terça-feira, 13 de março de 2012

Política e economia no quebra-cabeça da prosperidade

Martin Wolf*

Divulga%C3%A7%C3%A3o   
Daron Acemoglu, coautor de um livro intelectualmente rico,
que desenvolve uma tese importante, mas inconclusiva
Por que algumas sociedades são democráticas, prósperas e estáveis e outras são autocráticas, pobres e instáveis? Essas são, possivelmente, as mais importantes questões em ciências sociais.
Os autores deste livro instigante têm certeza de que a resposta está na política. Assim, Daron Acemoglu, do Massachusetts Institute of Technology, e James Robinson, de Harvard, afirmam que "a diferença entre o grau de sucesso econômico de diferentes países se deve à diferença entre suas instituições, às regras que influenciam a forma como a economia funciona e aos incentivos que motivam as pessoas". Tudo isso, em última instância, é produto da política.
A distinção que "Why Nations Fail" faz é entre instituições econômicas "extrativas" e "inclusivas". O objetivo das extrativas é assegurar a prosperidade de uns poucos à custa de muitos. O objetivo das inclusivas é permitir que todos se engajem na economia em pé de igualdade. Escravidão e feudalismo são instituições econômicas extrativas. Economias de mercado regidas por leis são instituições econômicas inclusivas.
O que determina essas instituições econômicas? Para responder a essa pergunta, o livro oferece uma distinção paralela entre instituições políticas "extrativas" e "inclusivas". As características definidoras de instituições inclusivas são uma combinação de centralização com pluralismo: o Estado deve ser suficientemente forte para manter o poder privado sob controle, ao mesmo tempo que é controlado por uma autoridade política amplamente compartilhada. Todos os outros esquemas políticos são extrativos.
A tese do livro é que instituições políticas extrativas criam instituições econômicas extrativas, ao passo que instituições políticas inclusivas criam instituições econômicas inclusivas.

Fatores geográficos e relacionados 
com recursos naturais não são tão
 desimportantes como os autores
 querem fazer crer

Além disso, ambas as alternativas estão sujeitas a um reforço circular. Se poucas pessoas controlam as instituições políticas, elas manipulam o jogo econômico a seu favor. Isso lhes dá incentivos para se empenharem em preservar o poder e aos outros, um incentivo para destituí-las. O jogo político será muito menos "pesado", e por isso mais estável, sob instituições políticas inclusivas, uma vez que as pessoas podem obter um padrão de vida elevado por meio de reciprocidade voluntária.
Como os "whigs" e liberais ingleses dos séculos XVIII e XIX, os autores consideram a "Gloriosa Revolução" inglesa de 1689 o momento em que o país mudou, passando a adotar instituições políticas e econômicas inclusivas. Disso, argumentam, nasceu a Revolução Industrial e, assim, a transformação do mundo.
No entanto, os autores não adotam a visão "whig" de que o progresso é inevitável. Certos momentos críticos ocorrem na história. Mas o desfecho "nunca é assegurado, e apesar de, retrospectivamente, vermos muitos eventos históricos como inevitáveis, o caminho da história é contingente. No entanto, depois que se estabelecem, instituições econômicas e políticas inclusivas tendem a criar um círculo virtuoso, um processo de realimentação positiva, tornando mais provável que essas instituições persistam e até mesmo se expandam". Essa é uma versão contingente da visão "whig" da história.
Economistas considerarão a tese subjacente familiar e atraente. Mas será verdadeira? E será toda a verdade? A resposta à primeira questão é "sim". A resposta à segunda é "não".
As instituições econômicas são realmente decisivas para a prosperidade. Os exemplos dados pelos autores são convincentes quanto a isso. Eles partem de Nogales, uma cidade cortada ao meio pela cerca que separa o México dos EUA. A Nogales americana é cerca de três vezes mais rica do que a mexicana. Há mais exemplos do tipo: o contraste entre a Coreia do Sul e a do Norte, por exemplo.
Também é correto que as instituições políticas moldam as instituições econômicas e são, por sua vez, por elas moldadas. Basta contrastar as fortunas acumuladas por empreendedores criativos em países governados pela lei com as conquistadas por extorsão, corrupção e privilégio em outros.
Assim, a tese contém boa dose de verdade. Mas não contém toda a verdade. O livro traz uma discussão surpreendentemente superficial de teorias rivais, sumariamente referidas como influências da "geografia", "cultura" e "ignorância" dos formuladores de políticas. Os autores argumentam que nenhum desses fatores explica a pobreza atual.
Há muita verdade nisso, mas não é convincente que fatores geográficos e relacionados com recursos naturais sejam tão desimportantes. Será que a descoberta das Américas nada teve a ver com o subsequente aumento de riqueza e poder nas Ilhas Britânicas? Teriam os mesmos resultados sido produzidos se a Inglaterra fosse um país sem litoral e situado na Ásia Central? Da mesma forma, teria sido possível, para os países sem água corrente abundante ou acesso ao ferro e ao carvão, ter iniciado uma revolução industrial no século XVIII?

Explicações culturais podem ser enganosas, 
mas sem elas não seria possível compreender 
o progresso da indústria e da 
tecnologia europeias 

Considerações similares aplicam-se às limitadas oportunidades disponíveis para os atuais pequenos países sem litoral rodeados por vizinhos devastados por guerras. Os autores também argumentam que doenças não são causa, mas uma consequência, de pobreza. No entanto, a pesada carga de doenças em regiões tropicais, especialmente na África, certamente constituirá um obstáculo ao desenvolvimento, ao menos no médio prazo.
Concordo, também, que explicações culturais podem ser extremamente enganosas. No entanto, seria possível compreender o progresso da indústria e da tecnologia europeias sem levar em conta a adoção das explicações científicas para o mundo?
Além disso, os países mais bem-sucedidos do ponto de vista econômico, nas últimas cinco décadas, foram Hong Kong, Cingapura, Taiwan e Coreia do Sul. Em nenhum desses lugares um desenvolvimento rápido teve início sob instituições políticas inclusivas, como exigiria a tese do livro.
O livro levanta três questões importantes. De que pode servir a ajuda externa? O argumento aqui é que, na presença de instituições políticas e econômicas extrativistas, tudo que agentes externos fazem é reforçar a máquina saqueadora. Por razões similares, a exploração de recursos minerais pode piorar, em vez de melhorar as perspectivas de desenvolvimento. Possibilidades óbvias para agentes externos incluem divulgar as receitas das exportações de recursos, eliminando refúgios que permitam o saque da riqueza ilegalmente adquirida e apoiar meios de comunicação independentes.
Em segundo lugar, embora os autores não discutam a possibilidade, poderiam circunstâncias nas democracias avançadas apartar a economia (subdesenvolvida) de instituições inclusivas? Uma ameaça óbvia é a interligação entre grandes bancos e o Estado; outra é o papel do dinheiro na política.
Finalmente, os autores argumentam que a China tem um sistema político extrativo, que milita contra a inovação necessária e a destruição criativa. O rápido desenvolvimento chinês é conduzido, na realidade, pela importação de tecnologias estrangeiras e investimentos extraordinariamente elevados. Essas estratégias, argumentam os autores, atingirão seus limites muito antes de a China alcançar as economias avançadas atuais.
Muitos analistas, hoje, esperam que a China seja palco de liberalização e democratização, e que avance para uma economia baseada no Estado de direito. É igualmente possível que, ameaçadas pela perda do controle político, as autoridades chinesas deixem a economia estagnar. A previsão importante é de que a atual combinação de Estado comunista com economia de mercado acabará entrando em grave crise.
Este é um livro intelectualmente rico, que desenvolve uma tese importante, com verve. Deve ser lido. Mas não é a última palavra sobre as questões enormemente importantes que levanta. Em pesquisa, simplificações são necessárias. Mas impõem limites à formulação de uma teoria de grandes ambições.
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* Martin Wolf é comentarista-chefe de economia do Financial Times 
"Why Nations Fail - The Origins of Power, Prosperity and Poverty"
James A. Robinson e Daron Acemoglu. Profile. 464 págs., £ 25
Fonte: Valor Econômico on line, 12/03/2012

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