LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL*
Qual a importância de uma passagem de ano, senão um simples enter na agenda eletrônica? O decurso dos anos, com sua implacável inexorabilidade astronômica, é que importa. Todos sabemos que esse decurso nos aproxima da morte, e no entanto o celebramos, anestesiados por uma vertigem. Na verdade, não acreditamos em nossa morte pessoal, como diz Heidegger, e, no entanto, acreditamos numa morte abstrata e geral: “morre-se”, pronto – mas isso não vale para mim; talvez eu seja uma exceção. Essa tolice foi contestada por dois grandes pensadores: Sartre, ao ser perguntado se não tinha medo da morte, respondeu que, vivo, não existia a morte; morto, ele não saberia que estava morto. Saramago foi mais direto, à boa moda lusa: “A morte? Simples: ora se está, ora não se está mais”.
Claro que o assunto é perturbador, especialmente quando um novo ano se inicia e não temos nenhuma certeza de que chegaremos ao fim dele. Quem sabe aí está a razão da vertigem, já anunciada por Horácio: carpe diem quam minimum credula postero, o que quer dizer, mais ou menos: colhe o dia presente e desconfia do futuro. Veja-se: não se trata apenas de aproveitar o momento, mas desconfiar do futuro. Desconfiar do futuro radica no sentimento de sua total imprevisibilidade, exceto para os adivinhos e mágicos de feira. O futuro é tão inquietante quanto o passado, o qual nada possui de objetivo, pois vem sempre transfigurado por nossa imaginação.
A celebração da passagem do ano é, portanto, uma celebração do presente, um abismar-se no hic et nunc, no aqui e agora – mas não só. Significa, também, atribuir um valor absoluto ao minuto que passa, o qual nada deve ao futuro ou ao passado.
É a mesma celebração do astronauta quando sai da nave e flutua no espaço. Todos os relatos desses viajantes coincidem na falta de referências. É a mesma ausência, também, da descoberta de Humboldt que, com a bússola na mão em pleno equador terrestre, descobriu o ponto nulo em que os polos positivo e negativo da Terra se anulam mutuamente, e a agulha desorienta-se por completo.
Comemoremos, portanto, essa passagem, esse ponto nulo em que não devemos nada à vida e nem ela deve a nós. Mas que não nos falte a solidariedade, para dizer que amanhã seremos os mesmos, preocupados não apenas com nossa vida individual, mas com o destino comum da Humanidade, que vive no Tempo e na História.
---------------------------* Jornalista. Escritor. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 02/01/2012
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