domingo, 18 de março de 2012

A força política da ética

Joaquim Falcão*
 
Depois o dano é maior: antes do fim das apurações, o presidente alemão renunciou, o rei espanhol afastou o genro da família real e Dilma demitiu alguns ministros 
A ética pública está impaciente. Impaciência poderosa. Aqui e no exterior. Em relação ao Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário. Deverá ser fator importante nas nossas eleições. As vezes, a força política da ética tem se imposto à força normativa da lei.
O presidente da Alemanha não esperou a conclusão do processo sobre tráfico de influência. Renunciou. O rei Juan Carlos não esperou conclusões sobre o mal uso de recursos públicos por seu genro. Afastou-o da família real. A presidenta Dilma não esperou apurar denúncias contra ministros. Conduziu-os à demissão.
A ética pública está com pressa. Pressionou o Congresso para aprovar a Lei de Ficha Limpa. E ao Supremo também. Apoia a ministra Eliana Calmon em sua cruzada por uma administração judicial mais ética e transparente. Está impaciente com os resultados do foro privilegiado para políticos. Apoia exigência de contas aprovadas para candidatos. A Comissão de Ética Pública funciona.
A impaciência não é contra o presidente alemão, o genro espanhol, políticos e magistrados brasileiros. É maior. É com a necessidade das instituições do Estado democrático de Direito em controlar e punir.
Não se constrói instituições legítimas e eficientes em ambiente de anemia ética, de perda de legitimidade institucional.
Sintomas da anemia variam na história. O regime militar perdeu legitimidade porque não restaurou a liberdade e as eleições diretas. Aumentou a desigualdade social. O sintoma hoje é outro.
A plena liberdade de informação e a expansão da mídia tecnológica evidenciam que algumas instituições públicas estariam sendo apropriadas por corporativismos. O sintoma é a sua apropriação, aparelhamento, por alguns partidos, profissões, sindicatos, empresas, grupos ou indivíduos. Usam como seu algo que é da nação.
Seria a adesão de autoridades a princípios éticos sincera? Ou mera estratégia de prevenção de dano, cálculo custo-benefício? Diante da probabilidade de confirmação das denúncias agem logo. Os danos à legitimidade de sua autoridade serão menores agora do que mais tarde.
A democracia é um regime que exige recíprocas legitimações. Devemos ao outro o mesmo respeito que temos por nós mesmos. Se podemos ter princípios éticos, e defendê-los, por que as autoridades públicas não podem ter? Podem sim.
Combater a anemia do poder público implica restaurar o vigor de sua legitimidade. Este é, por exemplo, um desafio do Judiciário, maior do que a disputa entre associações de magistrados e o Conselho Nacional de Justiça. Ou de ministros do Supremo entre si. Trata-se de provar à opinião pública que algumas autoridades judiciais não usam a administração da justiça, que é bem público, como bem privado. Como provar?
Aplicar a força normativa da lei individualmente é necessário, mas insuficiente. A opinião pública está indignada é a com a cultura de pagamentos benevolentes, mesmo que aparentemente legais e de boa fé, das administrações passadas, por exemplo, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mais do que com magistrados determinados.
O desafio é maior do que controlar individualmente. É mudar a cultura da sangria ética. Rever leis, interpretações, práticas administrativas, processos decisórios. Reinventar a administração judiciária. Reconquistar a ética perdida não se sabe bem onde, como e quando. 
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*JOAQUIM FALCÃO, 68, mestre em direito pela Universidade Harvard e doutor em educação pela Universidade de Genebra, é professor de direito constitucional e diretor da Escola de Direito da FGV-RJ 
Fonte: Folha on line, 17/03/2012
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