Ruy Castro*
Enterro de Gabriela Anacelli, torcedora do Palmeiras que morreu em consequência de uma briga de torcidas no último sábado -É o nós contra todos. O outro é uma ameaça. Saímos à rua vestidos para matar
Nas últimas semanas, escrevi duas colunas (23 e 29/6)
sobre o fato de que, por qualquer motivo, brasileiros sacam facas,
pistolas e barras de ferro, e partem com fúria assassina para cima uns
dos outros. Crianças sofrem violência fatal por pais ou tutores. Mulheres são agredidas
ou mortas por maridos ou namorados. E o futebol se tornou uma catarse
do mal, em que massas de torcedores alvejam adversários com rojões, trocam garrafadas, depredam patrimônio e juram terror a seus próprios jogadores.
As duas colunas se compunham de notícias colhidas na mesma semana. Perguntei: o que está acontecendo conosco?
Há dias, o levantamento de um órgão internacional dedicado a medir a paz
—e, por conseguinte, a violência— tornou ainda mais premente a
pergunta. O Brasil é um dos 35 países mais perigosos do mundo. Os
critérios usados foram o envolvimento em conflitos, o nível de segurança
baseado nas taxas de criminalidade e a quantidade de armamento em
circulação.
O Brasil não está em guerra com ninguém, mas, dentro de suas fronteiras, tem uma facção capaz de produzir o 8/1.
O país bate recordes em crime organizado, polícia com licença para
matar e execuções entre os dois grupos a resultar em comunidades sob
permanente tiroteio. O número de armas
em poder de particulares, autointitulados caçadores, atiradores e
colecionadores, quintuplicou nos últimos anos e explica a facilidade com
que as pessoas se matam no dia a dia. Em 2022, ano da pesquisa, foram
40,8 mil mortes violentas no país —média de 110 vítimas por dia.
O Brasil sempre foi violento, fruto de desigualdade, racismo, homofobia,
ignorância, brutalidade policial, leis complacentes, certeza de
impunidade e corrupção geral. E não vai ficar assim. Vai piorar.
Estamos sendo impregnados pelo discurso do ódio. É o nós contra todos. O outro é uma ameaça. Saímos à rua vestidos para matar.
* Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2023/07/o-que-esta-acontecendo-conosco.shtml
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