
A internacionalização da literatura brasileira é a palavra de ordem
da comitiva de oito escritores brasileiros que participa da Feira do
Livro de Frankfurt, a maior e mais importante do gênero, que acontece de
hoje até domingo. A viagem - custeada pelo Ministério da Cultura e
organizada pela Fundação Biblioteca Nacional - é uma prévia da homenagem
que o país recebe no ano que vem na feira e faz parte de um plano de
longo prazo que prevê o investimento de US$ 35 milhões (cerca de R$ 70
milhões) até 2020, no fomento de tradução e na divulgação de autores
nacionais no exterior.
Uma das ferramentas dessa estratégia é a revista "Machado de Assis -
Literatura Brasileira em Tradução", que será lançada hoje na Alemanha.
Feita pela FBN em parceria com o Itaú Cultural e a Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, a publicação terá versões impressas semestrais e
edições digitais trimestrais, em inglês e espanhol, e apresentará ao
mercado editorial internacional os autores em evidência no país, além de
contos do próprio Machado de Assis (1839-1908).
Amanhã acontece o anúncio do conceito da programação da homenagem ao
Brasil em 2013, que contará com pelo menos 80 autores nacionais, segundo
a FBN. Para Galeno Amorim, presidente da instituição, é importante
aproveitar a oportunidade para implementar políticas de longo prazo. E
uma das ações mais importantes é a reestruturação do Programa de Apoio à
Tradução e à Publicação de Autores Brasileiros no Exterior.
"O programa foi criado em 1991, mas não funcionava com regularidade.
Às vezes dava uma bolsa, outras vezes dava cinco, os valores eram
indefinidos etc. Agora ele é permanente e prevemos investimento de R$ 12
milhões até 2020", diz Amorim.
A participação em feiras mundo afora também vem ganhando atenção
especial da FBN. Em abril, o Brasil levou 58 escritores para a Feira do
Livro de Bogotá, que homenageou o país. Segundo Amorim, já foi fechada
também uma homenagem na Feira de Bolonha, dedicada à literatura
infantil, e estão sendo negociadas participações especiais em eventos do
gênero em Paris, Londres, Nova York e Suécia.
Às vésperas da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos do Rio, e com uma
economia estável, o Brasil tem em Frankfurt 2013 chance ainda melhor de
chamar a atenção do mercado editorial no exterior do que em 1994, quando
foi convidado de honra da feira pela primeira vez.

À frente da agência literária Villas Boas & Moss, Luciana Villas
Boas também enxerga um momento literário mais propício para a "marca
Brasil" do que há (quase) 20 anos. Luciana vai pela 19ª vez à Feira de
Frankfurt - somente pela Record, de que foi diretora editorial até abril
deste ano, foram 17 viagens. Sua primeira ida foi justamente em 1994,
quando viajou a trabalho ainda como jornalista. Luciana conta que na
década de 1990 a literatura brasileira ainda experimentava algum sucesso
no exterior com obras de Marcio de Souza e, em menor escala, Ignácio de
Loyola Brandão e João Ubaldo Ribeiro. Jorge Amado (1912-2001), diz ela,
também ainda tinha alguma ressonância.
"...entre 2000 e 2010, foram traduzidos
apenas 50 títulos
brasileiros na Alemanha,
sendo que quase metade eram livros de Paulo
Coelho, "que muitas pessoas nem sabem que é brasileiro".
"Depois disso, a inflação castigou tanto a indústria editorial
brasileira que nossa literatura foi em grande parte abandonada pelos
editores e, consequentemente, pelo público. Se nossa ficção deixou de
ser apreciada pelo público brasileiro, como querer que tenha alguma
presença lá fora?", afirma Luciana, que vê um renascimento da criação
literária brasileira. "Há uma incipiente revalorização, e isso parece
começar a ser percebido também no exterior."
Nicole Witt, dona da agência literária alemã Mertin, que pertenceu a
Ray-Güde Mertin (1943 - 2007) - tradutora, professora e agente que por
décadas foi uma verdadeira embaixadora da literatura brasileira na
Europa -, comemora a reestruturação do programa de fomento à tradução.
Ela conta que, entre 2000 e 2010, foram traduzidos apenas 50 títulos
brasileiros na Alemanha, sendo que quase metade eram livros de Paulo
Coelho, "que muitas pessoas nem sabem que é brasileiro".
"Dentro de um único ano houve um aumento do 63% de direitos vendidos
em comparação com a década anterior. Uma boa parte destes direitos foi
comprada por editores de língua alemã", diz Nicole. Ela também faz parte
da equipe que seleciona autores para participar da BrasiLesen, série de
leituras e encontros com autores brasileiros organizada desde março
pelo Centro Cultural Brasileiro em Frankfurt e que terá Santiago
Nazarian e Marcelo Ferroni entre os próximos convidados.
A agente cita Andréa Del Fuego e João Paulo Cuenca, dois dos
participantes da comitiva brasileira da FBN neste ano, como exemplos de
autores brasileiros que estão se destacando na Mertin. E também menciona
uma questão que pode pesar na internacionalização da literatura
brasileira: os temas dos livros. Para ela, questões ligadas à realidade
brasileira, que já chamaram a atenção do mundo em romances como "Cidade
de Deus", de Paulo Lins, ainda podem ser muito interessantes para as
editoras e eventuais leitores lá fora. "Desde que, ao mesmo tempo, os
livros contenham aspectos universais, para que o assunto possa 'viajar'
bem, ou seja, para que possa interessar em outras partes do mundo",
afirma a agente. "Mas, no final, o que conta mesmo na área da ficção é
que o fio narrativo e o estilo convençam."
Lançada durante a última Flip (Festa Literária Internacional de
Paraty), em julho, a edição da revista "Granta" dedicada a jovens
escritores brasileiros também reforça o interesse do mercado
internacional pela literatura produzida no país. Reunindo 20 escritores
com menos de 40 anos, a publicação tem versões em espanhol e inglês, e
lançamentos nos EUA, na Grã-Bretanha e na Itália, entre outros países.
Para o escritor Bernardo Carvalho, autor brasileiro traduzido em uma
dezena de países, a edição da "Granta" revela uma geração em que a
influência literária não é mais europeia, mas americana, "mais realista e
intimista". O que pode ser uma faca de dois gumes para o autor que
deseja se "internacionalizar".
"Por ter sido identificada a temas regionais ou nacionais, que hoje
são considerados cafonas, ultrapassados, sinônimos de uma literatura
anacrônica, a literatura brasileira passou a sofrer um preconceito, a
ser vista como uma coisa atrasada", afirma Carvalho.
"É isso o que se tenta superar ao tomar a literatura americana
recente como modelo. O problema é que o preconceito já está muito
arraigado e toda tentativa de escapar a essa ordem mercadológica acaba
imediatamente associada a antiprofissionalismo e é descartada também
como arcaica." Para Carvalho, a adoção desse modelo pode resultar na
atualização da produção brasileira, mas há o risco de que a produção
seja vista como mero subproduto da literatura anglo-saxã. "Em todo caso,
quero acreditar que o aparecimento de novos e bons escritores possa vir
a quebrar esse círculo vicioso. Nem que seja a longo prazo", diz o
escritor.
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Reportagem Por Eduardo Simões | Para o Valor, de São Paulo
Fonte: http://www.valor.com.br/cultura/2861678/literatura-brasileira-busca-estrangeiros#ixzz28smPRCny
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