CRISTIANE SEGATTO*

Que tal rever o seu conceito de sucesso?
O título desta coluna é uma adaptação livre de uma frase bíblica. Acho
que ela é bastante apropriada aos nossos tempos. Seja você religioso ou
não. Tanta competição nas empresas, tantas demandas de consumo, tanta
violência nas ruas nos levam a acreditar que os vencedores são sempre os
prepotentes e os agressivos.
Faz bem ao corpo e à alma refletir sobre o conceito de sucesso. Estamos
correndo atrás de quê? Para quê? À custa de quê? Boa parte do trabalho
do cardiologista Cláudio Domênico, membro da Sociedade Europeia de
Cardiologia, é conduzir os pacientes a essa reflexão. Parece simples,
pouco tecnológico, mas o resultado costuma ser transformador.
Domênico é um médico da alta roda. No consultório de Ipanema atende
gente acostumada ao sucesso profissional. Muitos são famosos, como Luiz
Fernando Pezão, vice-governador do Rio, o jornalista Zuenir Ventura, a
atriz Mariana Ximenez, a produtora cultural Flora Gil, entre outros.
No consultório de Domênico, boa parte dos pacientes é um prodígio no
aspecto “pessoa jurídica” e um fracasso no lado “pessoa física”. Eles
têm dinheiro, sucesso, prestígio e, ao mesmo tempo, uma vida miserável.
Não dormem, comem mal, são sedentários, incapazes de manter relações
amorosas satisfatórias, abusam da bebida, reclamam de mil sintomas.
Isso é vencer na vida? Se for, prefiro o sabor do fracasso.
Uma das almas resgatadas por Domênico conseguiu perceber isso a tempo. O
rapaz de 35 anos, empresário muito bem-sucedido, chegou ao consultório
há três anos. Despejou sobre a mesa uma sacola de exames. Todos normais,
mas o moço tinha certeza de que estava à beira de um infarto. Aquele
aperto no peito, aquelas pontadas constantes não poderiam ser normais.
Realmente não eram. Depois de muita conversa, depois de muita escuta,
Domênico percebeu que o prodígio profissional estava num abismo
emocional. A produtividade no trabalho já não era a mesma, o casamento
acabara, o álcool virou o companheiro de todas as horas. O diagnóstico:
síndrome do pânico. O tratamento: ansiolítico, psicoterapia e mudança de
vida.

Hoje o rapaz é outro. Corre oito quilômetros por dia, faz academia,
come bem, encontrou outra mulher, tem uma filhinha linda. Continua no
auge profissional, mas conseguiu dar a cada área da vida o seu devido
valor. Volta e meia, vai ao consultório levando um novo paciente. Paga a
primeira consulta dos amigos, uma forma simbólica de estender a mão a
quem está no fundo do poço.
“Não fiz nada demais por esse rapaz. Apenas o escutei”, diz Domênico,
um mineiro de Governador Valadares, conhecido pelo interesse genuíno por
um dedo de prosa. Domênico é um médico à moda antiga. Muito da
sabedoria e da leveza que ele tenta transmitir aos pacientes foi reunida
no livro Te cuida! Guia para uma vida saudável, um lançamento da
Editora Casa da Palavra (192 páginas, R$ 39,90).
É uma leitura agradável, com dicas práticas e valiosas sobre hábitos
saudáveis e prevenção. Domênico recorreu a especialistas de várias
áreas. Conseguiu produzir um livro tecnicamente correto e, ao mesmo
tempo, saboroso.
O capítulo que eu mais gosto é o que trata da serenidade, artigo tão em
falta atualmente. Na prática, conta Domênico, pessoas mais serenas,
calmas, costumam adoecer menos. São indivíduos que tomam decisões com
bom senso, se deixam tocar e têm mais facilidade para mudar atitudes e
hábitos. “Essa mansidão, essa tranquilidade, pode ser cultivada e
exercitada”, escreve.
É o caso de várias práticas orientais que, até pouco tempo, eram vistas
com descrédito por boa parte dos médicos. Respirar de forma lenta,
meditar, falar e comer pausadamente, não elevar o tom de voz. Todas
essas medidas estão, de certa forma, relacionadas a um estilo de vida
mais sereno que ajuda a enfrentar os problemas do mundo em que vivemos.
Um dos principais interlocutores de Domênico quando ele quer filosofar
sobre serenidade é padre Jorjão, da Paróquia Nossa Senhora da Paz, outro
de seus pacientes. Para quem não o conhece, padre Jorjão é uma curiosa
figura que promove luaus na praia e usa iPad e smartphones para ler os
salmos nas missas.
Depois de tanta conversa, leitura e experiência, o médico está
convencido de que no meio de toda essa loucura, são os calmos que
sobrevivem. São os serenos que melhor conseguem unir saúde, realização
profissional e felicidades.
É difícil? Claro que é. É impossível? Claro que não. É possível treinar
um novo olhar? Felizmente, sim. Domênico não perde a chance de dizer
isso. Acho que vale a pena repetir: “O mundo é dos mansos”.
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* Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da
revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 17 anos e ganhou mais de 10
prêmios nacionais e internacionais de jornalismo. Entre em contato:
Email: cristianes@edglobo.com.br
Twitter: @crissegatto
Rádio: Ouça os comentários dela no Boletim Saúde e bem-estar da CBN e mande mensagens. Todas as segundas-feiras, às 15h30, ao vivo
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Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Saude-e-bem-estar/cristiane-segatto/noticia/2012/10/o-mundo-e-dos-mansos.html
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