Anselmo Borges*
A poucos dias do início da Jornada Mundial da Juventude, deixo aí, também a partir de perguntas de jornalistas, inclusivamente estrangeiros, algumas notas dispersas sobre a Igreja em Portugal.
Genericamente, diria que o seu estado geral é um pouco estagnado, falta dinamismo. Entre os pontos mais positivos, parece-me que é de justiça sublinhar, disso ninguém duvidará, o papel social que a Igreja presta aos mais vulneráveis, nomeadamente através das IPSS (instituições particulares de solidariedade social), um papel insubstituível, mas também através de outras instituições como o Banco Alimentar, as conferências vicentinas de São Vicente de Paulo... A Igreja desempenha também um papel importante, decisivo, na salvaguarda de valores essenciais, como a família, a dignidade humana, a solidariedade...
Aspectos negativos. Pouco dinamismo pastoral, um clero envelhecido.... Sublinho que a Universidade Católica Portuguesa com a sua Faculdade de Teologia deveria desempenhar um papel mais activo e dinamizador na evangelização e quanto a questões de ética, nomeadamente de bioética...
Quero sublinhar que a Igreja Católica é ainda uma realidade pública reconhecida mesmo pelos media..
Neste contexto, é importante apresentar dados estatísticos. Segundo o Censos de 2021, os católicos constituem a grande maioria da população: 80,2% declara-se católica (em 2011, eram 88%); 14% diz não seguir nenhum credo religioso. Um outro estudo, de 2022, sobre "Jovens, fé e futuro" revela que 56% dos jovens entre os 14 e 30 anos se afirmam católicos e 34% dizem rezar regularmente e participar em celebrações. Mariano Delgado, director do Instituto para o estudo das religiões e o diálogo inter-religioso na Universidade de Friburgo/Suíça, faz notar que "quase nenhum outro país europeu conta com estatísticas tão favoráveis para a Igreja católica". Note-se, por exemplo, que, segundo uma sondagem recente, mais de um terço da população italiana, 37%, se declara "não crente".
Claro que a prática religiosa tende a cair devido à secularização e também ao modo das celebrações. Precisamos, também neste nível, de uma reforma profunda. As celebrações têm de ser mais vivas, pois correm o risco de serem um ritual seco. As homilias são, de modo geral, um desastre. Neste contexto, julgo que bispos e padres deveriam aceitar o desafio de passar para o outro lado, isto é, disfarçados, assistir entre os fiéis de modo a sentir o que levam dessas celebrações, tomando consciência de certo vazio.
Entre os maiores desafios está certamente uma secularização crescente, no sentido de a religião já não ser tão determinante como era para a auto-compreeensão e realização das pessoas nas diferentes esferas da vida. Assim, cada vez mais há menos casamentos pela Igreja e aumenta o número de divórcios... O Estado legalizou o aborto, acaba de legalizar a eutanásia activa...
A transformação da Igreja só pode realizar-se verdadeiramente, se cada um, a começar pelos bispos, padres, cardeais, perguntar a si próprio: acredito verdadeiramente nesta mensagem?, ela é boa para mim?, para mim? De facto, só se a considerar existencialmente boa e felicitante para mim, poderei ir convictamente entregá-la aos outros também.
Mas tenho a convicção de que a Igreja ainda encontra um lugar no mundo moderno, um lugar central, pois é portadora da mensagem decisiva do Evangelho, a melhor notícia que a Humanidade ouviu ao longo da sua História. Como diz a própria palavra Evangelho, que vem do grego: notícia boa e felicitante. Jesus entregou à Humanidade o Evangelho, essa notícia boa e felicitante: Deus é bom, é Pai e Mãe, ama todos os seus filhos e filhas e o seu maior interesse é a alegria, a felicidade, a plena realização de todos. Portanto, a Igreja transporta consigo não só o mandamento da parte de Deus da justiça e da paz, mas também a mensagem do sentido último da existência: não caminhamos para o nada, mas para a plenitude da vida em Deus.
Assim, a transformação da Igreja só pode realizar-se verdadeiramente, se cada um, a começar pelos bispos, padres, cardeais, perguntar a si próprio: acredito verdadeiramente nesta mensagem?, ela é boa para mim?, para mim? De facto, só se a considerar existencialmente boa e felicitante para mim, poderei ir convictamente entregá-la aos outros também.
Como é natural, a confiança na Igreja viu-se abalada por causa dos abusos sexuais. Como diz um estudo acabado de ser publicado, 68% dos portugueses pensa que a imagem da Igreja piorou no último ano precisamente ao ter de lidar com os resultados da investigação sobre os abusos sexuais. Ao mesmo tempo, o estudo mostra que 72% achou bem ou mesmo muito bem que a Conferência Episcopal Portuguesa tenha criado a Comissão Independente para um estudo independente dos abusos da Igreja desde 1950, mas 42% pensa que a mesma Conferência Episcopal respondeu mal ou muito mal aos resultados que a Comissão apurou, enquanto 33% pensa que a sua atuação foi "nem boa nem má".
Numa outra sondagem sobre a confiança nas instituições, em relação à Igreja Católica 42% dizem tender a confiar e 53% tender a desconfiar.
É importante fazer notar que faz parte do programa da visita do Papa Francisco, para presidir à Jornada Mundial da Juventude, um encontro com um grupo de abusados.
Significativamente, desta mesma sondagem resulta que 79% crê que a Jornada Mundial da Juventude, com a presença do Papa Francisco, terá um impacto mais positivo do que negativo. Pessoalmente, também penso isso e que, com a presença de mais de um milhão de jovens vindos de todos os Continentes e quase todos os países, de diferentes cores, línguas, culturas e credos, ela poderia constituir uma espécie de micro-ensaio de como um mundo em diálogo, em justiça e em paz é possível.
*Padre e professor de Filosofia.
Escreve de acordo com a antiga ortografia
Fonte: https://www.dn.pt/opiniao/notas-sobre-a-igreja-catolica-em-portugal-16771382.html
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