terça-feira, 18 de julho de 2023

“Torna-te quem tu és”

Juremir Machado da Silva*


“Torna-te quem tu és”  
Lipovetsky esteve em maio em Porto Alegre | Foto: Giordano Toldo / PUCRS

O filósofo Gilles Lipovetsky, que em maio esteve em Porto Alegre, me deixou um exemplar autografado do seu penúltimo livro publicado pela prestigiosa editora Gallimard, Le sacre de d’authenticité. Depois desse, na mesma coleção onde um dia publicou gente como Michel Foucault, Lipovetsky já lançou “A nova era do kitsch”. Esses livros ainda não foram traduzidos para o Brasil. Mas, afinal, de onde vem essa consagração da autenticidade no mundo atual? Para ele, a busca pela autenticidade – seja você mesmo e não o que a sociedade quer – tem três fases: a primeira, no século XIX, como uma revolta de poetas e artistas contra o conformismo burguês; a segunda, nos anos 1960, como uma rebelião juvenil e coletiva contra o consumismo e o autoritarismo (tempos da contracultura, dos hippies, etc); a terceira, em vigor, é a apropriação pelo sistema dessa ideia: ser quem se é como uma máxima geral, social, empresarial, total.

Juremir Machado da Silva: O que significa ser autêntico?
Lipovetsky:
Viver de acordo consigo mesmo.

JMS: Qual o fundamento dessa máxima?
Lipovetsy:
No mundo moderno não há fundamentação transcendental. O bem e o mal dependem de julgamento humano. Existem consensos sociais e a lei. Quem não respeita a lei, pode ser punido. Tudo é imanente.

JMS: São contratos sociais transitórios?
Lipovetsky –
De certo mundo, sim. As sociedades modernas organizam-se em torno do bem-estar e da possibilidade de fazer tudo aquilo que não traz prejuízo a terceiros. A argumentação racional é meio de fundamentação. No século XIX, pensadores como Kierkegaard e John Suart Mill já defendiam o viver autenticamente como forma de autorrespeito.

JMS: Em filosofia, uma noção, a de “on” foi importante nessa reflexão.
Lipovetsky:
A questão da autenticidade foi retomada por Heidegger e seguida por Sartre. O “on” era o conformismo, o impessoal, a gente, enquanto ser autêntico implicava fazer escolhas, ter uma singularidade, uma personalidade própria, uma marca individual. Na fase I, poetas revoltaram-se contra a ditadura do que viria a ser chamado filosoficamente de “on”. Na fase II, da contracultura e da efervescência dos anos 1960, tivemos uma revolta juvenil ampla contra a uniformização pelo sistema e por seus meios de comunicação.

JMS: Agora, viver de acordo consigo mesmo, tornou-se máxima total que deve estar ao alcance de todos. O sistema domesticou Nietzsche?
Lipovetsky:
Esse é o paradoxo da nossa época. O sistema incorporou o que antes eram revoltas contra o conformismo que impunha. Era preciso viver conforme normas sociais ou religiosas. Hoje, até mesmo as empresas dizem aos seus funcionários que eles devem ser eles mesmos. Nietzsche certamente veria nisso uma nova forma de conformismo.

Fonte:  https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/juremir-newsletter-lipovetsky/

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