Você pode chamar o Ir. Álvaro Rodríguez Echeverría (foto) de "o superintendente dos superintendentes". Líder mundial dos Irmãos das Escolas Cristãs De La Salle, Rodríguez é responsável por uma congregação religiosa que supervisiona mais de 1.000 estabelecimentos de ensino em 82 países, onde cerca de um milhão de estudantes são educados.
Somando-se às suas responsabilidades, Rodríguez, natural da Costa Rica, também supervisiona e cuida doa 6.000 irmãos e 100.000 colegas leigos dos institutos.
Em entrevista ao NCR, durante uma visita abrangente de duas semanas às comunidades e ministérios da congregação no leste dos Estados Unidos e no Canadá, em novembro, Rodríguez concentrou-se na integração única da sua ordem entre vocações religiosas e leigas e naquilo que a dedicação dos irmãos à educação diz a respeito da importância do professor globalmente.
Eis a entrevista.
Há muitos leigos trabalhando nos institutos lassalistas em todo o mundo. Pode nos falar sobre a relação entre os irmãos lassalistas e os leigos? Como eles trabalham juntos?
Para nós, hoje, a associação com os leigos e com o mundo como um todo não é uma ideia nova. Tivemos essa associação no início da nossa congregação. Na verdade, o nosso primeiro voto é o voto de associação ao serviço aos pobres. A associação para nós não é uma forma prática ou programática de fazer as coisas, mas sim mística.
No início, a associação era dos irmãos, entre os irmãos. Hoje, pensamos que essa associação é entre irmão e leigos e outros que vivem essa missão juntos no serviço aos jovens.
Todos são chamados à santidade, não só os religiosos ou um pequeno grupo na Igreja. Todos nós recebemos esse chamado à santidade, e essa é uma nova razão para continuar os carismas das congregações religiosas. No passado, pensávamos que esses carismas eram apenas para os religiosos, mas agora grande parte das congregações reconhece que o carisma é um dom de Deus para a Igreja e que pode ser vivido de formas diferentes. Para nós, lassalistas, uma maneira de vivê-lo é como um irmão, mas há outras formas também.
Por exemplo, eu acho que estamos vivendo uma mudança nas nossas escolas. Antes, elas eram conhecidas como as "escolas dos irmãos". Agora, elas são "as escolas lassalistas" – onde irmãos, leigos, outros religiosos e padres trabalham juntos. Somos todos responsáveis por essa missão.
Eu acho que quase todos os papéis de um irmão podem ser desempenhados por leigos. Aqui na sua região, vocês têm leigos atuando como presidentes, diretores, ministros dos câmpus e em todos os outros papéis que antes eram detidos só pelos irmãos.
Mas também é importante lembrar que o irmão não pode ser substituído. Assim como os leigos. Acho que temos vocações complementares. Precisamos uns dos outros em nossa missão.
Além disso, acho que, em nosso caso, temos outra realidade. Nos Estados Unidos e no Canadá, muitas pessoas são cristãs. Mas também estamos presentes em outras sociedades, especialmente na Ásia e no Oriente Médio, onde a maioria dos nossos parceiros, estudantes e professores praticam outras religiões.
Eu acho que essa é outra dimensão da nossa missão, pela qual temos que falar de associação com eles também – quer se trate de budistas na Tailândia ou de muçulmanos no Paquistão – e construir um mundo onde todas as pessoas possam viver com dignidade e respeito.
Penso que o fato de que sejamos chamados irmãos é de grande ajuda para viver a associação com os leigos. Eu acho que, por nos chamarmos irmãos, somos um sinal da igualdade batismal. Depois do Concílio Vaticano II, ficou muito claro que o sinal sacramental mais importante é essa igualdade batismal. Depois disso, há diferenças – de missão, de vocação –, mas, no início, todos nós vivemos essa igualdade batismal.
Eu acho que a vocação dos irmãos nem sempre é valorizada na Igreja, mas penso que é uma vocação extraordinária para apontar para essa dimensão da nossa vida. Por isso, eu acho que o nosso processo de associação pode ser uma inspiração para outras congregações. Ao mesmo tempo, acho que precisamos viver a associação não apenas com os leigos com os quais trabalhamos, mas também com outras congregações.
"A nossa maior esperança, acho,
não está em nós mesmos. Somos todos pecadores
e fracos, mas a nossa esperança está em Deus,
porque Deus continua desejando a salvação
de todas as pessoas, que essencialmente
era a ideia do nosso fundador."
Nos Estados Unidos, muitos lassalistas lecionam em áreas de baixa renda ou trabalham em meio a condições muito difíceis. O que o senhor acha que a sua dedicação diz para a sociedade sobre o papel do professor?
Penso que essa é uma pergunta muito importante hoje. Eu tenho um grande apreço pelo trabalho dos irmãos e dos leigos aqui.
No caso de muitos irmãos, eu vejo que, apesar da sua idade, eles continuam trabalhando. Às vezes, no seu tempo livre ou mesmo depois da sua idade de aposentadoria, eles continuam trabalhando. É um testemunho maravilhoso do zelo pelos jovens e da contínua resposta às novas necessidades, às novas pobrezas que estamos vivendo hoje.
Eu tenho muito orgulho dessa atitude dos irmãos e de leigos lassalistas daqui. Em muitos países, as pessoas não têm um grande apreço pelos professores. Isso se opõe à realidade. Eu acho que o professor continua sendo uma das profissões mais importantes da sociedade atual.
Sempre me lembro das palavras do Beato Papa João XXIII, quando disse uma vez em uma audiência papal que, para ele, existem três profissões muito importantes: médico, padre e professor. Ele disse que o médico era importante porque tem uma relação muito forte com o corpo, e o sacerdote, com as almas. Mas o professor desenvolvia a pessoa inteira. Alma, corpo, mãos, coração, cabeça – toda a pessoa é importante para o professor.
Eu acho que é uma vocação maravilhosa, e eu valorizo a capacidade dos nossos irmãos lassalistas e de outros de responder às necessidades dos jovens hoje, com criatividade e zelo.
O nosso fundador, São João Batista de La Salle, dizia que devemos estar abertos a dar até mesmo as nossas vidas ao serviço aos jovens, e talvez o melhor exemplo que eu tenho disso é a história do irmão norte-americano James Miller, que foi assassinado na Guatemala em 1982. Ele era muito jovem quando foi morto, tinha 37 anos. Mas ele viveu toda a sua vida muito perto dos jovens.
Eu lembro que, no dia seguinte que Miller foi morto, contaram-me de um casal norte-americano que tinha providenciado uma bolsa de estudos para um aluno da nossa escola em Huehuetenango, na Guatemala. Um dos irmãos da escola me disse que o estudante não estava indo bem. O irmão disse que os professores queriam expulsar o aluno.
"Eu vou tomar conta desse jovem", disse-me o irmão. "Vou falar todas as noites com ele. Por favor, encontre uma forma de continuar a bolsa".
Isso foi muito comovente, um testemunho de um dos nossos irmãos que deu a sua vida ao serviço dos jovens.
Quais as tendências que o senhor percebe em termos vocacionais no Sul global, na África e na América Latina? Que benefícios e dificuldades vocês estão encontrando?
Eu sinto que é uma prioridade pensar no plural quando falamos de vocações lassalistas. Não é uma vocação para ser irmão, mas sim uma vocação para ser lassalista. É importante trabalhar duro para incentivar vocações para homens que se tornam irmãos, mas, ao mesmo tempo, temos que estar conscientes de que existem outras vocações lassalistas.
Acho que estamos vivendo uma realidade diferente de 50 anos atrás. Quando eu entrei nos irmãos lassalistas, eu era um dos primeiros irmãos da América Central. Todos os outros irmãos eram da Espanha, dos Estados Unidos ou de outros países. Agora, a maioria dos irmãos são da América Central, e eu acho que na África estamos vivendo uma situação semelhante.
Temos agora um número menor de missionários, e a maioria dos irmãos são irmãos locais. Eu acho que somos agora um instituto internacional. Não sei se, no futuro, teremos irmãos da África, da Ásia e da América Latina trabalhando nos Estados Unidos, mas sinto que precisamos pensar agora em termos de comunidades internacionais.
Penso que uma forma muito possível de começar a formar uma comunidade internacional é pensar em irmãos dos EUA e da América Latina trabalhando juntos pelos imigrantes nos EUA e no Canadá. Precisamos trabalhar mais nesse nível internacional.
A partir da participação dos irmãos e dos leigos na missão lassalista na África ou na América Latina, que benefícios em termos de ponto de vista, conhecimento ou experiência o senhor acha que eles trazem para a ordem?
Bem, na África, é mais difícil. Na África, a principal preocupação agora são os irmãos jovens. Em muitos setores da África, não temos nenhum irmão mais velho ou de meia-idade. Todos os irmãos são muito jovens, e a formação inicial nesse momento é muito importante.
Por outro lado, a situação econômica para os professores leigos é muito difícil, porque muitos deles precisam ter dois ou três empregos diferentes a fim de viver. Torna-se mais difícil pedir que um professor se concentre unicamente em um compromisso lassalista com apenas um centro ou em uma escola, mas estamos trabalhando nisso.
Por exemplo, temos um grupo maravilhoso de voluntários no Camarões. São ex-alunos da nossa escola técnica vocacional em Douala, que criaram uma escola técnica em um pequeno vilarejo. Alguns deles vivem juntos em comunidade. Outros os apoiam, e é uma realidade maravilhosa dos leigos da África engajados com a missão lassalista.
Pensando de forma mais ampla, qual o quadro geral dos seus medos e esperanças com relação à sua ordem?
No nosso último capítulo geral, nós, irmãos, fomos convidados a manter os olhos abertos e a unir os corações. Eu acho que esse é o chamada central a todos os lassalistas.
Penso que o mais importante não é o número ou o prestígio das nossas escolas. O mais importante é responder às necessidades dos jovens. Acho que devemos viver isso juntos, irmãos e outros, sentir que somos responsáveis pela missão lassalista.
Para mim, esse é o meu primeiro desafio. O segundo está centrado nos irmãos. É viver com autenticidade a nossa vocação de irmãos e a continuar sendo um sinal de esperança para os jovens e para os parceiros. Acho que o mais importante para os nossos irmãos hoje é ser homens de esperança, porque os jovens precisam de esperança hoje.
A situação do nosso mundo não é fácil, e todos os lassalistas precisam ser pessoas de esperança. A nossa maior esperança, acho, não está em nós mesmos. Somos todos pecadores e fracos, mas a nossa esperança está em Deus, porque Deus continua desejando a salvação de todas as pessoas, que essencialmente era a ideia do nosso fundador.
A nossa congregação nasceu para ser um instrumento para a salvação dos jovens. E Deus continua desejando a salvação de todas as pessoas, e é importante que sejamos instrumentos dessa salvação, como lassalistas.
Para mim, a experiência que me dá grande esperança é a qualidade das relações que estamos vivendo em nossas escolas em todo o mundo. Acho que somos chamados a ser testemunhas da possibilidade de viver como irmãos e irmãs. Uma dimensão muito importante da nossa missão é o testemunho de fraternidade e da irmandade.
Finalmente, tenho uma grande esperança nos jovens. Eles são muito abertos e têm uma grande preocupação de servir aos outros. Eu tenho uma imagem maravilhosa dos jovens lassalistas norte-americanos. Penso que os jovens continuam sendo muito generosos e acho que nós precisamos acreditar neles.
--------------------------------A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada no sítio National Catholic Reporter, 17-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto
Fonte: IHU on line, 25/02/2012
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