Por Isabela Almeida, Huang Wei, Camila Ludovique, Bruno Cunha e Alexandre Szklo
De roupas a livros, de eletrodomésticos a artigos para pets. Navegar em sites de produtos é quase um hobby, onde o carrinho de compras se enche tão rápido quanto a fatura do cartão de crédito. O e-commerce vem experimentando um crescimento contínuo nos últimos anos, mas desde 2020, ano em que a pandemia de covid-19 eclodiu, os pedidos online se tornaram um hábito arraigado entre os consumidores. Entre 2013 e 2022, o número de pedidos online triplicou, passando de 88 milhões para 258 milhões de pedidos por ano, conforme ilustrado pela Figura 1. No entanto, nessa empolgação das compras virtuais, os consumidores muitas vezes não consideram os possíveis impactos ambientais e sociais decorrentes da entrega desses produtos.
É importante compreender que produtos internacionais e nacionais têm impactos diferentes nesse aspecto. Os produtos internacionais são transportados por navios ou aviões e, posteriormente, são separados em caminhões para entrega nas diferentes regiões do país. Por outro lado, os produtos nacionais dispensam o transporte marítimo ou aéreo, resultando em um menor impacto ambiental. No entanto, ambos os tipos de produtos exigem o transporte de última milha, ou seja, o trajeto realizado do centro de distribuição até a residência do comprador.
O transporte de carga urbano é predominantemente realizado por caminhonetes, camionetas e utilitários, que compõem cerca de 12,6% da frota total do país, o equivalente a aproximadamente 14 milhões de veículos, de acordo com dados do Ministério da Infraestrutura. No entanto, é importante ressaltar que nem todos os veículos desse tipo são utilizados para o transporte de última milha.
Torna-se essencial buscar soluções para tornar as entregas mais eficientes, sustentáveis e alinhadas com a preservação do meio ambiente
Apesar disso, o setor de transporte de última milha foi responsável por cerca de 8,5% do consumo energético do setor de transporte de carga brasileiro em 2020, conforme relatório da EPE (Empresa de Pesquisa Energética). Essa participação tende a aumentar nos próximos anos, especialmente com a previsão de que os grandes centros urbanos abrigarão mais de 90% da população brasileira até 2030. Como resultado, espera-se um aumento no número de pedidos realizados e, consequentemente, um maior número de veículos necessários para realizar as entregas, cuja fonte de energia atual é predominantemente de combustíveis fósseis.
Assim, torna-se essencial buscar soluções para tornar as entregas mais eficientes, sustentáveis e alinhadas com a preservação do meio ambiente. Uma tendência global que se ajusta perfeitamente às características do transporte de última milha é a eletrificação de frotas. As viagens curtas e a possibilidade de recarga diária nas garagens dos veículos, além do uso urbano, onde a frenagem regenerativa ocorre com maior frequência, são compatíveis com as limitações de autonomia dos veículos elétricos e necessidade de infraestrutura de carregamento.
Um estudo realizado pelo laboratório Cenergia da Coppe (UFRJ), em parceria com o instituto iCS 1, analisou os efeitos da introdução gradual de veículos elétricos na frota de transporte de última milha em diferentes tipologias de cidades no Brasil. Foram elaborados dois cenários diferentes: um com a renovação da frota para veículos elétricos e outro sem essa mudança de fonte energética. O estudo buscou quantificar os benefícios da adoção de veículos elétricos na modalidade de última milha no Brasil, levando em consideração o número de pedidos online, o gasto energético, a eficiência dos veículos, seu tempo de vida, a quilometragem percorrida e o tamanho da frota.
Os resultados do estudo, ilustrados na Figura 2, revelam a diferença significativa que a eletrificação pode fazer na redução das emissões de CO2 e NOx.
Para melhor compreensão do debate, é importante entender o que são o CO2 e o NOx e como eles afetam o meio ambiente. O dióxido de carbono (CO2) é um gás de efeito estufa emitido principalmente pela queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás natural. Ele contribui para o aquecimento global, aumentando a retenção de calor na atmosfera. Já os óxidos de nitrogênio (NOx) são compostos formados pela combinação de nitrogênio e oxigênio durante a queima de combustíveis, principalmente em veículos e processos industriais. Esses poluentes contribuem para a formação de chuva ácida e para problemas respiratórios em humanos e animais. Portanto, reduzir as emissões de CO2 e NOx é essencial para mitigar os impactos das mudanças climáticas e melhorar a qualidade do ar.
Enquanto as emissões de CO2 e NOx no cenário de referência aumentam ao longo do tempo, no cenário de eletrificação, elas diminuem drasticamente, chegando a uma redução de 74%, em 2035, em relação ao ano base (2022). Essa análise evidencia a importância da adoção de medidas sustentáveis, como a eletrificação, para enfrentar as questões relacionadas às mudanças climáticas e à qualidade do ar nas cidades. Como cobenefício, também vale citar a economia acumulada de diesel de baixo teor de enxofre, equivalente a 20,8 bilhões de litros entre 2022 e 2035, sendo esse energético importado pelo país.
No entanto, essa transição requer investimentos na renovação da frota, em infraestrutura de recarga, incentivos governamentais e conscientização por parte das empresas e consumidores. Além disso, é importante explorar outras estratégias para otimizar as operações de transporte de última milha, como a consolidação de entregas, rotas mais eficientes e o uso de veículos de menor porte.
A adoção de fontes de energia como a eletricidade, aliada a práticas sustentáveis no transporte de última milha, pode contribuir para a redução dos impactos ambientais e promover uma entrega de produtos mais sustentável e responsável. Essa mudança é essencial para atender às demandas crescentes do comércio online e garantir um futuro mais sustentável para as cidades e o meio ambiente.
Portanto, a eletrificação do transporte da última milha tem potencial de minimizar as externalidades negativas causadas pelo comércio online, ao mesmo tempo em que fornece uma abordagem inovadora para a avaliação dos impactos do setor. Diante desse cenário, é de extrema importância que as empresas, os consumidores e os governos assumam um compromisso sério com esse processo de transformação. Somente por meio dessa colaboração e engajamento conjunto será possível alcançar uma prática sustentável e consciente no âmbito das compras online, contribuindo assim para um futuro onde a preservação ambiental seja uma prioridade inegociável.
Camila Ludovique Callegari é engenheira de produção formada pela UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), mestre e doutora em planejamento energético pela COPPE/UFRJ. Atualmente, é pesquisadora pós-doutoranda na mesma instituição, desenvolvendo pesquisa na área de modelagem do setor de transporte como pesquisadora especialista do CenergiaLab (Centre for Energy and Environmental Economics).
Alexandre Szklo é engenheiro químico pela faculdade de química da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e doutor em ciências pela mesma instituição. É professor associado do Programa de Planejamento Energético da UFRJ(PPE/COPPE/UFRJ). É coordenador do desenvolvimento de modelos nacionais e globais de avaliação integrada e de otimização para refinarias de petróleo e suas aplicações em vários projetos internacionais e nacionais financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, Banco Mundial, Greenpeace e Embaixada Britânica Brasileira. Coordena a cooperação entre o Cenergia e o Instituto Francês do Petróleo.
Huang Ken Wei é engenheiro mecânico, mestre em Planejamento Energético pela UFRJ e atualmente é doutorando do Programa de Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ. Sua pesquisa é focada na área de transportes, principalmente no uso de combustíveis alternativos e na aplicação para o setor marítimo. Atua como pesquisador na área de modelagem do setor de transportes de carga do CenergiaLab (Centre for Energy and Environmental Economics).
Bruno S. L. Cunha é economista pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) com extensão na U.Porto (Universidade do Porto), em Portugal. É doutor e pesquisador visitante no Programa de Recursos Humanos 41.1. da ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) dentro do Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ. Desenvolve um modelo econômico global para investigar políticas climáticas. É autor contribuinte do AR6, o sexto relatório de avaliação do grupo de trabalho 3 do IPCC. É membro do conselho acadêmico e mentor do YCL (Youth Climate Leaders).
Isabela Souza de Almeida é graduanda em engenharia elétrica pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e faz iniciação científica no CenergiaLab (Centre for Energy and Environmental Economics), na área de mobilidade
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