quarta-feira, 5 de julho de 2023

Para não dizer que não falei de flores... Copos-de-leite têm jeito da minha avó

 Por Leandro Karnal

 Protea King: flor que nem parece flor ((Petalis/Carolina Geissler)/Divulgação)

Sentiu o cheiro da dama-da-noite na calçada? Você anda com vida boêmia intensa. Cuidado para não se constipar

Todo mundo conhece uma rosa: é uma flor universal. A palavra se assemelha em quase todas as línguas europeias: rose (francês, inglês, alemão); rosa (italiano, catalão) e várias outras. Claro, há nomes diferentes: a mais comum das flores, em turco, é gül. A jovem Julieta de Shakespeare relativizou: “O que é que há, pois, num nome? Aquilo a que chamamos rosa, mesmo com outro nome, cheiraria igualmente bem”.

Jovens, pulem este parágrafo, pois será incompreensível! Aprendi a primeira declinação em latim com a palavra rosa. Do nominativo ao ablativo, eu imagino um botão terminado em -a, -am ou -ae. Viram? Avisei para pularem. Sigamos no século 21.

Todos identificam uma rosa. Muitos sabem o que é uma margarida, uma violeta, um lírio, uma orquídea ou um girassol. Tropicalistas se inclinam às helicônias. Gente exótica observa um ranúnculo pelo nome. Eu amo peônias.

Flores podem indicar idade. Gosta de dálias? Pouco colágeno, por certo. Cravos indicam meia-idade, no mínimo. Gérbera atravessa várias gerações. Copos-de-leite têm jeito da minha avó, que os cultivava em um charco.

Abelha se aproxima de flor de cerejeira, no Parque do Carmo, zona leste de SP
Abelha se aproxima de flor de cerejeira, no Parque do Carmo, zona leste de SP Foto: Evelson de Freitas/AE/Arquivo

Algumas flores mostram raízes europeias (mesmo que a planta não seja de lá): tulipas, jacintos e amarílis. Você pode passar várias vezes por jardins dos prédios e observar um agapanto azul, mesmo sem saber o nome. Procure no Google e conheça mais uma espécie.

A flor do nosso país é o ipê-amarelo. A maior cidade brasileira teve – como símbolo – a azaleia, por decreto de Jânio Quadros, em 1987. O difícil é acertar o nome, já que há quem prefira a pronúncia azálea. Voltemos à doce Julieta... Ficou na dúvida sobre a sílaba tônica da sua “azaleia” ou “azálea”? Escreva Rhododendron indicum. Fica chique; afinal de contas prosódicas, não existe acento gráfico em latim.

Sentiu o cheiro da dama-da-noite na calçada? Você anda com vida boêmia intensa. Cuidado para não se constipar.

Crisântemos são mais baratos e geralmente associados a eventos fúnebres. Surgiu um tipo mais elaborado nas feiras: anastácia, um crisântemo anabolizado. Levei tempo para superar alguma resistência a essa flor oriental.

Certas plantas pedem apelidos; gritam por eles. “Preciso de gypsophilia para harmonizar este buquê!” Hein? Melhor pedir aquele “mosquitinho branco...” Aí sim!

Quer impressionar a pessoa amada? Varie e presenteie com um buquê de íris, lavanda, boca-de-leão, angélicas, gloriosas, flor-de-cera ou uma prótea (esta convém só uma, porque é bem cara). Lembre-se: cada uma tem um significado. Teve a ideia de dar uma flor de plástico? Bem, encerro por aqui, com esperança, a crônica.

* Historiador. Escritor. Cronista. 

Fonte: https://www.estadao.com.br/cultura/leandro-karnal/para-nao-dizer-que-nao-falei-de-flores-copos-de-leite-tem-jeito-da-minha-avo/

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