José Tolentino Mendonça*
Em tantas situações, nesta diáspora cultural onde estamos semeados, a única palavra verosímil é a do testemunho de uma vida vivida com simplicidade e alegria no seguimento de Jesus.
O teólogo Karl Rahner escreveu que “A Igreja tem sido conduzida
pelo Senhor da história para uma nova época”. Não se trata só de baixas
drásticas nos indicadores estatísticos quando se compara a atualidade
com aquele que já foi o quadro da vivência da Fé. A questão é bem mais
complexa. Talvez o que o nosso tempo descobre, mesmo entre convulsões e
incertezas, seja um modo diferente de ser crente, traduzido de formas
alternativas nas suas necessidades, buscas e pertenças. Não estamos
perante o crepúsculo do cristianismo, como defendem aqueles que se
apressam a chamar pós-cristãs às nossas sociedades. Quem não se apercebe
que o radical lugar do cristianismo foi sempre a habitação da própria
mudança não o colhe por dentro. Mas há eixos que se vão tornando
suficientemente claros para que seja cada vez mais um dever os
enunciarmos e contarmos com eles. Podem-se apontar três:
Primeiro, os cristãos regressam à condição de “pequeno rebanho”. Com a
evaporação de um cristianismo que se transmitia geracionalmente como
herança inquestionada, os cristãos voltam a sê-lo por decisão pessoal,
uma decisão muitas vezes em contra-corrente, maturada de modo solitário
em relação aos círculos mais imediatos de pertença. Já não é de modo
previsível que nos tornamos cristãos. Isso acontece e acontecerá cada
vez mais como uma opção e uma surpresa.
Depois, à medida que se assiste a um enfraquecimento da inscrição
institucional das Igrejas no horizonte da sociedade redescobrimos o
valor e as possibilidades de uma presença discreta no meio do mundo. Em
tantas situações, nesta diáspora cultural onde estamos semeados, a única
palavra verosímil é a do testemunho de uma vida vivida com simplicidade
e alegria no seguimento de Jesus.
E, em terceiro lugar, esta grande mudança epocal mostra-nos que
precisamos recuperar aquilo que Karl Rahner chama o “santo poder do
coração”. Os cristãos são chamados a viver a amizade como um ministério.
“Isto é o que vos ordeno: amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo
15,17). Há, de facto, uma revelação do cristianismo que só a prática da
amizade é capaz de proporcionar. E nisto, o mundo, que pode até
perder-se em equívocos sobre os cristãos, não se engana. Mesmo se for um
único instante de contacto o que tivermos, tal basta para deixar
transparecer uma amizade.
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* Teólogo. Escritor. Poeta.
Fonte: http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?id=92775

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