sábado, 29 de setembro de 2012

Cesar Romero: “A política local é multipartidária”

Cesar Romero na PUC-Rio. Ele investigou o comportamento dos eleitores no Rio de Janeiro e em São Paulo (Foto: Anna Fischer/ÉPOCA)

Para o cientista político, o cenário das atuais eleições mostra que a polarização nacional entre petistas e tucanos não se aplica às cidades

DANILO THOMAZ
Fenômenos das eleições deste ano, como a ascensão de Celso Russomanno (PRB) em São Paulo e o avanço do PSB, comprovam que as disputas municipais são mais influenciadas por forças locais do que por aquelas com influência em Brasília. A conclusão é do cientista político da PUC-Rio Cesar Romero, autor do livro A geografia do voto nas eleições para prefeito e presidente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo: 1996-2010. Em entrevista a ÉPOCA, ele diz que as igrejas evangélicas ainda não lidam bem com embates eleitorais. “Os católicos podem ser tucanos, petistas, o que for. Os evangélicos levam a briga política para dentro das igrejas.”  

ÉPOCA – Qual a marca das eleições de 2012?Cesar Romero – Fica claro que existe um bipartidarismo na disputa nacional, entre PT e PSDB, e um multipartidarismo na disputa local. Essas forças locais são partidos da base ou de oposição ao governo federal que não têm envergadura para a disputa nacional e, por isso, precisam compor com essas forças. No Rio de Janeiro, o PT nacional enquadrou o PT municipal e estadual e fez comque reconhecessem a força do PMDB no Estado, enquanto o PMDB estadual reconheceu a hegemonia do PT nacional.  

ÉPOCA – O PSB e o governador Eduardo Campos são um exemplo de força local que emerge para a disputa nacional?Romero – Eduardo Campos está tentando, como PSB, se cacifar junto ao governo federal para conseguir melhores ministérios ou até a Vice-Presidência. Para a eleição de 2014, tudo dependerá do desempenho do governo Dilma. Se ela fará uma boa gestão, se a crise engolirá ou não o governo dela. Campos conseguirá se tornar uma terceira via desde que tenha força em São Paulo.Ter base em São Paulo é precondição para a disputa nacional. O mesmo acontece com Aécio Neves (PSDB). Se o PSDB de São Paulo não colocar a máquina para trabalhar por sua candidatura, ele não conseguirá se eleger. Dilma só conseguiu emplacar porque o PT tinha uma máquina em São Paulo.

ÉPOCA – De onde vem a força que mantém a hegemonia de PT e PSDB no plano nacional?
Romero – PT e PSDB são partidos muito fortes em São Paulo. O Estado detém um terço do PIB brasileiro e um quarto do eleitorado do país, mais que o Rio de Janeiro e Minas Gerais juntos. Mas só isso, claro, não basta. Para se manter na disputa nacional, eles têm de compor com as forças locais.

ÉPOCA – A presidente Dilma tem participado da campanha de Fernando Haddad (PT) à prefeitura municipal na tentativa de conquistar o eleitorado da classe média. Ela pode influir no resultado em São Paulo?
Romero – Em eleição municipal, o que influi são as forças locais. Em 1996, Fernando Henrique Cardoso não conseguiu eleger José Serra à prefeitura de São Paulo. Em 2000, quando ele ainda era presidente, Marta Suplicy (PT) foi eleita. Lula não ajudou a candidatura de Alberto Molon (PT) à prefeitura do Rio, quando era presidente, nem a de Marta Suplicy, em 2008. No Recife, uma parte do eleitorado do PT pode ter migrado para outros candidatos para dar um recado ao PT nacional: “Não interfiram aqui”.

ÉPOCA – E os governadores?
Romero – Nesse caso, as forças políticas locais atuam para impedir que o mesmo grupo tenha predominância em todos os níveis de poder. É uma questão de sobrevivência. Em 2000, o então governador, Mário Covas (PSDB), não conseguiu eleger Geraldo Alckmin prefeito. Em2004, Rosinha Garotinho era governadora do Rio, e o eleito foi (seu adversário) Cesar Maia, logo no primeiro turno.
Em São Paulo, o populismo de direita sempre foi forte. Russomanno é o malufismo de sempre, mesmo sem Maluf"
 
ÉPOCA – Que fatores podem explicar o bom desempenho de Celso Russomanno (PRB) em São Paulo?
Romero – O fenômeno novo, Russomanno, é uma tentativa de colocar alguém que se diz católico candidato por um partido evangélico. É uma nova tendência de buscar alguém que não seja um evangélico explícito, para diminuir um grau de rejeição. Aliás, está dando certo. Além disso, em São Paulo, o populismo de direita sempre foi muito forte. Das sete eleições desde a redemocratização, esse segmento populista ganhou quatro. Ganharam
Jânio Quadros, Maluf, Pitta e Kassab. Isso tudo é o velho populismo de direita que começa com Adhemar (de Barros, ex-governador de São Paulo). Ele representa essa direita paulistana. É o velho malufismo de sempre, mesmo que seja um malufismo sem Maluf. Mas não é só isso. Ele (Russomanno) é um homem de televisão, fez carreira no malufismo, extrai o voto malufista, tucano (na Zona Oeste), petista (na Zona Leste) e atrairá o voto da Igreja Universal – e, pelo visto, de outras igrejas também.

ÉPOCA – Uma eventual vitória de Russomanno pode mudar o cenário da política paulista para 2014?
Romero – Da política paulista, não. Significaria cinco vitórias da direita paulistana, mas não significaria que ela teria forças para se impor na política do Estado. No Estado, a briga é entre PT e PSDB. No governo federal, também. Na prefeitura, não. No Brasil, não existe terceira via. Na cidade de São Paulo, há a direita paulistana, o malufismo, porque a base social dessa direita existe. Pode ser Jânio, Maluf ou Russomanno.

ÉPOCA – Esse grupo conservador está onde?
Romero – Ele está concentrado na Mooca, no Ipiranga, uma área de classe média. Você sai do centro expandido, mas não chega à Zona Leste. Russomanno está na mesma área. Só que Russomanno tem a seu favor ser um homem de comunicação, (ter) as igrejas. Pela primeira vez, você vê em São Paulo a religião mais clara, as forças políticas fora do PT e PSDB que têm interesse (numa terceira via).

ÉPOCA – Por que Haddad, mesmo com o apoio do governo federal, da ex-prefeita Marta Suplicy e de Lula, tem encontrado tantas dificuldades?
Romero – Ele está abaixo da média histórica do PT na cidade. Apesar de que Marta, entre 2000 e 2008, foi caindo. Ela teve 38% em 2000 no primeiro turno; caiu para 35% em 2004; e
32% em 2008. É claro que ela estaria no segundo turno se fosse candidata. Mas uma coisa é estar no segundo turno, a outra é ganhar. Pode ser que a aposta do PT tenha sido equivocada.

ÉPOCA – O que explica o apelo do candidato Marcelo Freixo (PSOL) na Zona Sul do Rio, diante de um governo bem avaliado como o de Eduardo Paes (PMDB)?
Romero – A metade Sul é dividida. Tem a orla, historicamente eleitora de Cesar Maia (DEM) e dos candidatos da Presidência. Mas tem uma parte que a gente chama de Grande Santa Tereza, o entorno de Santa Tereza, reduto da esquerda no Rio. Em cada eleição, esse grupo busca seu candidato. É uma classe média escolarizada, mas não quer dizer que
tenha alto grau de renda.

ÉPOCA – Quando começou a influência dos evangélicos?
Romero – Nos anos 1990. Começou nas eleições proporcionais, em todos os níveis. Muitos candidatos católicos foram negociar com os evangélicos. Aí você começa a ver as tentativas de fazer isso numa eleição majoritária. Tivemos a experiência em São Paulo de Francisco Rossi, com a Bíblia na mão, que não prosperou. Outra tentativa foi de Marcelo Crivella no Rio, em 2004 e 2008. De novo, mesmo onde o Rio é mais evangélico, teve uma rejeição expressiva. Onde é católico, rejeição alta.

ÉPOCA – Qual a diferença entre voto católico e evangélico?
Romero – A Igreja Católica já entendeu que os católicos podem ser tucanos, petistas, democratas, o que for. O mais inteligente é não levar para a Igreja uma divisão que está fora da Igreja. Os evangélicos não entenderam ainda. Eles estão levando a briga política para dentro das igrejas. Isso fragmenta os grupos religiosos. 
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Fonte:http://revistaepoca.globo.com/especial-cidades/noticia/2012/09/cesar-romero-politica-local-e-multipartidaria.html

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