sexta-feira, 3 de novembro de 2023

As duas preocupações dos EUA em relação a Israel e o Hamas

Por Thomas Friedman

Israel realizou incursões por terra, mas ataques aéreos em larga escala ainda são principal meio utilizado na guerra até agora
 Israel realizou incursões por terra, mas ataques aéreos 
em larga escala ainda são principal meio 
utilizado na guerra até agora  
Foto: AP Photo/Ariel Schalit

Lideranças republicanas podem comprometer auxílio a Israel e à Ucrânia em momento crítico para os dois países

Quando nos afastamos o suficiente, podemos ver exatamente quais são as forças que movem a geopolítica atual: a Ucrânia está tentando se juntar ao Ocidente. Israel está tentando se juntar a um novo Oriente Médio. E Rússia e Irã se uniram para tentar impedir ambos.

Infelizmente, o novo líder da maioria da Câmara dos Estados Unidos, o republicano Mike Johnson, é inexperiente demais ou refém demais da ideologia (ou ambas as coisas) para enxergar isso (ou se importar). Ele está pressionando pela aprovação de um orçamento que ajudaria Israel a se defender melhor, mas privaria a Ucrânia de uma fatia essencial do auxílio econômico e militar americano, tão necessário para reverter o avanço da Rússia.

Ele condicionou até os US$ 14,3 bilhões que o governo deseja enviar a Israel à aprovação do presidente Biden de uma proposta para desviar a mesma quantia de fundos destinados à Receita Federal (IRS) para fiscalizar melhor os sonegadores (atenção, lobby israelense: não aceite esse jogo. Da próxima vez, o auxílio a Israel estará ligado a posições extremas dos republicanos em relação ao aborto ou às armas).

É muita sorte Johnson não ter sido o líder da maioria durante a 2.ª Guerra; talvez ele e seus míopes seguidores aprovassem recursos para guerra contra os alemães na Europa, mas não contra os japoneses no Pacífico. Ou talvez aprovassem um acordo de lend-lease com os aliados, desde que o presidente Franklin Roosevelt eliminasse de vez o IRS. Mais armas, mais manteiga, nenhum imposto e duas frentes.

Isso parece uma visão de mundo absolutamente incoerente, que enfraqueceria a liderança americana que definiu os contornos do mundo no qual prosperamos nos cem anos mais recentes, e é. Parece que as lideranças republicanas na Câmara são pensadores pequenos em um jogo maior, e são mesmo. São vergonhosos, sem-vergonha e perigosos. Façam um favor aos Estados Unidos e procurem emprego na Fox News como comentaristas de algum outro assunto.

Porque estamos em um momento de grande importância, comparável a 1945 ou 1989.

Se a Ucrânia conseguir escapar das garras da Rússia e finalmente for aceita na Otan e na União Europeia, com seu formidável exército, suas exportações agrícolas e capacidade tecnológica, isso reforçaria muito uma Europa inteira e livre. E se for possível manobrar Israel de volta à mesa de negociação para tratar de uma solução de dois Estados com a Autoridade Palestina, abrindo o caminho para a normalização das relações entre o Estado judaico e a Arábia Saudita, isso reforçaria muito um Oriente Médio novo e mais plural, desenvolvido em torno dos palestinos, dos demais árabes e dos israelenses, com foco no fortalecimento da resiliência de seus povos diante do futuro, e não na sua resistência um ao outro e ao Ocidente.

Se essas mudanças sísmicas puderem ocorrer, o mundo pós-Guerra Fria terá uma chance muito melhor de enfrentar outros desafios globais, como a mudança climática, do que se essas mudanças forem sufocadas.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, esteve em Israel e se encontrou com o primeiro-ministro israelense em 18 de outubro
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, esteve em Israel e se encontrou com o primeiro-ministro israelense em 18 de outubro Foto: REUTERS/Evelyn Hockstein

Mas não é necessário falar árabe, hebraico, persa, russo ou ucraniano para entender que o Hamas, apoiado pelo Irã, lançou sua guerra para deter a normalização entre sauditas e israelenses, evitando o isolamento de Teerã, e que Vladimir Putin lançou sua guerra para impedir a Ucrânia de expandir uma Europa inteira e livre, evitando o isolamento de Moscou.

A Rússia de Putin e o Irã do líder supremo aiatolá Ali Khamenei têm muito em comum, de acordo com Leon Aron, especialista em Rússia e autor de “Riding the Tiger: Vladimir Putin’s Russia and the Uses of War” [Montando o tigre: a Rússia de Putin e os usos da guerra]. “Os dois líderes nada têm a oferecer ao seu povo além de guerras quase santas, que os ajudam a se manter no poder conservando seus países em guerra ou em pé de guerra”, disse.

E ambos os líderes estão investindo contra outros países cujas aspirações são a antítese da identidade central e tóxica dos regimes russo e iraniano. “A Ucrânia prova que pode haver um país eslavo e ortodoxo, muito próximo da Rússia do ponto de vista étnico, que seja livre, democrático e próspero, com uma orientação política e econômica ocidental, sem precisar de um estado de guerra com o Ocidente nem de um estado policial, como o Belarus, e nem de uma ditadura militar, como a Rússia”, disse Aron.

Enquanto isso, a normalização das relações entre o estado judaico e a Arábia Saudita, berço do Islã, provavelmente abriria caminho para a normalização entre Israel e o país muçulmano mais populoso do mundo, a Indonési nflito palestino.

Como apontei, nada teria isolado mais o Irã.

E o Hamas sabia que, se Israel conseguisse uma normalização das relações com a Arábia Saudita em termos que satisfizessem a Autoridade Palestina, mais moderada, na Cisjordânia, trazendo vantagens financeiras significativas e mais legitimidade, o modelo de resistência eterna do Hamas em Gaza ficaria totalmente isolado. Assim, o Hamas lançou esta guerra sabendo que ela traria morte e destruição não somente para muitos israelenses, mas também a um número muito maior dos seus próprios civis inocentes. Revoltante. O Irã também sabia disso.

* Jornalista estadunidense, atualmente editorialista do jornal The New York Times. 

Fonte:  https://www.estadao.com.br/internacional/preocupacoes-militares-americanos-israel-hamas/ 03/11/2023

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