segunda-feira, 5 de março de 2012

A arte de tornar a própria biografia mais rica e interessante

Lucy Kellaway*

Outro dia fui convidada para um jantar com diretores não executivos para falar sobre a presença as mulheres nos conselhos de administração de empresas. Embora minha preferência fosse ficar em casa assistindo "MasterChef" na televisão, em vez de sair para discutir esse assunto já batido, aceitei o convite porque gosto da pessoa que organizou o jantar.
Antes do evento eu tive que enviar uma "biografia breve", de modo que "rabisquei" algo como: "Lucy Kellaway é jornalista do 'Financial Times', participa do conselho da Admiral e já escreveu vários livros". Foi curta, direta ao ponto e baseada em um modelo apreciado por Ronald Reagan. Um amigo me disse que viu sua deliciosamente sucinta biografia em um evento na década de 1980: "Ronald Reagan é presidente dos Estados Unidos."
Posteriormente, recebi uma lista dos demais convidados, com suas biografias, e vi o quão bizarra era a minha única sentença comparada aos ensaios que os demais convidados haviam encaminhado. Agora vejo que há um problema com o modelo Reagan: ele não funciona muito bem se você não for o presidente dos Estados Unidos. Na verdade, quanto menos importante você é, mais palavras parecem ser necessárias. Mas, ao analisar as biografias - que continham fatos como "x jogou basquete intercolegial há três décadas", ou "y participa dos conselhos de 17 instituições de caridade" -, fiquei pensando sobre este que é o mais ardiloso dos gêneros literários. Qual o tamanho que elas devem ter? O que elas devem conter? Parece que a biografia tenta fazer duas coisas: dizer quem você é e mostrar que você é diferente das outras pessoas (e mais interessante que elas). A maioria exagera no primeiro ponto, sendo longa demais, e fica devendo no segundo.
Pensei um pouco sobre o assunto e criei algumas regras para tornar essas biografias melhores. Nenhuma deve conter mais de cinco ocupações ou realizações. Nenhuma deve incluir sentenças como: "Fui responsável pela condução do sucesso dos recursos de marketing em muitas regiões". Não se vanglorie. Os adjetivos deveriam ser proibidos. O filósofo Roger Scruton nos diz em sua biografia que seu pensamento é "poderoso". Eu já sabia disso, mas ouvir isso dele me fez começar a duvidar.
Além disso, é importante incrementar o sucesso com um pouco de fracasso. A única coisa que todas as biografias têm em comum é que tudo o que todos fizeram sempre foi uma grande conquista. Admitir ter passado por dificuldades torna você mais corajoso, mais interessante e mais aberto. Portanto, Howard Davies poderia dizer que pediu demissão da London School of Economics em circustâncias delicadas envolvendo o regime de Muamar Kadafi. Isso seria muito mais revelador do que ele nos dizer que é membro honorário do Merton College.
Títulos honorários também não têm lugar nas biografias, assim como prêmios. Certamente Jeff Immelt não precisa nos dizer que foi votado entre os melhores CEOs do mundo pela revista "Barron" três vezes. Fazer isso seria vulgar, e constrangedor para o presidente-executivo da General Electric. (Para meu próprio constrangimento, descobri que prêmios antigos e sem importância são mencionados em minha própria página no ft.com. Não há desculpa para isso).
Um pequeno detalhe pessoal é aceitável, especialmente se soar exótico. O problema é que rotineiramente as biografias fingem que a vida doméstica é uma delícia - "x tem uma filha maravilhosa", diz a descrição de uma importante mulher de negócios; em outra lê-se: "Casada, três filhos. Passa a maior parte do tempo vago em arquibancadas de quadras esportivas". Um homem que conheço incluiu a informação "casado, dois filhos". Seria mais interessante se ele dissesse a verdade: "Casado pela quarta vez; um filho cada com as esposas número 1 e número 3".
Os hobbies são perfeitamente aceitáveis. Nas biografias que andei vendo encontrei "provavelmente pode ser encontrada com o nariz enfiado em um livro" e "adora jardinagem, esqui radical e caça ao pato selvagem". Essas informações são úteis porque dão uma pista sobre as pessoas que vou conhecer e poderei ou não gostar.
O pior de tudo é dizer que você é "muito solicitado no circuito das palestras", ou que "faz aparições regulares na TV ou no rádio". Essas alegações estão por toda parte e são desnecessárias.
Minha biografia favorita, depois da de Reagan, vem de uma conferência em que meu marido esteve. Ela começa: "Thomas Kremer nasceu na Transilvânia. Ele sobreviveu ao campo de concentração de Bergen-Belsen". Ela lista brevemente alguns dos negócios que ele começou e termina assim: "Thomas Kremer e sua esposa, Lady Alison, moram em uma pequena mansão Elizabetana".
Gosto disso, mas me leva a um pensamento depressivo. Talvez as biografias sejam maçantes e previsíveis porque a vida dos homens e mulheres de negócios bem-sucedidos seja também em sua maioria chata e previsível. Sobreviventes de campos de concentração e esposas aristocráticas são bem mais difíceis de encontrar.
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* Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira do Jornal Valor Econômico.
Fonte: Valor Econômico on line, 05/03/2012
Imagem da Internet

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