Por Anselmo Borges*
Continuo com os silêncios que a vida requer na sua decência.
O silêncio respeitador. É o silêncio diante de alguém que está a dormir, a sofrer e sobretudo a morrer. Nunca esquecerei as palavras do cardeal P. Veuillot, arcebispo de Paris, que morreu jovem, aos padres: "Quando fordes ao hospital ver alguém, não vades com discursos na tentativa de uma conversão..., não. Sentai-vos em silêncio e dai-lhes a mão."
O silêncio sossegado. Numa praia serenamente deitados numa toalha sobre a areia, apanhando sol e embalados pelo rumor sereno das ondas do mar.
O silêncio cuidadoso. As mulheres são acusadas de terem dificuldade em estar caladas. Talvez isso provenha de um facto criado pela evolução, que deixou uma marca orgânico-cerebral (área de Broca). Os homens iam caçar e tinham de manter um silêncio cuidadoso para não espantar a caça enquanto as mulheres ficavam em casa e tinham de estimular os bebés para a fala.
O silêncio da preparação. São João Baptista preparou-se no deserto. Antes da vida pública, Jesus também foi para o deserto ouvir o silêncio e preparar-se para levar o Evangelho ao mundo. São Paulo fez o mesmo. Sócrates, o filósofo grego, escutava o seu daímon, a voz interior, a consciência...
O silêncio interrogativamente orante. Até Jesus sentiu esse silêncio. No extremo limite do sofrimento da cruz, rezou: "Meu Deus, meu Deus, porque é que me abandonaste?" Mas, aparentemente, Deus manteve-se em silêncio. Perante tantos horrores ao longo da História - um exemplo de agora: aquela guerra da Ucrânia e os gritos das mães e das crianças e do desabar de aldeias e cidades -, o impenetrável silêncio de Deus deixa-nos em silêncio, numa oração em silêncio, porque, como me disse uma vez Eduardo Lourenço, cuja centenário estamos a celebrar: "Não se admire. Todos os homens rezam." Cá está: de um lado, o misterioso silêncio de Deus e do nosso lado, o silêncio da interrogação orante.
O silêncio da advertência. Ao saber que Jesus era galileu, da jurisdição de Herodes, "Pilatos enviou-o a Herodes, que também se encontrava em Jerusalém nesses dias. Ao ver Jesus, Herodes ficou extremamente satisfeito, pois havia bastante tempo que o queria ver, devido ao que ouvia dizer dele, esperando que fizesse algum milagre na sua presença. Fez-lhe muitas perguntas, mas Ele nada respondeu. Os sumos sacerdotes e os doutores da Lei, que lá estavam, acusavam-no com veemência. Herodes, com os seus oficiais, tratou-o com desprezo e, por troça, mandou-o cobrir com uma capa vistosa, enviando-o de novo a Pilatos. Nesse dia, Herodes e Pilatos ficaram amigos, pois eram inimigos um do outro." Jesus não respondeu, manteve silêncio, pois Herodes não estava interessado no que Jesus tinha realmente para lhe dizer. Há situações nas quais é preferível não responder, na esperança de que a pessoa atingida reflicta...
O silêncio comovedoramente comovido de uma multidão a acenar os lenços da despedida em Fátima...
B. 3. Há os silêncios da exultação.
Quando ouvimos uma grande orquestra, fazemo-lo em silêncio. Um silêncio exultante: a música é o divino no mundo. Aconteceu-me várias vezes, mas sobretudo uma vez, quando ouvi a Nona Sinfonia de Beethoven pela Orquestra Filarmónica de Berlim. Quando saí, continuei num silêncio exultante, incapaz de falar. Quando visito um grande museu, vou contemplando em silêncio, vagarosamente absorvido por tudo quanto ali me fala ao mais fundo de mim em silêncio, e, no final, ao sair, é como se despertasse tendo voltado ao quotidiano, ao tempo e ao espaço profano (no sentido etimológico de profanum: diante do sagrado).
O silêncio avassalador. Aí está o silêncio avassalador do cosmos, que, segundo os pitagóricos, é uma gigantesca sinfonia para a qual não temos ouvidos. Ah! O silêncio do céu estrelado! Ah! e o do pôr-do-sol no mar! Momentos, daqueles sobre os quais disse Goethe: "Pára, és tão belo!", a eternidade no tempo. Ah! E o silêncio estrondoso de uma grande biblioteca em silêncio solene... Ah! e o silêncio do amor e no amor...
C. Urgência da cultura da pausa e do silêncio. Trata-se do silêncio essencial. Já Pascal se queixava: "Toda a desgraça dos homens provém de uma só coisa, que é não serem capazes de permanecer em repouso num quarto." Hoje é pior. Concretamente, numa sociedade como a nossa, quando predomina o barulho infernal - assembleias, televisões, comentários de comentários, todos a falar e ninguém a ouvir -, a vertigem da corrida, do stress e do atropelo numa confusão de imagens e da fúria consumista, na pura imediatidade, exterioridade e esquecimento de si, no dedar constante em busca da última novidade, da vertigem da banalidade, do parecer e do aparecer, é urgente fazer o elogio do silêncio, para ouvir a voz da consciência, fazer apelo à cultura da pausa, para não perder o essencial, para dar conta do milagre que é viver e não se afundar na dispersão de si e na insensatez sem fim. Para se viver e não ser pura e simplesmente vivido.
No meio do ruído infernal, chama-se cultura da pausa, como diz o jesuíta Juan Masiá, à tradição oriental de dar importância aos silêncios numa conversa, às margens numa folha escrita ou num quadro, aos intervalos entre as palavras, aos vazios nas letras, aos espaços livres na arquitectura, ao não dito na mensagem, à receptividade na contemplação. Parar, para ouvir o silêncio e contemplar. (Continua).
Padre e professor de Filosofia.
Escreve de acordo com a antiga ortografia
Fonte: https://www.dn.pt/opiniao/sobre-o-silencio-ha-muitos-silencios-2-16616987.html
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