Fé e ciência tentam responder a perguntas que acompanham o ser
humano em toda a sua existência: qual é a origem do cosmos, o início e o
fim de tudo que existe? De onde viemos e para onde vamos? Na tentativa
de oferecer respostas a essas questões, religião e ciência tentam
dialogar, mas entre cientistas e teólogos, o diálogo e a compreensão
dessas duas esferas é complexo, e às vezes difícil.
Na tentativa de responder à pergunta "É possível o diálogo entre fé e
ciência?", e apontar as aproximações e divergências entre os dois
campos, o físico e Prof. Dr. Marcelo Gleiser, do Darthmouth College, em Hanover, nos Estados Unidos, e o teólogo e Prof. Dr. Michael Welker,
do Wissesnschaft und Theologische Seminar, de Heidelberg, Alemanha,
expuseram seus argumentos para a platéia que assistia a conferência do XIII
Simpósio Internacional IHU - Igreja, cultura e sociedade. A semântica
do Mistério da Igreja no contexto das novas gramáticas da civilização
tecnocientífica.
Para o físico agnóstico, "existem problemas nessa conversa", porque as pessoas podem assumir posições diversas ao discutirem esses temas. As limitações desse diálogo, assegura, podem ser averiguadas nos dois últimos séculos, que foram marcados por "um extremismo na religião e na ciência". Ao que compete a sua área de atuação, Gleiser disse que a função da ciência é explicar os fenômenos naturais por meio do método empírico, onde se parte de uma hipótese e de testes. "A ciência se utiliza de uma metodologia, que prova ou não a hipótese, a qual funciona até surgir uma nova teoria", esclarece.
Apesar de reconhecer a existência de cientistas religiosos, ao manifestar sua posição pessoal sobre o "diálogo possível", o cientista é enfático: "Não existe um conflito, existe uma incompatibilidade entre naturalismo e sobrenaturalismo. Essa dicotomia do naturalismo e do sobrenaturalismo, de que existe outra realidade que não pode ser explicada através das forças da natureza, é o grande ponto de tensão entre religião e ciência. Nesse ponto epistemológico, elas são incompatíveis.Para o cientista, o conhecimento não vem da revelação da fé e, sim, de um método repetitivo. Existe uma universalidade na ciência, que é muito bela. As pessoas fazem escolhas subjetivas do que acreditar". Sobre essa questão, ele também falou à IHU On-Line na tarde de ontem, quando concedeu uma entrevista pessoalmente: "É muito difícil para um cientista, e eu me incluo nisso, aceitar a existência de uma entidade sobrenatural no universo, porque isso vai contra toda a estrutura do pensamento científico”.
Na avaliação do seu opoente, o teólogo alemão Michael Welker, "a Igreja sempre dialogou com os cientistas", mas a discussão é difícil porque poucas pessoas dedicam-se ao estudo pontual da relação entre as duas esferas. Diante desta limitação, questiona: "Como lidar com racionalidades separadas, afastadas, que não conseguem entrar em diálogo?" Para ele, é fundamental que as pessoas superem a compreensão de que a religião somente preocupa-se com a transcendência. Pelo contrário, ela tem um papel social e político a desempenhar nas sociedades. "A religião não lida apenas com a transcendência sobrenatural, lidamos com a cultura, por exemplo. É importante nos livrarmos das caricaturas, de que a religião só tem a ver com o transcendente", reitera.
Para o físico agnóstico, "existem problemas nessa conversa", porque as pessoas podem assumir posições diversas ao discutirem esses temas. As limitações desse diálogo, assegura, podem ser averiguadas nos dois últimos séculos, que foram marcados por "um extremismo na religião e na ciência". Ao que compete a sua área de atuação, Gleiser disse que a função da ciência é explicar os fenômenos naturais por meio do método empírico, onde se parte de uma hipótese e de testes. "A ciência se utiliza de uma metodologia, que prova ou não a hipótese, a qual funciona até surgir uma nova teoria", esclarece.
Apesar de reconhecer a existência de cientistas religiosos, ao manifestar sua posição pessoal sobre o "diálogo possível", o cientista é enfático: "Não existe um conflito, existe uma incompatibilidade entre naturalismo e sobrenaturalismo. Essa dicotomia do naturalismo e do sobrenaturalismo, de que existe outra realidade que não pode ser explicada através das forças da natureza, é o grande ponto de tensão entre religião e ciência. Nesse ponto epistemológico, elas são incompatíveis.Para o cientista, o conhecimento não vem da revelação da fé e, sim, de um método repetitivo. Existe uma universalidade na ciência, que é muito bela. As pessoas fazem escolhas subjetivas do que acreditar". Sobre essa questão, ele também falou à IHU On-Line na tarde de ontem, quando concedeu uma entrevista pessoalmente: "É muito difícil para um cientista, e eu me incluo nisso, aceitar a existência de uma entidade sobrenatural no universo, porque isso vai contra toda a estrutura do pensamento científico”.
Na avaliação do seu opoente, o teólogo alemão Michael Welker, "a Igreja sempre dialogou com os cientistas", mas a discussão é difícil porque poucas pessoas dedicam-se ao estudo pontual da relação entre as duas esferas. Diante desta limitação, questiona: "Como lidar com racionalidades separadas, afastadas, que não conseguem entrar em diálogo?" Para ele, é fundamental que as pessoas superem a compreensão de que a religião somente preocupa-se com a transcendência. Pelo contrário, ela tem um papel social e político a desempenhar nas sociedades. "A religião não lida apenas com a transcendência sobrenatural, lidamos com a cultura, por exemplo. É importante nos livrarmos das caricaturas, de que a religião só tem a ver com o transcendente", reitera.

Na sua exposição, Michael Welker salientou que é
"preciso ver por trás da bagunça do mundo um resgate que enobreça a
vida, e mostre que não somos apenas uma cobaia neste mundo. Tem de
existir um propósito na vida, que esteja acima 'de comer e ser
devorado'. É nesse sentido que chamo atenção para a religião. Temos de
ter a religião para buscar as verdades mais profundas".
Diálogo possível?
Durante a conferência, a IHU On-Line refez a pergunta que norteou os debates da noite a alguns participantes. A resposta foi unânime, mas com perspectivas significativas.
Diálogo possível?
Durante a conferência, a IHU On-Line refez a pergunta que norteou os debates da noite a alguns participantes. A resposta foi unânime, mas com perspectivas significativas.
O tema é uma das "paixões" do teólogo aposentado, Donald Nelson,
que veio do Paraná para acompanhar a discussão. "Tenho paixão por esse
debate, que no passado era conflitivo, e por vezes foi indiferente na
minha vida. Mas como Gleiser, estou convicto de que o
diálogo é o caminho, e isso significa que existe fé e razão. Na Igreja, o
pensamento é diálogo. Pensamos que Deus está criando o mundo através do
processo evolutivo", frisa. Na compreensão do teólogo Celso Pinto,
do Rio de Janeiro, o diálogo não só é possível, mas "necessário, porque
existem explicações que a ciência faz e a teologia precisa ouvir. Do
outro lado, a ciência também precisa ser modesta e entender que há
outras maneiras de falar da vida, que não a científica".
Já no entendimento da teóloga e professora da Unisinos e integrante do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Cleusa Andreatta,
"o diálogo é possível porque cada uma das áreas, com seus recursos
etimológicos, tenta responder questões fundamentais da existência
humana. O importante é o discurso de cada uma das áreas, apesar de serem
discursos insuficientes". Ana Formoso, teóloga e integrante do Instituto Humanitas Unisinos - IHU,
também vislumbra uma possibilidade de conversa nessas esferas, mas
reconhece que as "metodologias de abordagem são diferentes; têm uma
distância que temos de buscar. A religião tem de cultivar, mas tem de
desconstruir-se da violência antropológica e cultural que carrega".
Para a jornalista Anne Ledur, "desde que ambas as
partes sejam flexíveis, o diálogo é possível". Entretanto, ressalta,
"hoje percebemos que a ciência veio mais preparada para o diálogo,
enquanto a religião estava na defensiva". O estudante de Física da
Unisinos, Marco Antônio, atraído para o debate pela
presença de um de seus inspiradores, também concorda com a possibilidade
de diálogo, "desde que tenha níveis de tolerância entre as partes, no
sentido de que a religião não despreze a ciência, e de que a ciência se
conforme em não poder explicar tudo".
Na avaliação do teólogo Erico Hammes, não há
oposição nas discussão, e "o diálogo é possível no sentido de que são
âmbitos diferentes, e que precisam aprender reciprocamente sua própria
gramática e linguagem a respeito das diferentes abordagens da realidade.
A ciência nos coloca no mundo como seres inteligentes e capazes de
interferir na realidade. A religião e a teologia nos aproximam das
dimensões existenciais e das questões da vida, de forma que não haja uma
posição irracional sobre essas questões. A religião pode ser vivida na
condição plena da razão e da inteligência".
Ao responder as questões durante o debate, Gleiser reiterou
que "o sentido da vida está na pró-cura, ou seja, na escolha subjetiva
de cada um", apesar de reconhecer que qualquer método de explicação
único é um esvaziamento do pensando humano. "Pensar só de uma forma é um
empobrecimento cultural. Mas, ciência e religião não podem invadir uma a
esfera da outra".
Welker, concorda, e aponta que o objetivo do diálogo "é tornar cada um o que é, e para isso é preciso um discurso da diferença. Temos diferentes religiões e diferentes campos da ciência. Temos uma cultura multissistêmica e é preciso considerar isso".
Welker, concorda, e aponta que o objetivo do diálogo "é tornar cada um o que é, e para isso é preciso um discurso da diferença. Temos diferentes religiões e diferentes campos da ciência. Temos uma cultura multissistêmica e é preciso considerar isso".
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Texto de Patricia Fachin e Fotos de Luana Nyland
Fonte: IHU on line, 04/10/2012
Para Marcelo Gleiser, quando se fala em ciência e fé, já se pressupõe conflito. Um dos problemas entre o diálogo entre tais campos, é que se podem assumir posições extremas em relação a qualquer um deles. No decorrer da história, disse, temos o que se pode chamar de um extremismo dentro da ciência e outro dentro da religião. Vários cientistas apontam que a única forma de se entender a realidade é através da maneira científica. Assim, tudo o que fica fora dela é inútil, seja filosofia, religião ou qualquer outro campo do conhecimento. Por outro lado, alguns militantes ateístas apontam o “conto de fadas” que é acreditar em Deus. Um dos expoentes máximos dessa posição é Richard Dawkins, autor de Deus, um delírio. Mas ele não está sozinho: Hitchens, Dennet e Harris formam, com Dawkins, o grupo que Gleiser chamou de “cavaleiros do apocalipse”.
“Particularmente, não divido a posição extremista dos ateus. Penso que o ateísmo é, também, uma forma de fé, porque se baseia, essencialmente, que há uma resposta indiscutível. Contudo, o ateísmo é, na verdade, acientífico”, disse ao plúblico. Gleiser explicou que a ciência funciona através do método empírico, com testes práticos realizados em laboratório a fim de comprovar determinada teoria ou hipótese. Em ciência há uma metodologia que prova, ou não, algo. A rigor, uma teoria funciona até que uma evidência não caiba nessa explicação.
Ateísmo como artigo de fé
Já no caso do ateísmo, a afirmação categórica é feita sem poder ser provada. É um artigo de fé, algo contraditório em si. A posição agnóstica é a que faz mais sentido dentro dos padrões de prova científica, ponderou Gleiser. De toda forma, um dos problemas mais importantes da religião é que existe uma realidade paralela à realidade física, que transcende espaço e tempo, e que só pode se comunicar conosco de formas imponderáveis. Isso, para um cientista, não funciona, porque a ciência opera através das concepções de causa e efeito aristotélicas. Essa dicotomia do naturalismo e do sobrenaturalismo é um dos grandes pontos de tensão entre a questão fé e ciência. “Nesse ponto, há uma incompatibilidade que não pode ser reconciliada por causa dessa diferença primordial de epistemologia. Para um cientista, o conhecimento não vem da revelação, da fé, mas da aplicação de um método com o qual se aprende por repetição”, reiterou.
Contudo, muitos cientistas esquecem que a ciência tem limites metodológicos óbvios. Na ciência sempre é preciso isolar o se que está estudando daquilo que está ao seu redor. São criadas condições apropriadas para o estudo de um objeto. Há, contudo, uma prepotência dos cientistas em querer explicar tudo, e a tentativa de uma teoria única é um esvaziamento do espírito humano, criticou. Contudo, religião e ciência não devem adentrar os domínios uma da outra.
Um diálogo necessário
Michael Welker rebateu diversas afirmações de Gleiser, perguntando qual eram, então, o lugar da matemática e da cultura em nossa sociedade, uma vez que não poderiam ser provadas empiricamente. Para ele, é surpreendente que se pergunte sobre a possibilidade do diálogo entre fé e ciência. Por outro lado, ele apontou que há poucas pessoas no mundo que trabalharam nesses dois campos em sua vida. Contudo, não há especialistas que trabalham nas duas linhas de pesquisa ao mesmo tempo. E como fica esse diálogo? Isso significa que ele não é possível? Como lidar com essa situação complicada de que nossas realidades se afastaram tanto a ponto de que não conseguimos falar e entrar em diálogo? Welker acrescenta que isso não significa que a religião não tenha sua racionalidade, sua exegese, sua metodologia. “Não lidamos apenas com realidade natural, mas também com cultura. Não lidamos, também, só com a transcendência. Essas são ideias de uma filosofia popular equivocada”. Quando investigamos a mente, encontramos um oceano de ideias e imaginações. Isso é estúpido só porque não é real em ermos palpáveis?
Outro aspecto debatido por Welker é que existem religiões positivas e negativas. Em sua opinião, o trabalho acadêmico sadio coopera com a religião. Evidentemente pode haver ideias fantasiosas, mas isso não é uma religião cultivada. “Particularmente, tive a sorte de participar de muitos diálogos entre ciência e religião. Mas prefiro falar de ciência e teologia, que são duas áreas acadêmicas”, argumentou.
Algo fundamental, disse o teólogo alemão, é que nos livremos de todas as caricaturas da religião, como se ela só tivesse a ver com o transcendente de uma maneira ingênua.
Criação e evolução
Welker apontou um aspecto que considera equivocado: a ciência, em sua opinião, normalmente leva as glórias pelas descobertas importantes que faz, enquanto que a religião é normalmente ligada a ideias obscuras e duvidosas. Ele frisou a importância de se discernir entre fantasias e outras formas de lidar com nossa realidade. “Há profecias falsas e verdadeiras”, disse.
“A igreja está interessada num trabalho profético sério. Há realidades difíceis de demonstrar, mas na ciência isso também ocorre, como o que está se dando com o Bóson de Higgs”. Welker mencionou que Deus não é o chefe que intervém com o que não está certo. Vivemos num universo diferente, com formas maravilhosas de ordem, fecundidade, amor, mas também muitas coisas comas quais devemos nos surpreender. É aí que a religião começa a atuar. “É preciso cultivar uma cultura da diferença. Por isso, a ciência deve continuar a ser o que ela é, e a religião também. Contudo, o diálogo pode acontecer, sem dúvida”.
Quem é Michael Welker
Welker
é autor e editor de várias obras teológicas. Foi professor visitante da
Universidade de Chicago (1984), Universidade de McMaster (1985),
Princeton Theological Seminary (1988 e 1995), no Centro de Investigação
Teológica, em Princeton (1997, 1999) e em Harvard em 2001, no Divinity
School. De 1996-2006, foi Diretor do Fórum Internacional de Ciência
Heidelberg (IWH). Em 2003, recebeu uma oferta para assumir o cargo de
Diretor do Centro de Investigação Teológica (CTI), em Princeton. Desde
2005, é diretor do do Centro de Investigação Internacional e
Interdisciplinar Teologia (FIIT), em Heidelberg. Desde 2004, é membro da
Câmara de teologia EKD e os juízes do Tribunal Constitucional da, EKD
Dr. theol. hc (Debrecen). Desde 2006 é membro regular da Academia de
Ciências de Heidelberg.
Quem é Marcelo Gleiser
Marcelo Gleiser é graduado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio, mestre em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e doutor em Física Teórica pelo King’s College, em Londres. É pós-doutor pelo Fermilab e pela Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, nos Estados Unidos. Leciona no Darthmouth College, em Hanover, nos Estados Unidos. Tem uma vasta produção acadêmica, além de inúmeros artigos e livros publicados, dentre os quais citamos Cartas a um jovem cientista (Rio de Janeiro: Campus, 2007); Conversa sobre fé e ciência (São Paulo: Agir, 2011), escrito com Frei Betto; Criação imperfeita (Rio de Janeiro: Record, 2010) e A dança do universo (Rio de Janeiro: Companhia de bolso, 2006).
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Reportagem: Márcia Junges
Fotos: Luana Taís Nyland
Fonte: IHU on line, 04/10/2012
Fé e ciência: um diálogo possível?
Um debate entre Marcelo Gleiser e Michael Welker
Um diálogo necessário e frutífero, mas que continua perpassado por tensões e apresenta arestas um tanto difíceis de aparar. Assim é o debate entre fé e ciência no século XXI. Para esmiuçar essa temática, dando continuidade à programação do XIII Simpósio Internacional IHU – Igreja, cultura e sociedade. A semântica do Mistério da Igreja no contexto das novas gramáticas da civilização tecnocientífica, o físico Marcelo Gleiser, do Darthmouth College , em Hannover, Estados Unidos, e o teólogo Michael Welker, do Wissenschaft Institut, de Heidelberg, Alemanha, entabularam uma conversa na noite desta quarta-feira, 03-10-2012.Para Marcelo Gleiser, quando se fala em ciência e fé, já se pressupõe conflito. Um dos problemas entre o diálogo entre tais campos, é que se podem assumir posições extremas em relação a qualquer um deles. No decorrer da história, disse, temos o que se pode chamar de um extremismo dentro da ciência e outro dentro da religião. Vários cientistas apontam que a única forma de se entender a realidade é através da maneira científica. Assim, tudo o que fica fora dela é inútil, seja filosofia, religião ou qualquer outro campo do conhecimento. Por outro lado, alguns militantes ateístas apontam o “conto de fadas” que é acreditar em Deus. Um dos expoentes máximos dessa posição é Richard Dawkins, autor de Deus, um delírio. Mas ele não está sozinho: Hitchens, Dennet e Harris formam, com Dawkins, o grupo que Gleiser chamou de “cavaleiros do apocalipse”.
“Particularmente, não divido a posição extremista dos ateus. Penso que o ateísmo é, também, uma forma de fé, porque se baseia, essencialmente, que há uma resposta indiscutível. Contudo, o ateísmo é, na verdade, acientífico”, disse ao plúblico. Gleiser explicou que a ciência funciona através do método empírico, com testes práticos realizados em laboratório a fim de comprovar determinada teoria ou hipótese. Em ciência há uma metodologia que prova, ou não, algo. A rigor, uma teoria funciona até que uma evidência não caiba nessa explicação.
Ateísmo como artigo de fé
Já no caso do ateísmo, a afirmação categórica é feita sem poder ser provada. É um artigo de fé, algo contraditório em si. A posição agnóstica é a que faz mais sentido dentro dos padrões de prova científica, ponderou Gleiser. De toda forma, um dos problemas mais importantes da religião é que existe uma realidade paralela à realidade física, que transcende espaço e tempo, e que só pode se comunicar conosco de formas imponderáveis. Isso, para um cientista, não funciona, porque a ciência opera através das concepções de causa e efeito aristotélicas. Essa dicotomia do naturalismo e do sobrenaturalismo é um dos grandes pontos de tensão entre a questão fé e ciência. “Nesse ponto, há uma incompatibilidade que não pode ser reconciliada por causa dessa diferença primordial de epistemologia. Para um cientista, o conhecimento não vem da revelação, da fé, mas da aplicação de um método com o qual se aprende por repetição”, reiterou.
Contudo, muitos cientistas esquecem que a ciência tem limites metodológicos óbvios. Na ciência sempre é preciso isolar o se que está estudando daquilo que está ao seu redor. São criadas condições apropriadas para o estudo de um objeto. Há, contudo, uma prepotência dos cientistas em querer explicar tudo, e a tentativa de uma teoria única é um esvaziamento do espírito humano, criticou. Contudo, religião e ciência não devem adentrar os domínios uma da outra.
Um diálogo necessário
Michael Welker rebateu diversas afirmações de Gleiser, perguntando qual eram, então, o lugar da matemática e da cultura em nossa sociedade, uma vez que não poderiam ser provadas empiricamente. Para ele, é surpreendente que se pergunte sobre a possibilidade do diálogo entre fé e ciência. Por outro lado, ele apontou que há poucas pessoas no mundo que trabalharam nesses dois campos em sua vida. Contudo, não há especialistas que trabalham nas duas linhas de pesquisa ao mesmo tempo. E como fica esse diálogo? Isso significa que ele não é possível? Como lidar com essa situação complicada de que nossas realidades se afastaram tanto a ponto de que não conseguimos falar e entrar em diálogo? Welker acrescenta que isso não significa que a religião não tenha sua racionalidade, sua exegese, sua metodologia. “Não lidamos apenas com realidade natural, mas também com cultura. Não lidamos, também, só com a transcendência. Essas são ideias de uma filosofia popular equivocada”. Quando investigamos a mente, encontramos um oceano de ideias e imaginações. Isso é estúpido só porque não é real em ermos palpáveis?
Outro aspecto debatido por Welker é que existem religiões positivas e negativas. Em sua opinião, o trabalho acadêmico sadio coopera com a religião. Evidentemente pode haver ideias fantasiosas, mas isso não é uma religião cultivada. “Particularmente, tive a sorte de participar de muitos diálogos entre ciência e religião. Mas prefiro falar de ciência e teologia, que são duas áreas acadêmicas”, argumentou.
Algo fundamental, disse o teólogo alemão, é que nos livremos de todas as caricaturas da religião, como se ela só tivesse a ver com o transcendente de uma maneira ingênua.
Criação e evolução
Welker apontou um aspecto que considera equivocado: a ciência, em sua opinião, normalmente leva as glórias pelas descobertas importantes que faz, enquanto que a religião é normalmente ligada a ideias obscuras e duvidosas. Ele frisou a importância de se discernir entre fantasias e outras formas de lidar com nossa realidade. “Há profecias falsas e verdadeiras”, disse.
“A igreja está interessada num trabalho profético sério. Há realidades difíceis de demonstrar, mas na ciência isso também ocorre, como o que está se dando com o Bóson de Higgs”. Welker mencionou que Deus não é o chefe que intervém com o que não está certo. Vivemos num universo diferente, com formas maravilhosas de ordem, fecundidade, amor, mas também muitas coisas comas quais devemos nos surpreender. É aí que a religião começa a atuar. “É preciso cultivar uma cultura da diferença. Por isso, a ciência deve continuar a ser o que ela é, e a religião também. Contudo, o diálogo pode acontecer, sem dúvida”.
Quem é Michael Welker
Welker
é autor e editor de várias obras teológicas. Foi professor visitante da
Universidade de Chicago (1984), Universidade de McMaster (1985),
Princeton Theological Seminary (1988 e 1995), no Centro de Investigação
Teológica, em Princeton (1997, 1999) e em Harvard em 2001, no Divinity
School. De 1996-2006, foi Diretor do Fórum Internacional de Ciência
Heidelberg (IWH). Em 2003, recebeu uma oferta para assumir o cargo de
Diretor do Centro de Investigação Teológica (CTI), em Princeton. Desde
2005, é diretor do do Centro de Investigação Internacional e
Interdisciplinar Teologia (FIIT), em Heidelberg. Desde 2004, é membro da
Câmara de teologia EKD e os juízes do Tribunal Constitucional da, EKD
Dr. theol. hc (Debrecen). Desde 2006 é membro regular da Academia de
Ciências de Heidelberg.Quem é Marcelo Gleiser
Marcelo Gleiser é graduado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio, mestre em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e doutor em Física Teórica pelo King’s College, em Londres. É pós-doutor pelo Fermilab e pela Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, nos Estados Unidos. Leciona no Darthmouth College, em Hanover, nos Estados Unidos. Tem uma vasta produção acadêmica, além de inúmeros artigos e livros publicados, dentre os quais citamos Cartas a um jovem cientista (Rio de Janeiro: Campus, 2007); Conversa sobre fé e ciência (São Paulo: Agir, 2011), escrito com Frei Betto; Criação imperfeita (Rio de Janeiro: Record, 2010) e A dança do universo (Rio de Janeiro: Companhia de bolso, 2006).
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Reportagem: Márcia Junges
Fotos: Luana Taís Nyland
Fonte: IHU on line, 04/10/2012


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