O filósofo Gilles Lipovetsky, que em maio esteve em Porto Alegre, me deixou um exemplar autografado do seu penúltimo livro publicado pela prestigiosa editora Gallimard, Le sacre de d’authenticité. Depois desse, na mesma coleção onde um dia publicou gente como Michel Foucault, Lipovetsky já lançou “A nova era do kitsch”. Esses livros ainda não foram traduzidos para o Brasil. Mas, afinal, de onde vem essa consagração da autenticidade no mundo atual? Para ele, a busca pela autenticidade – seja você mesmo e não o que a sociedade quer – tem três fases: a primeira, no século XIX, como uma revolta de poetas e artistas contra o conformismo burguês; a segunda, nos anos 1960, como uma rebelião juvenil e coletiva contra o consumismo e o autoritarismo (tempos da contracultura, dos hippies, etc); a terceira, em vigor, é a apropriação pelo sistema dessa ideia: ser quem se é como uma máxima geral, social, empresarial, total.
Juremir Machado da Silva: O que significa ser autêntico?
Lipovetsky: Viver de acordo consigo mesmo.
JMS: Qual o fundamento dessa máxima?
Lipovetsy:
No mundo moderno não há fundamentação transcendental. O bem e o mal
dependem de julgamento humano. Existem consensos sociais e a lei. Quem
não respeita a lei, pode ser punido. Tudo é imanente.
JMS: São contratos sociais transitórios?
Lipovetsky – De
certo mundo, sim. As sociedades modernas organizam-se em torno do
bem-estar e da possibilidade de fazer tudo aquilo que não traz prejuízo a
terceiros. A argumentação racional é meio de fundamentação. No século
XIX, pensadores como Kierkegaard e John Suart Mill já defendiam o viver
autenticamente como forma de autorrespeito.
JMS: Em filosofia, uma noção, a de “on” foi importante nessa reflexão.
Lipovetsky: A
questão da autenticidade foi retomada por Heidegger e seguida por
Sartre. O “on” era o conformismo, o impessoal, a gente, enquanto ser
autêntico implicava fazer escolhas, ter uma singularidade, uma
personalidade própria, uma marca individual. Na fase I, poetas
revoltaram-se contra a ditadura do que viria a ser chamado
filosoficamente de “on”. Na fase II, da contracultura e da efervescência
dos anos 1960, tivemos uma revolta juvenil ampla contra a uniformização
pelo sistema e por seus meios de comunicação.
JMS: Agora, viver de acordo consigo mesmo, tornou-se máxima
total que deve estar ao alcance de todos. O sistema domesticou
Nietzsche?
Lipovetsky: Esse é o paradoxo da nossa época. O
sistema incorporou o que antes eram revoltas contra o conformismo que
impunha. Era preciso viver conforme normas sociais ou religiosas. Hoje,
até mesmo as empresas dizem aos seus funcionários que eles devem ser
eles mesmos. Nietzsche certamente veria nisso uma nova forma de
conformismo.
Fonte: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/juremir-newsletter-lipovetsky/
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