domingo, 12 de fevereiro de 2012

''Homicídios e conspirações: a luta pelo poder está sempre em aberto''

O conclave? Está sempre em marcha. Quem visa a se tornar papa,
por um motivo ou outro, age continuamente nos bastidores.
E, depois, é altamente provável que o próximo conclave não
esteja muito longe, não digo por causa da idade avançada de Bento XVI,
mas sim pela sua vontade – da qual ele nunca fez mistério –
de querer, antes ou depois, renunciar.
É por isso que tomo com muito cuidado a tese
 de 'complô' contra Ratzinger".

Essa é a opinião de Roberto Rusconi, professor de história do cristianismo da Universidade de Roma Tre.
A reportagem é de Stafeno Caselli, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 11-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Professor Ruskin, o documento publicado pelo jornal Il Fatto Quotidiano desta sexta-feira sobre o suposto complô para matar o Papa Ratzinger traz à tona um antigo “topos”, o da conspiração dos Palácios Vaticanos. É isso?
O tema da conspiração, assim como em qualquer outro sistema de poder, remonta aos séculos, mas o do atentado em sentido estrito nasce com os papas contemporâneos. O atentado contra João Paulo II do dia 13 de maio de 1981 na Praça de São Pedro, de fato, tem um precedente com Paulo VI, que foi esfaqueado em Manila, em 1970. Um desequilibrado o feriu com uma lâmina a três centímetros do coração, e foi o cardeais Marcinkus que impediu o agressor. Fez-se com que o evento passasse o máximo possível em silêncio, o que obviamente não foi possível quando Ali Agca atirou contra Karol Wojtyla. João Paulo II, depois, arriscou-se muito também em Fátima, exatamente um ano depois da Praça de São Pedro, em maio de 1982, quando um padre espanhol ultraconservador, que o acusava de ser um "agente de Moscou", tentou atingi-lo com uma baioneta. Além disso, não nos esqueçamos de que os nazistas ameaçaram deportar Pio XII durante a Segunda Guerra Mundial.

E mais atrás nos séculos?
Cito o caso de Clemente XVI, o papa que suprimiu a Companhia de Jesus. Quando ele morreu, em 1774, disse-se que o seu corpo não pôde ser exposto ao público pois revelaria os sinais de uma morte violenta por envenenamento, provavelmente ligada justamente à sua ação contra os jesuítas. Como outro exemplo de atentado contra a pessoa do papa, podemos citar o "Tapa de Anagni" na noite de 7 de setembro de 1303, quando emissários do rei da França Filipe IV, o Belo, ocuparam a residência papal e sequestraram Bonifácio VIII, intimando que o pontífice retirasse a bula de excomunhão contra o soberano francês. Bonifácio VIII morreria apenas um mês depois. Se, depois, voltarmos ainda mais no tempo, à Idade Média, por exemplo, bem, ali certamente não eram nada sutis. Vem à mente o primeiro caso da história de homicídio de um papa, o de João VIII, morto no dia 16 de dezembro de 882, em Roma, por motivos – ao que parece – não exatamente espirituais. E depois, em 964, o homicídio de João XII, mas naquele tempo ele já havia sido deposto.

Vejo que o senhor cuidadosamente evitou falar de João Paulo I...
Lembro que a minha mulher, assim que soube da sua morte, exclamou: "Eles o mataram". E sabe-se lá quantos italianos pensaram e ainda pensam nisso. Certamente, a morte do antecessor de Karol Wojtyla tirou do meio do caminho um grande obstáculo para certos ambientes, mas não nos esqueçamos de que a carreira eclesiástica de Albino Luciani sempre foi caracterizada e também obstaculizada por recorrentes problemas de saúde. É possível que o acúmulo de responsabilidades e de poder – que são muito pesados – que investem contra um papa os agravaram. A única coisa certa, porém, é que há muita péssima literatura sobre o caso.

O conceito de regicídio refere-se a poderes absolutos. É por isso que os papas continuam estando sujeitos a perigos de complô até mesmo mortais?
Certamente. O chefe da Igreja Católica é o único soberano absoluto na Terra. Há quem tente negar isso, mas, de fato, ele é e continua sendo a única fonte do direito da Igreja. O tema do complô, no entanto, está ligado à eminente posição de poder que o papado ainda tem hoje.

Quais – e quantos – reflexos podem ter, na realidade italiana, as intrigas palacianas no Vaticano?
Há diversos níveis, digamos assim, de interseção. O Vaticano, fisicamente, também é um mundo à parte. Entrar nele não é fácil, mas, se você tiver a sorte para ultrapassar o limiar dos palácios, realmente tem-se a sensação de ter sido catapultado para uma outra galáxia. As lutas de poder, principalmente, respondem a lógicas internas e, acima de tudo, sempre prevalece a proteção da instituição. Basta ver como foi enfrentado o escândalo da pedofilia: o principal problema sempre foi o de proteger a Igreja, e não as vítimas. Mas, na relação com a Itália, há uma bolha tão grande quanto uma casa que não é nada de outro mundo: chama-se IOR, uma encruzilhada de interesses irreconciliáveis que não se resolve.
--------------------------
Fonte: IHU on line, 12/02/2012

****
Complô contra Bento XVI. A denúncia de um jornal italiano


Uma nota entregue há um mês pelo cardeal Castrillón, sob o conhecimento do pontífice, relata o que foi dito pelo cardeal Romeo, arcebispo de Palermo, na Itália, em novembro passado algumas conversas na China: "Os seus interlocutores pensaram, com horror, que está sendo programado um atentado contra o papa". Também há o nome de Scola como possível sucessor. Lombardi, porta-voz da Santa Sé, afirma: "É tão incrível que não é possível comentar".

A reportagem é do jornal Il Fatto Quotidiano, 10-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Mordkomplotts. "Complô de morte". É impressionante ler claramente, em um documento estritamente confidencial e reservado, publicado com exclusividade pelo jornal Il Fatto Quotidiano, que um influente cardeal, o arcebispo de Palermo, Paolo Romeo, prevê com preocupante certeza a morte do papa até novembro de 2012. Uma morte que, pela segurança com que foi prognosticada, faz com que os interlocutores do cardeal entendam a existência de um complô para matar Bento XVI.
A nota é anônima e está datada de 30 de dezembro de 2011. Foi entregue pelo cardeal colombiano Darío Castrillón Hoyos à Secretaria de Estado e ao secretário do papa nos primeiros dias de janeiro, com a sugestão de realizar investigações para compreender exatamente o que o arcebispo Romeo fez e com quem falou na China.
O pontífice foi informado do conteúdo da nota em meados de janeiro passado, diretamente pelo cardeal Castrillón, durante uma audiência reservada, e o papa deve ter dado um pulo na cadeira. O documento começa com uma premissa em letras maiúsculas: "Estritamente confidencial". Provavelmente, os homens que cuidam da segurança do pontífice – começando pela Gendarmeria Vaticana, liderada pelo ex-agente do serviço secreto italiano, Domenico Giani – estão tentando verificar as circunstâncias em que foram pronunciadas essas terríveis previsões e a sua credibilidade.
Sempre circulam lendas sobre conspirações vaticanas, e foram escritos muitos livros sobre a morte suspeita de João Paulo I. Mas aqui estamos diante de um ineditismo absoluto. Ninguém jamais havia colocado preto no branco a hipótese de um complô para matar o papa. Um complô que poderia se realizar daqui a novembro próximo e que está inserido no documento dentro de uma análise inquietante das divisões internas da Igreja, que veem contrapostos o papa e o secretário de Estado, Tarcisio Bertone, às vésperas de uma suposta sucessão, que esperamos que, ao contrário, esteja distante no tempo.

O complô e os protagonistas
Segundo a reconstrução atribuída pelo documento ao arcebispo Romeo (foto), Angelo Scola, arcebispo de Milão, seria o sucessor designado pelo Papa Ratzinger. O documento em posse do jornal Il Fatto Quotidiano está escrito em alemão, provavelmente para que seja plenamente compreendido apenas pelo papa e pelos mais próximos seus colaboradores e conterrâneos, como o Mons. Georg Gänswein [secretário pessoal do papa]. Ele começa com um longo "objeto" em negrito: "Viagem do Cardeal Paolo Romeo, Arcebispo de Palermo, a Pequim, em novembro de 2011. Durante as suas conversas na China, o cardeal Romeo profetizou a morte do Papa Bento XVI dentro dos próximos 12 meses. As declarações do Cardeal foram expostas, como alguém provavelmente informado de um sério complô criminoso, com tal segurança e firmeza que os seus interlocutores na China pensaram, com horror, que esteja sendo programado um atentado contra o Santo Padre".
Depois dessa premissa explosiva, o texto se articula em três parágrafos, cada uma com um título em negrito. O primeiro é Viagem a Pequim; o segundo, Secretário de Estado, Cardeal Tarcisio Bertone, e o terceiro é Sucessão do Papa Bento XVI.
No primeiro parágrafo, reconstrói-se a estranha viagem à China realizada pelo arcebispo de Palermo, Paolo Romeo, um personagem influente na Igreja: 73 anos, nomeado cardeal no consistório de 20 de novembro de 2010 pelo papa, ele irá participar do próximo conclave. Nascido em Acireale em uma família rica e numerosa, Romeo é uma pessoa extrovertida, que gosta da boa cozinha e das tecnologias, tanto que, no site da sua arquidiocese, lê-se: "Siga-nos no Twitter", que, segundo ele, "o Senhor poderia ter usado para os Dez Mandamentos".
Depois de uma longa carreira que o levou às Filipinas, Venezuela, Ruanda, Colômbia e Canadá, ele foi nomeado núncio na Itália e, em 2006, quando devia ser nomeado presidente da Conferência Episcopal Italiana, promoveu uma consulta entre todos os bispos italianos, nunca autorizada e repudiada por Bento XVI.
O cardeal Castrillón Hoyos (foto) também foi repudiado pelo papa por uma carta sua de 2001, na qual se congratulava com um bispo francês condenado por não ter querido denunciar às autoridades civis um dos seus sacerdotes, culpado por abuso sexual de menores. Castrillón, mais velho do que Romeo, pertence à corrente mais tradicionalista da Igreja e, em 2009, como presidente da Comissão "Ecclesia Dei", quando se ocupava dos lefebvrianos, não assinalou ao papa o perigo representado pelas posições antissemitas do bispo Williamson. Aos 80 anos completados em 2010, ele está aposentado e não participará do próximo conclave.
Castrillón, talvez, perceba como uma invasão de campo a visita de Romeo à China. Um país em que está em andamento uma duríssima repressão sobre a comunidade cristã, que se recusa a se submeter ao regime. Segundo o que está escrito no documento, no entanto, Romeo não teria se ocupado com isso: "Em novembro de 2011, o Cardeal Romeo se dirigiu com um visto de turista a Pequim, onde, de fato, não se encontrou com nenhum expoente da Igreja Católica na China, mas sim com homens de negócios italianos, que vivem, ou melhor, trabalham em Pequim, e alguns interlocutores chineses. Em Pequim, o Cardeal Romeo declarou ter sido enviado pessoalmente pelo Papa Bento XVI para prosseguir, ou melhor, para verificar as conversações iniciadas pelo Cardeal Darío Castrillón Hoyos em março 2010 na China. Além disso, ele afirmou ser o interlocutor designado pelo papa para se ocupar no futuro com as questões entre a China e o Vaticano".

Os três parágrafos do documento

No primeiro parágrafo, o escritor anônimo do documento entregue aos homens do secretário de Estado, Bertone, e do papa por Castrillón traça substancialmente um Romeo um pouco vaidoso e gabola. O arcebispo de Palermo é creditado como um antigo amigo do cardeal Castrillón, especialista em relações com as Igrejas clandestinas desde os tempos da sua experiência nas Filipinas e até mesmo como membro de uma espécie de diretório secreto que governaria a Igreja de Ratzinger.
"O Cardeal Romeo surpreendeu os seus interlocutores em Pequim, informando-lhes que ele – Romeo – formaria, juntamente com o Santo Padre – Papa Bento XVI – e com o Cardeal Scola, uma troica. Para as questões mais importantes, portanto, o Santo Padre se consultaria com ele – Romeo – e com Scola".
Depois, vem o parágrafo sobre as críticas que Romeu teria dirigido contra o chefe do governo da Igreja, o secretário de Estado, Tarcisio Bertone.
"O Cardeal Romeo criticou duramente o Papa Bento XVI, porque se ocuparia principalmente da liturgia, ignorando os 'assuntos cotidianos', confiados pelo Papa Bento XVI ao Cardeal Tarcisio Bertone, Secretário de Estado da Igreja Católica Romana".
E não só isso: Bertone e Ratzinger são descritos como uma dupla de litigantes forçados a conviver entre os muros leoninos: "A relação entre o Papa Bento XVI e o seu secretário de Estado, o Cardeal Tarcisio Bertone, seria muito conflitante. Em uma atmosfera de confidencialidade, o Cardeal Romeo informou que o Papa Bento XVI literalmente odiaria Tarcisio Bertone e o substituiria com muito prazer por outro Cardeal. Romeo acrescentou, porém, que não haveria outro candidato adaptado para ocupar essa posição e que, por isso, o secretário de Estado, Cardeal Tarcisio Bertone, continuaria desempenhando o seu cargo".
Nesse ponto, depois de observar que "a relação entre o secretário de Estado e Cardeal Scola também seria igualmente adversa e atormentada", chega o parágrafo que trata da sucessão do papa, que vê em posição privilegiada justamente o cardeal Scola, desde sempre próximo ao Comunhão e Libertação.
"Em segredo, o Santo Padre estaria se ocupando da sua sucessão e já teria escolhido o Cardeal Scola como candidato idôneo, por ser o mais próximo da sua personalidade. Lenta mas inexoravelmente, ele o estaria preparando e formando para assumir o cargo de papa. Por iniciativa do Santo Padre – segundo Romeo –, o Cardeal Scola foi transferido de Veneza para Milão, para poder se preparar de lá com calma ao seu papado. O Cardeal Romeo continuou surpreendendo os seus interlocutores na China – continua o documento entregue pelo cardeal colombiano ao papa – continuando a transmitir indiscrições".
E eis que, depois de examinar o quadro das relações conflitantes dentro do Vaticano em vista da sucessão de Ratzinger, Romeo, segundo a nota, teria jogado uma bomba diante dos seus interlocutores:
"Seguro de si, como se o soubesse com precisão, o Cardeal Romeo anunciou que o Santo Padre teria somente outros 12 meses para viver. Durante as suas conversas na China, ele profetizou a morte do Papa Bento XVI dentro dos próximos 12 meses. As declarações do Cardeal foram expostas como alguém provavelmente informado de um sério complô criminoso, com tal segurança e firmeza que os seus interlocutores na China pensaram, com horror, que está sendo programado um atentado contra o Santo Padre".
Para confirmar a veracidade dos fatos relatados, o documento afirmou maliciosamente:
"O Cardeal Romeo se sentia seguro e não podia imaginar que as declarações feitas nessa rodada de conversações secretas poderiam ser transmitidas por terceiros ao Vaticano".

Sucessão, negações e o emaranhado vaticano

O encerramento é dedicado ao tema central que evidentemente angustia o autor da nota: a sucessão de Ratzinger:
"Também seguro de si, Romeo profetizou que, já agora, seria certo, embora ainda secreto, que o sucessor de Bento XVI será, em todo caso, um candidato de origem italiana. Como descrito antes, o Cardeal Romeo enfatizou que, depois do falecimento do Papa Bento XVI, o Cardeal Scola será eleito Papa. Scola também teria inimigos importantes no Vaticano".
O jornal Il Fatto Quotidiano, na noite desta quinta-feira, 9 de fevereiro, telefonou para o diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, padre Federico Lombardi, para perguntar a posição oficial do Vaticano sobre esse documento, mas a sua resposta foi: "Publiquem o que vocês acreditam, mas assumam a responsabilidade. Parece-me uma coisa tão fora da realidade e pouco séria que não quero nem levá-la em consideração. Parece-me incrível e eu não quero nem comentar".
Uma atitude de total negação dos fatos que parece ser discutível, porque o documento levanta questões importantes não só sobre a saúde e a segurança do papa, mas também sobre a situação no mínimo desconcertante em que a Igreja se encontra.
Bento XVI é o líder da religião mais difundida sobre a Terra. Para os 2 bilhões de católicos, ele é o guardião da doutrina e – para além da veracidade das afirmações contidas na nota que deve ser totalmente confirmada –, esse texto deve ser levado à atenção da opinião pública. Uma carta do gênero não é uma questão que pode permanecer confinada no circuito de correspondência entre gendarmes, Secretaria de Estado e cardeais, mas deve ser explicada aos cristãos, cada vez mais atônitos com o que leem nos jornais.
O Fatto Quotidiano já publicou, no dia 4 de fevereiro, a carta do núncio nos Estados Unidos, Carlo Maria Viganò, ex-secretário do Governatorato da Cidade do Vaticano, na qual o arcebispo formulava acusações gravíssimas da corrupção, dos furtos e dos faturamentos falsos ocorridos dentro dos muros leoninos, e acusava de supostos crimes o monsenhor Paolo Nicolini, diretor dos Museus Vaticanos.
Depois, publicamos um documento exclusivo sobre as relações AIF-UIF [Autoridade de Informação Financeira do Vaticano e Unidade de Informação Financeira italiana] que documentava a escolha do Vaticano de não fornecer informações bancárias anteriores a abril de 2011 às autoridades antilavagem de dinheiro.
Agora, desdobre-se um documento em que se fala sem remorso da morte certa do papa e até se fantasia um possível complô para matar o pontífice.
Por isto a nota sobre a morte do papa deve ser publicada: para que se confirme coram populo a sua origem e a sua veracidade, e, sobretudo, para que finalmente a Santa Igreja Romana saia do silêncio e explique aos seus fiéis (e não só a eles) como é possível que, entre os cardeais e o papa, circulem previsões certas de morte e hipóteses homicidas que, só de ler, sentem-se calafrios.
----------------
Fonte: IHU on line, 11/02/2012

Nenhum comentário:

Postar um comentário