sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Darwin no céu

Luis Fernando Veríssimo*

 
Arte: Ricardo Machado
 
Talvez se encontrasse argumentos mais fortes a favor do tal “design” inteligente por trás de tudo no Universo, segundo a tese anti-evolucionista, não nos seus triunfos, mas nos seus fracassos. Por exemplo: o que os salmões precisam fazer para terem direito a uma família, subindo rios contra a correnteza com grande esforço para chegarem ao seu local de origem e procriarem, é um típico projeto mal pensado que já teria sido corrigido se a evolução fosse ao acaso, como queria Darwin, e premiasse com a sobrevivência quem tivesse desenvolvido um método mais simples de se reproduzir.
Como o dos salmões, há muitos outros casos de erros, contrassensos, anomalias, esquecimentos – os mamilos masculinos, por exemplo, ou a persistência das unhas do pé nos humanos, que não existiriam mais se Darwin tivesse razão – atestando a existência de um “designer” inteligente, só um pouco distraído.

Uma referência à “criação de Deus” que não estava na primeira edição de A origem das espécies de Darwin foi acrescentada nas edições seguintes, uma tentativa dos editores de atenuar a reação das igrejas cristãs à teoria revolucionária. Deve continuar nas edições atuais. A reação nunca diminuiu. Nos Estados Unidos, hoje, travam-se batalhas judiciais sobre a proibição de se ensinar o evolucionismo, ou a obrigação de se ensinar o criacionismo como alternativa ao evolucionismo, em redes escolares estaduais. O fortalecimento político da direita religiosa americana devolveu à questão o imediatismo que tinha no século 19, quando a teoria era nova. Conceitos como o do “design” inteligente servem para atualizar pelo menos o vocabulário dos que pregam uma interpretação literal da Bíblia. Como a teoria do “design” não alude especificamente, só implicitamente, a Deus como o criador, ela pode proporcionar um começo de diálogo.

Dizem que Darwin entrou no céu cristão, para a sua grande surpresa, mas durante anos Deus recusou-se a recebê-lo até que ele reconhecesse sua autoria das espécies, o que Darwin rechaçava. Agora já estariam conversando. Os dois teriam feito concessões, abandonando suas reivindicações radicais, e suas conversas começariam sempre com a frase “Admitamos, como hipótese, que…”. A vida sexual dos salmões deve estar sendo muito citada.
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* Escritor. Jornalista. Cronista
Fonte:  http://www.extraclasse.org.br/edicoes/2017/12/darwin-no-ceu/

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