sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Michael Rezendes: “Continuamos a precisar de sair para a rua e falar com as pessoas”

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É um nome incontornável do jornalismo de investigação. Michael Rezendes, jornalista do “The Boston Globe” e membro da equipa Spotlight, que trouxe a público o polémico caso de abusos sexuais por membros da Igreja, esteve esta quinta-feira no 4º Congresso dos Jornalistas Portugueses.
O jornalista veterano defendeu que se deve manter a essência do jornalismo de investigação, que não se faz sem investimento financeiro. A crise de 2008, diz, afetou sobretudo os órgãos médios do panorama norte-americano. Quanto à eleição de Trump, aponta as lições a retirar pelos media.

Quais as principais diferenças, se existem, entre os jornalistas de investigação que iniciaram a sua carreira há 20 anos e aqueles que estão a começar agora?
Acho que não há muitas diferenças. O trabalho é o mesmo, os desafios são os mesmos. O problema não está em fazer o trabalho de um jornalista de investigação, o problema é como financiar o seu trabalho. É caro produzir jornalismo de investigação. Mas acho que a base é a mesma de há 20 anos. Continuamos a precisar de sair para a rua, acho que o jornalismo feito no terreno continua a ser muito importante, continuamos de ter de falar com as pessoas e persuadi-las a dar-nos o tipo informações que irão dar origem a histórias incríveis. Hoje, temos muitas novas ferramentas. Uma coisa que é muito diferente é que, com a internet, temos acesso a uma quantidade de informação que nunca tivemos antes. O nosso acesso aos dados a partir das nossas secretárias é realmente fantástico. Podemos, muitas vezes, pesquisar por documentos de tribunais a partir da nossa secretária. É muito mais fácil encontrar pessoas do que costumava ser. Acho que temos muitos mais instrumentos do que costumávamos ter, mas a essência do trabalho mantém-se, que é demonstrar a existência de injustiças sistemáticas que precisam de ser corrigidas, responsabilizar as instuituições poderosas pelas suas ações. Nisso, o trabalho é o mesmo, com a exceção nas novas ferramentas que a internet nos dá.

E as dificuldades de há 20 anos atrás? Mantêm-se as mesmas?
Estás sempre a tentar obter informação que alguém não quer que obtenhas. Acho que foi o George Orwell, alguém semelhante a ele, que disse: “Jornalismo é publicar algo que alguém não quer ver publicado”. E eu acho que há muita verdade nisso.

 
Zita Moura (Media Lab - U.Coimbra)
Disse que o caso retratado no filme Spotlight foi “a primeira história viral”.
Sim, acho que isso é verdade.

Na altura, o e-mail teve um papel essencial na propagação da história. Mas e se a investigação fosse divulgada hoje? Acha que a existência das redes sociais ia beneficiar ou prejudicar o impacto da história?
Acho que, provavelmente, ia ajudar. A história iria espalhar-se muito mais depressa e o impacto poderia até ser maior. Tal como já disse, tivemos sorte em publicar a história na era da alvorada da internet e isso contribuiu realmente para que se tornasse no escândalo à escala global. Sem a internet, não sei se isso teria acontecido. Talvez até tivesse acontecido, mas teria levado muito mais tempo para que a história se espalhasse. Hoje, espalhar-se-ia ainda mais rápido.

Mas as consequências seriam as mesmas?
Acho que sim. O que descobrimos foi tão horrível e tão sistémico que a Igreja ver-se-ia obrigada a responder de alguma forma. Mesmo hoje, definitivamente. E acho que o outro impacto que tivemos foi nas pessoas, nas vítimas de abuso sexual por parte de membros da Igreja. A realidade é que, antes de aparecermos, muitas destas pessoas, e com isto eu quero dizer milhares e milhares de pessoas à volta do mundo que foram abusadas por padres sofriam em silêncio. Muitas delas estavam envergonhadas pelo que lhes tinha acontecido, muitas delas sentiam-se culpadas, e a razão por trás disso é que estas pessoas acreditavam que estavam sozinhas, que eram as únicas. E quando divulgamos as nossas histórias aperceberam-se “Ei, não sou só eu!”, há outros como eu e a culpa não é minha. A culpa é da Igreja Católica. E isso incentivou muitas dessas pessoas a chegarem-se à frente e dizer “Isto aconteceu-me e isto está errado. E é preciso fazer algo em relação a isto”. E isso foi o impacto mais recompensador que a história obteve, o efeito libertador das vítimas e sobreviventes do abuso sexual.

Acha que o jornalismo local foi uma das vítimas da crise económica de 2008?
Não penso que tenha sido esse o problema financeiro dos órgãos de comunicação. Penso que o problema foi especificamente a Internet. Já não recebemos as receitas de publicidade como antigamente, e isso atribui-se directamente ao crescimento da Internet.

Mas vários jornais pequenos ainda têm um bom desempenho, porque a publicidade nas suas comunidades não está interessada em atingir um grande número de pessoas. Querem um número especifico numa certa área geográfica.

A crise real, pelo menos nos Estados Unidos, afectou mais os órgãos de comunicação de tamanho médio. Foi onde se cortou a sério no número de empregados. Isso significa que ninguém está a cobrir as câmaras locais, que não existem repórteres a cobrir a legislação de cada Estado. Perdeu-se muito do papel de responsabilização do jornalismo porque os órgãos médios foram privados de financiamento. E não encontraram uma forma de o substituir com subscrições ou outra alternativa.

Existem vozes alternativas a emergir no mundo dos media. Gostaria de recomendar algum nome ou projecto específicos que ofereçam uma perspectiva fresca aos cidadãos?
Penso que a ProPublica é uma experiência interessante dentro no modelo não lucrativo, que produz jornalismo de investigação. Também existe o Center for Public Integrity, em Washington, o Center for Investigative Reporting, na Costa Oeste… São organizações que estão a financiar de forma sofisticada, com doações, o jornalismo de investigação. Penso que é um dos motivos pelos quais a ProPublica teve sucesso. O sucesso a atrair leitores também parte da união com os media tradicionais. Numa investigação, podem envolver um jornalista do “The New York Times”, do “Washington Post” ou do “The Boston Globe”. E os artigos são publicados em conjunto.

Até na ProPublica, que penso ser o modelo não lucrativo com maior sucesso nos Estados Unidos, se sente que é necessário juntar-se aos meios tradicionais para expor o trabalho a um grande número de pessoas.

Zita Moura (Media Lab - U.Coimbra)
É seguro dizer que a eleição de Donald Trump tomou o jornalismo norte-americano de surpresa.
Sim, tomou.

Existem pequenas comunidades que não se dizem sentir representadas pelo que chamam de “big media”. Diria que as grandes organizações dos media são, de facto, orientadas para as elites?
Eu diria que os meios de comunicação na América têm algum trabalho a fazer. Não só falharam a história da força eleitoral de Donald Trump, mas também as razões para o apoio que obteve. Perderam a história da profunda insatisfação económica na América que levou à vitória de Donald Trump. Há muito pouco jornalismo sobre isso. E penso que isso aconteceu porque a maioria dos repórteres estavama trabalhar a partir de Nova Iorque ou Washington, ou a ir aos estados das primárias. Havia poucos repórteres na verdadeira América, a entrevistar pessoas sobre como se sentiam nas suas vidas. Penso que, por isso, os media americanos perderam uma grande história.

E isso devia ser uma lição sobre como recolhemos notícias e sobre as noções pré-concebidas que os repórteres já levam para as histórias que estão a cobrir. Os media americanos estão, ou deviam estar, num período importante de autoreflexão.

Era o que lhe queria também perguntar. Qual foi a grande lição que os jornalistas devem retirar das presidenciais de novembro?
A grande lição é falar com pessoas reais sobre as vidas que estão a viver. Fora das grandes áreas metropolitanas, como Nova Iorque, Washington ou Los Angeles. Houve pouco jornalismo sobre isso, e é obviamente importante.

É a primeira vez em 19 anos que temos um congresso de jornalistas em Portugal. Qual é a importância deste tipo de eventos para a classe jornalística?
Há duas razões pelas quais um congresso como este é importante. A primeira é para que sintamos solidariedade. Esta é uma altura desafiante para se ser jornalista. E ajuda-nos a todos mantermo-nos juntos. Podemos partilhar as nossas experiências e sentir o apoio comum.

Além disso, uma conferência como esta é importante porque precisamos de novas ideias sobre como financiar o nosso trabalho. E aqui há essa troca de ideias, que se podem desenvolver umas às outras. As pessoas estão a ter conversas que podem levar a novas experiências para financiar um trabalho jornalístico credível.

Com tantos jornalistas presentes, existe um grande conjunto de capacidades que vão ser ensinadas. Essa é mais uma razão, a transferência de capacidades de jornalistas experientes para os que estão agora a começar.
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Reportagem por Beatriz Pinto (Media Lab - U.Porto), Miguel Pais (edia Lab - U.Nova), Zita Moura (Media Lab - U.Coimbra)
Fonte:  http://www.jornalistas.congressodosjornalistas.com/michael-rezendes-continuamos-a-precisar-de-sair-para-a-rua-e-falar-com-as-pessoas/13/01/2017



 O QUE FAZ UMA BOA HISTÓRIA JORNALÍSTICA?
 
O livro, “Tudo por uma boa história”, é um conjunto de relatos feitos por 24 jornalistas, que contam as suas experiências adquiridas no terreno da profissão. Mas, o que será que uma boa historia? Perguntámos aos congressistas e estudantes de jornalismo o que mais apreciam e privilegiam numa história jornalística enquanto leitores. O livro, editado pela Esfera dos Livros, é apresentado esta sexta-feira no 4º Congresso dos Jornalistas Portugueses.

“Tudo por Uma Boa História” resulta da vontade de fazer chegar ao público “o que é isto de ser jornalista”, explica Isabel Nery, uma das coordenadoras da obra e membro da direção do Sindicato dos Jornalistas. Em breves capítulos, jornalistas dos vários meios e de diferentes órgãos de comunicação social contam histórias de dilemas éticos profundos, de decisões mal tomadas, de desafios que testam os limites, mas também de resiliência, esperança e aprendizagem.

Francisco Sena Santos, profissional de referência na rádio portuguesa e autor de um dos textos publicados no livro, escolheu um testemunho de “autocrítica” que revela “aquilo que no momento atual parece ser mais relevante: a demarcação dos excessos”, na cobertura dos acontecimentos trágicos.

” Que tenha sobretudo coisas diferentes do tipo: «olha que engraçado? Nunca ninguém  pegou naquilo». Que impressione.”
André Duarte, jornalista desempregado

” Aprecio o rigor, as fontes estarem bem identificadas, e ter alguma novidade e não ser, por exemplo num jornal, apenas uma notícia que eu já tenha lido ontem”.
Paulo Baldaia, diretor do “Diário de Notícias”

“Que no meio eu não seja impelida a abandonar a história, acho que é isso que faz leitores”.
Paula Sofia Luís , jornalista freelancer

” Acima de tudo que seja bem escrita e rigorosa”.
José Manuel Ribeiro, diretor de “O Jogo”

“Não só o conteúdo mas, sobretudo pela maneira de escrever”.
Rita Asseiceiro, estudante de jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social

“A primeira coisa o facto e a segunda coisa é a escrita. Se ela me consegue levar até o fim”.
António Melo, jornalista reformado

“Tem que ter uma componente humana pois é isso que cria a empatia com o leitor”.
Manuela Goucha Soares, jornalista do “Expresso”

“Valorizo principalmente a veracidade do conteúdo”.
Vicente Garim, estudante de jornalismo na Universidade Lusófona do Porto

“É ter uma visão da realidade, ter uma história contada de uma determinada maneira, cada notícia é um enquadramento pessoal do jornalista que a escreve”.
Aurélio Faria, jornalista na SIC

“O rigor e a escrita, nomeadamente a pontuação, visto que cada escritor tem uma diferente forma de escrever e não pode haver uma contextualização do que está certo e do que está errado”.
João Moreira, estudante de jornalismo na Universidade Lusófona do Porto

“Numa notícia escrita, aprecio fundamentalmente que esteja bem escrita, com elegância, com estilo que seja próprio, que não seja uma linguagem comum e quotidiana”.
Leonete Botelho, jornalista no “Público”
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FONTE:  http://www.jornalistas.congressodosjornalistas.com/o-que-faz-uma-boa-historia-jornalistica/ 13/01/2017

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