Ernesto Zedillo, do México: latinos aprenderam a ter rapidez nas decisões
Nos últimos três anos, o mundo foi abalado por terremotos econômicos com epicentros nos países ricos da Europa, nos Estados Unidos e (literalmente) no Japão.
Os efeitos, é óbvio, atrapalharão o crescimento global por algum tempo. Menos óbvio é como essa crise vai alterar as estratégias econômicas na China, Índia, Brasil e outros países emergentes com forte crescimento.
Será que esses países não se importarão? Ou será que a crise os levará a se afastar dos mercados em troca de um controle governamental mais forte? Será que eles desenvolverão uma nova forma de capitalismo - o consenso de Pequim, talvez - que se tornará um modelo para os demais? Existe alguma alternativa bem definida?
Há muito ceticismo nos mercados emergentes, além de um certo gostinho pela desgraça alheia. "O velho paradigma em que os caras inteligentes da Europa e EUA nos passam sermão, apontam o dedo para nós e dizem: 'Isto é o que você fez de errado' - isso acabou", diz Rajiv Kumar, economista formado pela Universidade de Oxford e secretário geral da Federação da Câmera de Comércio e Indústria da Índia.
A crise financeira global revelou os defeitos do capitalismo à moda americana, a inadequação do que os britânicos apelidaram de regulamentação financeira "leve" e a tendência do sistema de cometer excessos periódicos. Mais recentemente, a crise da dívida europeia colocou em evidência a tensão de um estado de bem-estar social de alto custo, na ausência de um vigoroso crescimento econômico que o financie.
O modelo americano continua em apuros três anos depois que as autoridades deixaram o banco Lehman Brothers quebrar. Bilhões de dólares dormem ociosos nos cofres de empresas, enquanto milhões de trabalhadores permanecem há mais de um ano desempregados. O mercado imobiliário continua aos cacos. A paralisia política na área fiscal compromete as autoridades econômicas nos EUA. Tudo isso e outras coisas enfraqueceram o principal argumento em favor do modelo econômico americano: o de que ele funciona.
Alguns anos atrás, quando Henry Paulson ainda era o secretário do tesouro americano, o vice-premier chinês, Wang Qishan, deu-lhe uma espetada. "Hank, eu antigamente escutava você. Você era o meu professor", lembra Paulson, que visitou a China várias vezes quando estava à frente do Goldman Sachs. "Talvez agora o meu professor não pareça tão inteligente, depois dos erros que cometeu."
Paulson hoje acrescenta: "Nós demos à China um modelo falho."
O modelo europeu também não oferece lá muita coisa. Num dos momentos mais reveladores de 2011, Klaus Regling, o chefe do resgate na zona europeia, foi enviado em busca de dinheiro - não a Washington mas a Pequim. A missão não deu resultado, mas causou explosões de desdém de alguns na China com as falhas do modelo europeu.
Jin Liqun, diretor do conselho supervisor do fundo da riqueza soberana chinês, o China Investment Corp., chamou a Europa de "uma sociedade de bem-estar desgastada", numa entrevista à TV Al Jazeera em novembro.
"As leis trabalhistas geram preguiça e indolência em vez de trabalho duro", ele disse. "O sistema de incentivos é totalmente fora de esquadro. Por que [...] alguns povos [da zona do euro] têm que trabalhar até os 65, às vezes mais, enquanto em outros países eles se aposentam alegremente aos 55 e vão relaxar na praia? Isso não é justo."
"O sistema de bem-estar social é bom para uma sociedade [...] quando ajuda aqueles em desvantagem a desfrutar de uma vida melhor", disse ele. "Mas a sociedade de bem-estar não deveria induzir as pessoas a não trabalhar".
O modelo japonês voltado à exportação, antigamente tão invejado por quase todo o mundo, hoje em dia foi em grande parte descartado, consequência de uma década de lutas para reavivar o crescimento. Junte-se a isso o golpe do desastre nuclear de Fukushima Daiichi, deflagrado em março passado por um tsunami e um terremoto, e a reputação dos japoneses competentes e eficientes foi abalada.
Armínio Fraga: existe o perigo de o pêndulo oscilar na direção errada
Mas há alguma alternativa bem articulada para o capitalismo praticado nos países ricos?
Ainda não, diz Joseph Nye, um cientista político da Universidade de Harvard que acompanhou a evolução dos centros globais de poder. "Não é como na Guerra Fria, em que havia uma ideologia alternativa - o comunismo - ou os anos 30, em que havia dois adversários, o comunismo e o fascismo."
Afinal, a maioria dos atuais mercados emergentes está adotando o capitalismo global e suas instituições. A Rússia está prestes a entrar para a Organização Mundial do Comércio, o clube do livre comércio. A China ambiciona ter um papel maior, e não menor, no Fundo Monetário Internacional, o que as economias de mercado têm de mais parecido com um banco central mundial.
Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial, diz que a receptividade da China aos mercados implica em que é mais fácil construir uma rodovia privada em Chongqing que no Estado americano da Pensilvânia.
"Todo mundo que criticou o sistema durante a época da bolha está sendo justificado. E a verdade é que muitas coisas ruins aconteceram", diz o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, que hoje dirige uma firma de participações. "Mas muito do que as pessoas dizem é falso. Existe o perigo de o pêndulo oscilar muito longe na direção errada", disse ele, referindo-se à tentação de mercados emergentes de retornar a um controle maior do governo sobre a economia.
Ainda assim, se os mercados emergentes divergirem da rota EUA-Japão-Europa, isso pode ser um momento decisivo. Aqueles que ponderam as rotas que os mercados emergentes podem tomar se dividem, basicamente, em três correntes.
Um grupo vê os mercados emergentes movendo-se numa direção nova, inspirados talvez pelo notável surto de crescimento da China e pela sua mistura de controle governamental e forças de mercado.
Justin Yifu Lin, ecomista-chefe do Banco Mundial, recorda num livro recente o "ceticismo generalizado nos círculos acadêmicos internacionais", quando a China implantou, no final dos anos 70, reformas que protegiam grandes empresas estatais nos "setores tradicionais", ao mesmo tempo em que criavam empreendimentos privados em "novos setores de mão-de-obra intensiva". Segundo essa visão da história, outros países em desenvolvimento seguiram o "Consenso de Washington" ao desmontar toda e qualquer restrição aos mercados - "e acabaram com suas economias em colapso e estagnadas no longo prazo".
Li, ao mesmo tempo em que reconhece problemas no crescimento chinês, argumenta que, em geral, "as oportunidades e desafios que os países desenvolvidos encaram são diferentes daqueles dos países em desenvolvimento". China, Índia e outros países com grande oferta de mão-de-obra devem adotar estratégias econômicas diferentes daquelas adotadas por outros, um argumento que reforça a ênfase chinesa em promover investimento em vez de consumo e em exportar para criar empregos.
Mas à medida que surgem rachaduras na história de sucesso chinesa - rebeliões aqui e ali, casos espetaculares de corrupção, acidentes com trens de alta velocidade - parte do brilho se dissipou. De fato, François Godement, um francês especializado na Ásia, descreve a China como dividida entre versões rivais do seu próprio modelo: de um lado o crescimento na cadeia tecnológica de valor, a qual ele chama de modelo Cantão, baseado na próspera província costeira; de outro, o experimento de Chongking no centro da China, que é marcado por pesados subsídios.
Uma segunda corrente sustenta que os mercados emergentes não vão prosperar rejeitando o capitalismo ocidental, mas sim executando-o melhor, talvez encontrando uma maneira de frear a sua tendência a excessos financeiros, ao mesmo tempo preservando a eficiência dos mercados.
"A América Latina já tentou diversos modelos", diz Liliana Rojas-Suarez, uma economista de origem peruana que hoje dirige o Centro para o Desenvolvimento Global, um centro de estudos de Washington. "Esse modelo" - mercado, empreendimento privado, políticas macroeconômicas ortodoxas - "está funcionando para eles".
Rojas-Suarez aponta o presidente peruano de centro-esquerda, Ollanta Humala, como um exemplo do segundo modelo. Ela observa que, apesar de alguma retórica de campanha, Humala não se desviou muito do curso de governo anterior. Afinal, a economia peruana cresceu robustos 8,8% em 2010 e a previsão de crescimento para 2011 é de 6,7%. "O custo para um governo de esquerda de mudar o que é, até agora, visto como sucesso é muito grande", diz ela.
Ernesto Zedillo, o ex-presidente do México, atualmente professor da Universidade de Yale, afirma que a Europa não enxergou o que os mexicanos entendem sobre como responder à crise econômica. "A América Latina, depois de tantos anos, aprendeu suas lições", disse ele. "Nos anos 80, quando nós nos comportávamos como os eurpeus fazem hoje, sempre ficávamos para trás." Nos anos 90, diz ele, já não foi assim.
A conclusão a que ele chegou, e vem repetindo desde então: mercados reagem exageradamente, então as políticas de governo têm de reagir com exagero ainda maior. Países ricos não aprenderam essa lição, diz ele, atacando a "lentidão, a parcimônia, a hesitação, o conflito político observado na Europa e nos EUA."
Robert Zoellick, do Banco Mundial: as pessoas querem um modelo que funciona
Um terceiro grupo vê o que Zoellick, do Banco Mundial, chama de "pragmatismo implacável", uma busca por resultados quase desprovida de qualquer ideologia.
Nessa linha, Olivier Blanchard, um professor francês do Instituto Tecnológico de Massachusetts, o MIT, e hoje economista-chefe do FMI, diz: "Se eu fosse um jovem país emergente, o meu moto seria: vá devagar."
Ele aconselha esses países a desenvolver lentamente sistemas financeiros modernos, adotando somente aquelas inovações que funcionaram em outros lugares, e derrubando as barreiras para investimentos estrangeiros apenas gradualmente. E ele desenvolveria com cuidado regras para o mercado de trabalho para evitar a esclerose que infecta algumas economias ricas. "As instituições têm vida própria", diz ele.
Das suas viagens ao redor do mundo, Zoellick conclui: "As pessoas estão buscando por aquilo que funciona. Foi muito importante ter um modelo que começou funcionando no Japão, na Coreia, em Taiwan e depois se espalhou para outros países no sudeste asiático e para a China."
Será que os mercados emergentes concluíram que os modelos americano e europeu não funcionam? "Ainda não, mas pode acontecer", diz ele. Vai depender de os EUA, a Europa e o Japão resolverem ou não os seus problemas nos próximos anos.
------------------------- Por David Wessel The Wall Street Journal
Fonte: Valor Econômico on line, 03/01/2012
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