domingo, 1 de janeiro de 2012

Os três reis (II)

Rubem Alves*
Mélek-hor era rei de Lagash, o país dos desertos e das areias sem fim. Lá viviam mulheres de olhos amendoados e homens rudes de barba espessa. A sua alegria eram os oásis que pontilhavam as areias com o verde das palmeiras e o frescor das fontes. Foi num desses oásis que Mélek-hor construiu o seu palácio com enormes blocos de pedra branca na forma de uma pirâmide. Pirâmides, como se sabe, são figuras mágicas que garantem a imortalidade.

A aridez e solidão da vida do deserto não o incomodavam. Na verdade, ele as considerava desafios para o corpo e para a alma. Mas havia uma coisa que o fazia sofrer: uma melancolia indefinível que sentia ao contemplar os horizontes ondulados de areia que o sol poente pintava de vermelho.

O rei convidou seus amigos para um jantar e lhes falou sobre a sua melancolia. E eles lhe disseram: “É compreensível. Nosso país é muito árido. O que lhe falta, ó rei, são os prazeres da vida. Os prazeres o farão sorrir.“ Mélek-hor então, importou prazeres de todas as partes do mundo: vinhos, frutas, iguarias, músicos, artistas, mulheres lindas... Por anos ele se dedicou aos prazeres que há. Nisso ninguém o excedeu. Mas os prazeres não lhe trouxeram alegria. E ele, já velho, rezava em silêncio: “Não quero prazeres; quero alegria, quero alegria...“

A luz da madrugada anunciava que a noite chegava ao fim. O rei, do alto da sua pirâmide, tomava uma taça de vinho. Era hábito seu contemplar o sol nascente: isso sempre lhe dera prazer. Mas o prazer da beleza sempre lhe vinha misturado com tristeza. Mas, desta vez, não sentiu tristeza. Espantou-se ao perceber que estava alegre. E a alegria lhe vinha de uma nova estrela nunca vista que brilhava no céu. E - curioso! - ao contemplar a estrela ele ouvia uma melodia que o enchia de felicidade. Mélek-hor sorriu então pela primeira vez. Deslumbrado, mandou vir seus amigos. Apontou-lhes a estrela, falou-lhes sobre a música. Mas eles, olhando para os céus, não viram a estrela e nem ouviram a música. Amigos que eram, disseram ao rei: “Querido Mélek-hor, nosso rei amado: não há estrela, não há música. Tua mente já não percebe as coisas da terra. Ela navega nas águas do grande rio, na direção da terceira margem... Choramos porque sabemos que estás de partida...“ E tristemente se retiraram, entoando um silencioso requiem. Mas o rei, indiferente às palavras dos amigos, mandou preparar os camelos para uma viagem na direção da estrela...

Gaspar, navegava do norte, em seu navio, velas enfunadas por uma brisa fresca e constante. Balt-hazar, vinha do sul, em seu cavalo, por caminhos que cortavam matas verdejantes. Mélek-hor, vinha do oeste, em seu camelo, atravessando desertos com areias escaldantes.

Três reis, tão diferentes, tão distantes, nada sabendo um sobre os outros, numa viagem absurda, com que jamais haviam sonhado, na direção de uma estrela que só eles viam, e de uma música que só eles ouviam. Sim, com certeza haviam enlouquecido...

As brisas mansas que enfunavam as velas do navio de Gaspar repentinamente se transformaram numa horrenda tempestade com ventos furiosos. Seu navio, casca de noz, foi arremessado contra um rochedo e se despedaçou. Mas o mar se apiedou de Gaspar e um golfinho o levou, desacordado, para uma praia. Recuperado do medo, agora só lhe restava continuar a pé a sua jornada. Sem alternativas, o navegador se transformou em andarilho.

Caminhou muito. E aconteceu que, depois de muito caminhar, ele chegou a uma encruzilhada. Era aí que se cruzavam os quatro caminhos do mundo: o caminho que vinha do norte, o caminho que vinha do sul, o caminho que vinha do oeste e um quarto caminho... Olhando na direção do quarto caminho podia-se ver, no horizonte, a estrela que brilhava...
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* Escritor. Teólogo. Educador.
Fonte: Correio Popular on line, 01/01/2012
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