sábado, 10 de março de 2012

Quem não chora não mama

PODE CHORAR
Em sentido horário, a partir da esquerda: Putin derrama lágrimas em discurso; 
Dilma se emociona ao demitir ministro; Boehner chora após vitória em 2010;
 e as lágrimas de Obama. A emoção tomou conta da política 
(Foto: Alan Marques/Folhapress, Joe Raedle/Getty Images, Jim Young/Reuters e 
Mikhail Voskresenskiy/Reuters)

 Políticos de várias partes do mundo agora derramam lágrimas em público. A emoção é uma nova e arriscada arma na busca pelo apoio do povo

FELIPE PONTES


O homem de gelo derreteu. Eleito pela terceira vez para a Presidência da Rússia, Vladimir Putin deixou que lágrimas corressem soltas sobre seu rosto ao discursar no último dia 4. Diante de 100 mil pessoas na Praça Vermelha, em Moscou, ele agradecia pela conquista. Denúncias de manipulação eleitoral vieram da oposição e do exterior. Nada foi capaz de conter a emoção explícita de um líder que, em outros tempos, mal sabia sorrir. Putin talvez tenha se inspirado em sua colega de mundo emergente, Dilma Rousseff. Já faz mais de um ano que Dilma venceu sua eleição presidencial, mas o exercício cotidiano do poder pode pregar peças no coração daqueles que, digamos, governam com amor. Durante um discurso no dia 2, a presidente soltou as lágrimas ao falar do petista Luiz Sérgio, que ela mesma demitira do comando do Ministério da Pesca para dar lugar ao evangélico Marcelo Crivella (PRB-RJ). Não importa onde, se no frio de Moscou ou no calor tropical brasiliense, líderes de várias nacionalidades resolveram escancarar suas emoções em público. Da Oceania às Américas, é uma choradeira que não acaba mais.

“Se bem usado, o choro é uma arma retórica e política”, afirma Tom Lutz, autor do livro Crying: the natural and cultural history of tears (Chorar: a história natural e cultural das lágrimas), em que mostra a evolução do choro nos últimos séculos. “Atualmente, esse é um recurso quase obrigatório para os políticos.” Diante da nova onda, os líderes que ainda não derramaram uma lágrima sequer em público devem estar discutindo com seus assessores o momento ideal para fazê-lo – de preferência, antes da próxima eleição. Os planos serão jogados fora, logicamente, se o país enfrentar uma catástrofe de proporções bíblicas, seja um bombardeio inimigo ou um castigo da natureza. Foi o que fez o então primeiro-ministro australiano, Kevin Rudd, em 2009, diante dos incêndios que devastaram vizinhanças inteiras e mataram 173 pessoas. Sua sucessora, Julia Gillard, mostrou seu lado sensível no Parlamento dois anos depois, quando o inimigo era a água. Ao falar sobre a morte de um menino de 13 anos nas enchentes de Queensland, lá vieram as lágrimas da premiê – ou seriam de crocodilo? Gillard foi acusada de ter encenado a emoção, algo pior que ser chamado de insensível. “O choro aumentou entre os políticos”, diz Martin J. Medhurst, professor de retórica e comunicação da Universidade Baylor, no Texas, Estados Unidos. “Eles querem mostrar autenticidade e sinceridade. É a melhor maneira de persuadir e ganhar votos.”
A tendência não é exatamente inédita. “Era natural chorar em público, para políticos ou não, desde a Grécia e Roma antigas”, diz Tom Lutz. O recurso foi documentado em 1858 nos Estados Unidos, ano em que os senadores Abraham Lincoln – que três anos depois se tornaria presidente – e Stephen Douglas debateram sete vezes. “Lincoln chorava quando apropriado, e Douglas devolvia o choro logo em seguida”, afirma Lutz. A aceitação ao choro começou a mudar ainda no século XIX, com a segunda Revolução Industrial no Reino Unido. “As pessoas aprenderam a ficar quietas e a trabalhar nas fábricas como engrenagens de uma máquina. Não havia espaço para emoções. Isso ressoou na sociedade e na política.”
Reprodução (Foto: Reprodução)
Ainda nas décadas de 1960 e 1970, não pegava bem para um político chorar em público. Era puro sinal de fraqueza, quase um suicídio político. As coisas mudaram nos anos 1990, quando o fim da Guerra Fria deixou os líderes mais descontraídos. Mas é bom não exagerar. O choro pode ser benéfico ou prejudicial ao político dependendo do momento, do motivo e da intensidade (leia o quadro acima). O republicano John Boehner, eleito em 2010 para o comando da Câmara americana, quase se afogou num mar de lágrimas. Virou piada, mas não aprendeu: chorou de novo numa entrevista na TV. As mulheres correm o risco de ser consideradas frágeis, mas vale arriscar. Hillary Clinton chorou depois de perder uma prévia democrata para Barack Obama, em 2008 – e subiu nas pesquisas seguintes.
Muitos zombaram do choro derramado por Putin. O senador americano John McCain escreveu no Twitter: “Querido Vlad. O povo russo também está chorando”. O blogueiro Aleksei Navalny disse a um canal de televisão privado que o presidente eleito deve ter começado a chorar quando pensou: “Deus, o que fiz com este país?”. A assessoria do Kremlin negou que Putin tenha chorado. Disse que ele apenas “lacrimejou devido ao forte vento”. É mesmo? O que nunca faltou na Rússia foi vento frio. Se Putin chorou, é porque, além de muito esperto, parece estar por dentro da moda na política mundial. 
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Fonte: http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2012/03/09

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