segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Educação não pode ser uma commodity

Ragnar Thorvardarson, especialista em assuntos internacionais e de segurança do
Ministério de Relações Exteriores da Islândia

Por Jacilio Saraiva

Existe um lugar onde o governo paga escola de qualidade para crianças e adolescentes de 6 a 16 anos. Lá, a maioria das instituições é financiada pelo Estado e as poucas escolas particulares que existem são bancadas por instituições filantrópicas. Não é um conto de fadas, mas o cenário real da educação básica na Islândia, segundo Ragnar Thorvardarson, integrante do conselho do AFS Intercultural Programs, organização global que oferece oportunidades de aprendizagem por meio de ações de intercâmbio. 

Para ele, que também é especialista em assuntos internacionais e de segurança do Ministério de Relações Exteriores e vicepresidente da Cruz Vermelha na Islândia, além de disciplinas básicas, é preciso que o estudante vá à sala de aula para aprender pensamento crítico e inteligência emocional. No ano passado, Thorvardarson visitou o Brasil, onde participou do Efeito+, fórum que reuniu alunos do ensino médio e educadores. Da capital islandesa, Reykjavík, ele deu a seguinte entrevista ao Valor. 

Valor: Na Islândia, a educação é obrigatória para crianças e adolescentes de 6 a 16 anos. A maioria das instituições é financiada pelo Estado e há poucas escolas particulares. Como isso beneficia o país? 

Ragnar Thorvardarson: O governo paga a taxa de matrícula para cada aluno e, depois de o estudante se formar na escola secundária, oferece empréstimos com juros baixos para o ensino universitário. Essa fórmula ajuda o país porque todos têm um começo semelhante quando se trata de educação. Importa menos se você vem de uma família de baixa ou alta renda ou de uma escola boa ou regular, todos têm a mesma chance de ingressar na universidade. Proporcionar o acesso à educação influencia o desenvolvimento da nossa economia. 

Valor: Pesquisas feitas no Brasil indicam que estudantes do ensino médio com as melhores notas estão nas escolas privadas, de alto nível socioeconômico, enquanto as médias mais baixas são encontradas nas instituições públicas, em bairros pobres. O que fazer para reparar essa desigualdade em países que ainda lutam para oferecer educação básica de qualidade? 

Thorvardarson: Gosto muito do modelo de educação nórdico, construído em países como Islândia e Finlândia. Não vemos a educação como uma commodity, mas uma forma de construir uma sociedade forte e criativa. Isso obviamente significa que os impostos também são mais elevados, mas, ao mesmo tempo, proporcionam mais oportunidades para estudantes de baixa renda. Porém, trata­se de um projeto de longo prazo e pode ser mais fácil de ser implementado em países com menor população. A Islândia tem 330 mil habitantes. Situação bem diferente das 200 milhões de pessoas que vivem no Brasil. 

Valor: O Brasil pode aprovar uma reforma no ensino médio, que deve ser votada pelo Senado na quinta­ feira, que altera a ampliação do tempo que o aluno passa na escola. Há um aumento progressivo das atuais 800 horas letivas para 1,4 mil horas, com a jornada escolar de sete horas. O que senhor acha da escola em tempo integral e como ela pode ser mais produtiva? 

Thorvardarson: Parece um plano ambicioso e poderia ser uma maneira de proporcionar uma educação mais sólida aos alunos. No currículo revisto do ensino médio na Islândia, a partir de 2011, foi dada uma maior flexibilidade durante as aulas. Lá, um dia escolar dura entre seis e oito horas e o ano letivo vai de meados de agosto até o final de maio. Passamos do sistema antigo de escola secundária, de quatro anos, para o atual, de três, em que os estudantes se formam aos 19 anos. Gosto também do modelo escolar finlandês, que dá menos ênfase às tarefas feitas em casa e mais tempo para a cooperação entre professores. Nos últimos anos, a Finlândia ocupa o lugar mais elevado dos países nórdicos em classificações educacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes [Pisa, da sigla em inglês], coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico [OCDE]. [O Brasil está na 63ª posição em ciências, na 59ª em leitura e na 66ª colocação em matemática]. No futuro, os estudantes também precisarão desenvolver habilidades diferentes, como trabalho em equipe, pensamento crítico e inteligência emocional. 

Valor: Além da Islândia, o senhor já morou no Japão, na Dinamarca, no Reino Unido e nos Estados Unidos. Quais as boas experiências de aprendizagem que conseguiu identificar? 

Thorvardarson: Quando estava no Japão como estudante de intercâmbio na escola secundária, aprendi algo que nunca tinha experimentado na Islândia: a disciplina. Levantar­se e se curvar sempre que o professor entrava na sala de aula era muito estranho para mim. Ao mesmo tempo, senti que poderia haver mais espaço para os alunos se expressarem, como estamos mais acostumados na Europa. Na Dinamarca, vivenciei o trabalho em grupo, parte importante das escolas deles. No Reino Unido, gostei das aulas em estilo seminário, em que somos encorajados a refletir sobre os estudos, com outros colegas. Um dos pontos fortes nos Estados Unidos é trazer para a sala de aula mais conhecimentos corporativos, ligados às empresas e organizações governamentais.
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Fonte: Valor Econômico impresso.  Caderno EU&FIM DE SEMANA, Nº 845;  27 de janeiro de 2017, p.3

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