Camilo Castelo Branco*
Leitura
A nossa esperança é a virtude teologal, é a
esperança no céu, é a confiança na misericórdia de Deus. A nossa
esperança é infalível, porque tem as promessas e os merecimentos de
Jesus Cristo a aboná-la. A nossa esperança é aquela que não faz bater o
coração do incrédulo, porque a fé, no que se espera, é a essencial
inspiração da esperança, é a sua irmã, fecundada pela mesma vontade
omnipotente, e no mesmo instante da sua aparição; é, finalmente, o seu
fundamento, como diz S. Paulo.
A esperança cristã não nos dá certeza absoluta
da nossa santificação, da nossa perseverança no bem, e glorificação
celeste, como querem os calvinistas; mas sugere-nos segura confiança na
bondade de Deus, nos socorros da graça, e nos merecimentos de Jesus
Cristo. Esta confiança, porém, não derroga a humildade que Deus nos
impõe, nem nos permite adormecer no seio da nossa fraqueza, sem recear a
queda, a que propende o espírito, por mais desligado que se julgue dos
vínculos da terra.
A presunção e o desespero são dois excessos opostos à esperança.
Presumimos, quando tão arreigadas julgamos
nossas virtudes, e tão fortes nos desvanecemos em conservá-las, que não
mais receamos perder a graça, a felicidade eterna.
Desesperamos, quando alteamos a enormidade da
culpa sobre a misericórdia divina, e nos julgamos demasiadamente
quebradiços e frágeis, para que a graça nos sustente, em harmonia com os
preceitos do Eterno.
Desesperar é um ultraje ao Infinito, que previra
as fraquezas da criação, quando, por um acto de sabedoria imensa,
permitiu que a alma infinita se revestisse da matéria, que se aniquila
depois de enfraquecer-se nas gloriosas lutas do martírio, ou nas baixas
sensualidades das paixões.
Desesperar é o extremo dos infortúnios, que
repele o chamamento do juiz, que tantas vezes nos chama, quantos são os
sobressaltos de desesperação que sentimos! O coração não adormeceria
marasmado em seus vícios, se, entre a culpa e a misericórdia existisse
uma barreira de perpétua separação?!
Diz a filosofia que o temor e a esperança são
incompatíveis. Respondem os teólogos que a mais segura esperança não
exclui o temor filial, que nos afasta da culpa, para que assim a mão
invisível do anjo nos encaminhe por estrada desatravessada de empeços,
que, às vezes, embaraçam o trânsito das mais robustas virtudes.
A base do Cristianismo são os merecimentos de
Cristo: e o só nome deste Justo, selando as promessas do seu reino,
prometendo-no-lo como conquista de seu sangue, vale mais, fala mais
alto, que os escrúpulos detestáveis dalguns teólogos, que, sentados
indignamente no tribunal dos perdões, de ali declaram cerradas as
portas do céu para o penitente, que não sabe avaliar o grau de
parentesco que têm os escrúpulos requintados com a rude ignorância.
«Deus – diz Santo Agostinho – constituiu-se
nosso devedor, não por ter recebido alguma coisa de nós, mas
prometendo-nos o que lhe aprouve.»
«Deus – diz S. Paulo – é fiel às suas promessas,
e não permitirá que a tentação seja superior às vossas forças; mas
fará que da mesma tentação tireis vantagens, para que possais
perseverar.»
Recordemos a misericórdia do Senhor em todos os tempos, e com todos os pecadores.
Possuam-se de esperançosa consolação os que são
arrastados no turbilhão dum século, em que as cidades são Nínives, e os
homens não sentem a contrição dos Manassés; possuam-se das esperanças,
que sentira Achab, e David, quando azedavam no travor das lágrimas
aquela perversa doçura do crime, momentaneamente convertido em remorso.
O remorso é, a um tempo, voz do crime, e chamamento de Deus: é o bem que suspira e geme abafado pelo mal.
Jesus Cristo, em suas máximas, nos exemplos da
sua vida, respira até à morte indulgência e misericórdia. O quadro, que
ELE nos deixou, foi o da sua misericórdia, e não o da sua justiça. As
parábolas da ovelha desgarrada, do filho pródigo, dos operários da
vinha, e do publicano no templo, são lições de misericórdia. Zaqueu, a
pecadora de Nahim, a mulher adúltera, S. Pedro, e os judeus, que o
crucificaram, são sublimes exemplos de confiança.
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Camilo Castelo Branco
In Horas de Paz (1.º vol.)
© SNPC | Atualizado em 05.10.12
In Horas de Paz (1.º vol.)
© SNPC | Atualizado em 05.10.12
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