terça-feira, 11 de julho de 2023

Por que a busca pela verdade no Google depende do que você quer acreditar

 Por Tim Harford, Financial Times

  Quando você recorre ao Google em busca de respostas, muita coisa vai depender da sua pergunta — Foto: Mix Company/Pixabay

Quando você recorre ao Google em busca de respostas, muita coisa
 vai depender da sua pergunta — Foto: Mix Company/Pixabay


Qual é a cor do céu? Do oceano?

Você pode pensar que a resposta é óbvia: eles são azuis. Mas talvez não. Os mares de Homero eram “escuros como o vinho”, e ele nunca se referiu à cor azul. Ele não estava sozinho; a maioria dos textos antigos não usava a palavra. O motivo exato é uma questão em debate, mas uma explicação é que nas sociedades antigas o azul era uma cor incomum.

Os corantes azuis vieram depois; as flores azuis são resultado de reprodução seletiva; os animais azuis não são nada comuns. Quanto ao céu e o mar, talvez eles sejam melhor descritos como brancos, cinzas ou escuros como vinho. Então talvez as pessoas não dissessem “azul” antigamente, porque a cor era tão rara que não precisava de classificação.

Hoje em dia, podemos fazer o que Homero não podia: perguntamos ao Google de que cor é o céu. Problema resolvido? Não necessariamente.

Como explica a socióloga Francesca Tripodi, se você digitar “Por que o céu é azul?” em uma caixa de pesquisa, obterá muitas explicações científicas (“Dispersão de Rayleigh”, aparentemente). Mas pergunte “por que o céu é branco?”, e você poderá ser informado de que isso se deve à dispersão da luz por grandes partículas na atmosfera. Pergunte “por que o céu é vermelho?”, e será informado: é a dispersão de Rayleigh novamente. “Por que o céu é verde?” Possivelmente porque um tornado se aproxima.

Alguns anos atrás, Tripodi observou atentamente e conversou com eleitores republicanos da Virgínia e constatou que — ao contrário do que os progressistas metropolitanos podem presumir — eles são cidadãos atenciosos que gastam um tempo e energia consideráveis analisando de forma crítica as notícias.

Essas pessoas são cristãs, conservadoras e republicanas, nesta ordem, e aplicam sua prática habitual de ler atentamente a Bíblia para ler atentamente a Constituição e os projetos de lei do Congresso. Elas “desembrulham” o significado e checam com pesquisas independentes. Elas estão muito distantes das caricaturas ingênuas que teriam acreditado que a candidatura à presidência de Donald Trump teria recebido o apoio do papa.

Infelizmente, como explica Tripodi em seu livro de 2022, “The Propagandists’ Playbook”, verificar cuidadosamente fatos e argumentos com uma busca no Google não garante sabedoria, objetividade ou mesmo exposição a argumentos contrários. Por exemplo, quando jogadores da liga de futebol americano, a NFL, começaram a se ajoelhar durante a execução do hino dos EUA, Trump afirmou que a audiência havia caído. Pesquise no Google “queda da audiência da NFL” e você verá a confirmação por sites que simpatizam com Trump. Pesquise “aumento da audiência da NFL” e você verá uma lista de sites progressistas afirmando o contrário.

Para evitar esse problema, um cidadão que busca a verdade deveria procurar sistematicamente pontos de vista contrários. Mas poucas pessoas, de qualquer parte do espectro político, tendem a fazer isso. Isso não se deve a um partidarismo grosseiro, e sim a uma falha mais sutil em nossos módulos de raciocínio.

Em 1960, o psicólogo Peter Wason publicou um estudo impressionante sobre essa tendência. Aos participantes era apresentada uma sequência de três números: 2, 4, 6. Em seguida, eles eram solicitados a adivinhar qual regra a sequência seguia e então testar esse palpite apresentando outras sequências de três. Após cada palpite, os entrevistados eram informados se as novas sequências se encaixavam ou não na regra.

Wason constatou que as pessoas ficavam testando seus palpites produzindo sequências que correspondiam aos palpites. Elas raramente produziam contraexemplos que pudessem mostrar que seus palpites estavam errados. Por exemplo, digamos que seu palpite foi “uma série de números pares consecutivos”. O passo seguinte deveria ser tentar provar que você está errado, com contraexemplos como “2, 8, 10” ou “3, 5, 7”. Mas, em vez disso, as pessoas produziam exemplos que se encaixavam em suas hipóteses existentes, como “6, 8, 10”.

No estudo de Wason, a regra geral era ampla: qualquer sequência de três números em ordem crescente. Para encontrar essa regra, você precisa começar a listar as sequências que podem contradizê-la. Wason classificou esse comportamento de “viés de confirmação”.

Esse padrão mais amplo contribui para o tribalismo político, e a maioria de nós é culpada disso de alguma forma. O original mais restrito, porém, é altamente relevante para o comportamento de busca que Tripodi observou: tentar averiguar um fato buscando pelo fato, em vez de buscar algo que possa contradizê-lo.

Há outro obstáculo sutil à busca da verdade no Google: se você conseguir induzir as pessoas a fazerem buscas usando termos incomuns, elas provavelmente produzirão resultados incomuns. Propagandistas espertos semeiam a conversa com frases estranhamente específicas — por exemplo, “ator de crise” — e uma busca incorporando essas frases revelará uma situação bizarra de pensamento conspiratório.

Tripodi argumenta que os influenciadores de direita são mais espertos no uso dessas táticas, mas o problema não está limitado a uma parte da discussão política. Se quisermos descobrir o que é verdade, precisamos adquirir o hábito de presumir que podemos estar errados — e procurar evidências de nossas próprias suposições equivocadas. (Tradução de Mario Zamarian)

Fonte: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2023/07/11/por-que-a-busca-pela-verdade-no-google-depende-do-que-voce-quer-acreditar.ghtml

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