segunda-feira, 5 de março de 2012

Terceirização submete saúde pública ao mercado

Entrevista da segunda - Dom Odilo Pedro Scherer

Arcebispo de São Paulo critica modelo
de gestão de hospitais; saúde é tema
da campanha da fraternidade

"Ah! Quanta espera, desde as frias madrugadas, pelo remédio para aliviar a dor! Este é teu povo, em longas filas nas calçadas, a mendigar pela saúde, meu Senhor!"
O trecho acima faz parte do hino da Campanha da Fraternidade deste ano, cujo mote central é a saúde pública.É a segunda vez que a Igreja Católica elege o tema -a primeira foi em 1984.
"A saúde vai muito mal do Brasil", afirma o arcebispo de São Paulo, dom Odilo Pedro Scherer. O cardeal também critica as OS (Organizações Sociais) em São Paulo.
"Na medida em que se terceiriza os serviços de saúde, vira comércio, eles acabam sendo submetidos às leis de mercado", afirma.
O arcebispo de São Paulo também comentou a notícia do nascimento de uma criança com a finalidade de doar células-tronco para a irmã que sofre de uma doença hematológica. "Não podemos aplicar de maneira irrestrita todas as possibilidades do conhecimento científico."
A seguir, trechos da entrevista exclusiva concedida à Folha na semana passada, no Mosteiro de São Bento.

Folha - A saúde é pela segunda vez tema da Campanha da Fraternidade. Agora, há cânticos bem críticos em relação à saúde pública. A situação piorou?
Odilo Pedro Sherer - A primeira vez que abordamos o tema foi mais focado no doente. Agora, o olhar está voltado para o acesso aos serviços, para as políticas em saúde pública, os atendimentos médicos e hospitalares, a falta de acesso a medicamentos. A situação está muito séria na adequação do SUS. Os pobres, que não têm possibilidade de ter plano de saúde, dependem de um sistema de saúde deficitário, que está longe de atender os requisitos básicos. A saúde vai muito mal no Brasil.

Anteontem, o Ministério da Saúde divulgou um relatório de avaliação do SUS em que a nota média ficou em 5,4...
É, foi muito mal avaliado. Não basta que poucos tenham condições de ter acesso a ótimos hospitais. É uma questão de fraternidade, solidariedade, levantar a questão, reclamar, mostrar a situação real nos grotões do país, nas periferias das grandes cidades. E não é só isso. A saúde pública vive um processo de terceirização, de comercialização.

"Não podemos produzir bebês com
a finalidade "para". O ser humano nunca
pode ser usado como meio para atingir fins.
 Ele, por si só, já é o fim."

O sr. se refere às Organizações Sociais em São Paulo?
Sim. Na medida em que se terceiriza os serviços de saúde, vira comércio, eles acabam sendo submetidos às leis de mercado. Isso pode comprometer o atendimento dos pacientes. Saúde é um bem público, um direito básico, fundamental. Impostos são recolhidos para esse fim.

A Igreja não poderia ser mais atuante na promoção de saúde, fazendo campanhas de prevenção a diabetes, hipertensão durante as missas, por exemplo?
Já fazemos isso constantemente nas pastorais da saúde, da criança. Trabalhamos arduamente não só para atender os doentes mas também para promover saúde.

Recentemente, foi noticiado o nascimento de uma criança gerada com a finalidade de doar células-tronco para a irmã que sofre de uma doença hematológica. Como a Igreja vê isso?
Nem tudo que é possível em ciência é bom eticamente. Não podemos aplicar de maneira irrestrita todas as possibilidades do conhecimento científico. Não podemos produzir bebês com a finalidade "para". O ser humano nunca pode ser usado como meio para atingir fins. Ele, por si só, já é o fim.

Mas mesmo que o objetivo tenha sido para salvar uma outra vida?
O ser humano agora pode ser um embrião, um feto, um bebê. Nessa fase posso fazer o que for do meu agrado para atingir meus objetivos. Mas depois ele se torna uma pessoa adulta. Como ele vai avaliar a minha ação? Eu fui usado, eu fui manipulado em função de, me usaram para. Está faltando dignidade para o ser humano, que é único.
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Reportagem por CLÁUDIA COLLUCCI DE SÃO PAULO
Fonte: Folha on line, 06/03/2012
Imagem da Internet

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