Fortes dores de cabeça, acompanhadas por vômito, dormência na face e fraqueza podem ser sinais de AVC. Foto: rawpixel/Pixabay
Como falei nesta coluna, Richard Moneygrand, meu velho mentor, sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) e ficou com seu lado esquerdo paralisado
Como falei nesta coluna, Richard Moneygrand, meu velho mentor, sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) e ficou com seu lado esquerdo paralisado. Assim que soubemos, entramos em contato. Segue, com a devida censura aos expletivos que são parte das nossas conversas, trechos que podem ajudar outras vítimas da vida e de seu próprio corpo, como sublinhou meu amigo.
“E aí Dick, como está?”
“Estou bem. O mais estranho está passando.”
“Me traduz esse ‘estranho’...”
“Meu lado esquerdo – braço, perna e a minha imprescindível mão – fugiu do controle, foi paralisado. Era como se tivessem aplicado neste lado do meu corpo uma poderosa anestesia. Eu queria escrever e o braço e a mão não se mexiam – e era impossível mover a perna! No entanto, meu caro Roberto, a minha consciência (que é a minha alma) estava intacta. Ela pensava em tudo, e pedia o que queria, mas esse pedaço do meu corpo estava fora de mim e definitivamente contra mim. Senti-me despedaçado. Minha consciência estava inteira; meu corpo, porém, estava partido...”
“Não dramatiza, Dick. Vamos com calma...”
“Calma é a palavra de ordem no Brasil! Fiquei intrigado e surpreendido com essa subversão do meu lado esquerdo porque sou canhoto. Como é que o meu corpo (o único que possuo) fez isso comigo? Em algumas horas, foi-se um lado. Ora, isso só ocorre com um humano que, a partir do nascimento, começa uma luta para inventar e domar o seu corpo. Um combate curioso porque, no fim, a gente sabe que o corpo vai embora.”
“Deve ser doloroso sentir essa divisão...”
“Mais que isso, o nosso corpo é o instrumento pelo qual atuamos no mundo. Ele é vida e a minha mais triste experiência foi sentir que um lado dele havia me abandonado. Esse sentimento de uma meia-morte só me abandonou quando comecei a mexer o braço e a andar.”
“Bob (era assim que ele me chamava quando queria me provocar), quando um pedaço da sua subjetividade não lhe obedece, a vida vira um barco numa tempestade e você pensa que vai morrer; aliás, mais que isso, você fica meloso – e, muito pior, você tem pena de si mesmo e pode até chorar. É triste sentir essa covardia, esse medo real da morte que, cedo ou tarde, virá...”
A essa altura, quem estava sentindo a perna dormente era eu que, no meu raro mutismo, ouvia parte dessas confidências que meu amigo considerava vergonhosas – “shameful”. E eu, brasileiro, ouvia comovido porque, como todo mundo, jamais deixei de temer a morte, mas pensava (também como todo mundo) que ela estava sempre longe, muito longe de todos nós.
Foi nesse justo momento que Verusca, uma enfermeira super-hábil e muito atraente, me mandou embora, porque tinha que trocar o fraldão do meu amigo...
* É antropólogo social, escritor e autor de 'Fila e Democracia'
Fonte: https://www.estadao.com.br/cultura/roberto-damatta/reflexoes-de-um-enfermo-fiquei-intrigado-com-essa-subversao-do-meu-lado-esquerdo-por-ser-canhoto/ 12/07/2023 |
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