Paris. Em todos os lugares, serão hasteados todos os tipos de bandeiras que não se parecem com as bandeiras que estamos acostumados a ver. [risos do público] Talvez seja preta ou vermelha, não sei. Nesse momento específico, milhões de pessoas deixarão de trabalhar e começarão a discutir.

Então, você terá aquela situação aterrorizante chamada governo da multidão. Mas isso acontecerá, e foi o que aconteceu aqui em 1776, eles acreditavam no rei até julho de 1776. Nesse meio tempo, eles estavam tendo dúvidas. Eles nem sabiam que não gostavam da monarquia. Mas um dia acordaram e disseram: que se dane o Rei George. Correram para a frente e escreveram a Declaração de Independência, que foi lida para as tropas.

Naquele momento específico, a Union Jack caiu e as estrelas e listras subiram. É assim que as pessoas realmente mudam. As pessoas mudam inconscientemente antes de mudar conscientemente.

Elas começam a ter sonhos — os sonhos são perigosos. Os sonhos são peças de imaginação, são pedaços de poesia. Eles são os balões que voam na história.


(Transcrito e editado, em inglês, por Constanze Huther.)

Murray Bookchin foi um teórico político, filósofo e ativista. Ele desenvolveu a filosofia da ecologia social e a teoria política do municipalismo libertário, ou comunalismo, que influenciou o crescente movimento "municipalista" em todo o mundo. Foi cofundador do Institute for Social Ecology, que continua ativo até hoje. Bookchin faleceu em 2006. A versão completa em áudio desse discurso está disponível na University of Massachusetts Special Collections and University Archives aqui.

Fonte: https://circular.emer.email/p/utopia-nao-futurismo-por-que-realizar?utm_source=post-email-title&publication_id=78191&post_id=135567205&isFreemail=true&utm_medium=email

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