terça-feira, 25 de setembro de 2012

Grupo brasileiro convida diretor russo para conduzir espetáculo

Cena da peça 'Pais e Filhos', com a Mundana Companhia, dirigida pelo russo Adolf Shapiro  - Divulgação
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Cena da peça 'Pais e Filhos', com a Mundana Companhia, 
dirigida pelo russo Adolf Shapiro 
 

Diretor da versão de 'Pais e Filhos', Adolf Shapiro defende atualidade de Constantin Stanislavski

Foi uma revolução. E ninguém garante que tenha chegado ao fim. No século 19, o Teatro de Arte de Moscou mudou radicalmente as feições do que se fazia nos palcos mundo afora. Mas ainda hoje é possível sentir o lastro dessa transformação.

Responsável por uma festejada montagem de O Idiota - dirigida por Cibele Forjaz -, a Mundana Cia. estreia na sexta-feira o espetáculo Pais e Filhos. Trata-se de um mergulho no romance do escritor Ivan Turguêniev. Conduzido, desta vez, pelo russo Adolf Shapiro.

Não é apenas a nacionalidade que credencia Shapiro a encenar o texto de seu compatriota. O diretor é nome referencial quando se trata do sistema Stanislavski. Criado em seu país, o método de interpretação pautou as artes cênicas no século 20. Impactante, chegou a ser transplantado para o cinema hollywoodiano. Ganhou versões, releituras, visões particulares, além de distorções e detratores.

Tornou-se comum no teatro contemporâneo o ataque às ideias de Constantin Stanislavski. Mudaram a política, o mundo, as artes. Seria ele, então, capaz de dar conta da complexidade atual? "É claro que algumas posições do sistema Stanislavski envelhecem. Mas, algumas outras, adquirem um valor ainda maior", considera o encenador, que já esteve à frente de companhias de países como Canadá, Estados Unidos e Alemanha. "No tempo desse ataque tão agressivo da cultura pop, de tudo aquilo que enche as televisões, o pensamento para o qual está direcionado o sistema de Stanislavski ganha um significado especial."

Também especial é o sentido que a trama de Turguêniev adquire se vista pelos espectadores de hoje. Obra-prima do autor, o livro foi escrito em 1862. Surgiu, portanto, antes das duas Guerras Mundiais e dos sistemas totalitários do século 20. Mas já trazia como protagonista um homem que condenava todas as verdades absolutas, todas as crenças definitivas. "Não digo que conscientemente, mas de maneira intuitiva, Turguêniev foi capaz de prever uma série de problemas com os quais a humanidade viria a se deparar", observa Shapiro, que conversou com o Estado sobre sua experiência no Brasil.

Quando ouvimos o protagonista de Pais e Filhos falar sobre suas ideias - o seu niilismo, a sua negação de todos os sistemas, de todas as verdades absolutas - temos a sensação de que esse texto soa mais contemporâneo hoje do que em qualquer outro momento histórico. Como as plateias de nosso tempo devem receber essa história?

Pode ser que hoje ele realmente soe mais contemporâneo do que quando escrito. Não digo que conscientemente, mas de maneira intuitiva, Turguêniev previu uma série de problemas com os quais a humanidade viria a se deparar no futuro. O século 20 foi a época de grandes ideologias. E todas elas fracassaram: o comunismo, o fascismo e, em certo sentido, a ideia do nacionalismo.

O personagem Bazárov quis colocar uma ideia à frente da própria vida, quis montar a vida como um cavaleiro monta um cavalo, mas acabou sendo jogado para fora da sela. É aí que nos lembramos de Dostoievski: nenhuma ideia vale mais do que a lágrima de uma criança. E esse personagem descobriu isso.


 
Curioso é termos a impressão exata que o protagonista já sabia tudo isso de antemão.

Não sabia, mas pressentia. E a luta entre essas ideias sempre terminou com guerras e destruição. O século atual também não começou promissor, se pensarmos no terrorismo, nas formas de fundamentalismo das várias religiões. A questão é que todas essas ideias não são capazes de trazer a felicidade. Existe um otimismo nessa obra. O personagem Bazárov quis colocar uma ideia à frente da própria vida, quis montar a vida como um cavaleiro monta um cavalo, mas acabou sendo jogado para fora da sela. É aí que nos lembramos de Dostoievski: nenhuma ideia vale mais do que a lágrima de uma criança. E esse personagem descobriu isso.

Várias correntes do teatro contemporâneo gostam de negar a validade do método Stanislavski. Como se ele estivesse ultrapassado ou não fosse mais capaz de dar conta da complexidade atual. O senhor crê que as ideias de Stanislavski continuam vivas?

Cada um escolhe o método através do qual pode expressar melhor a si mesmo. Também não existe um sistema que valha para todas as épocas. Mas há alguma coisa que remanesce na história da cultura. Assim como o teatro antigo, a Commedia dell'Arte. Toda a história do teatro são fagulhas do pensamento humano. Hoje, não é possível imaginar alguém que trabalhe apenas com o sistema Stanislavski sem levar em consideração as experiências que vieram depois dele: Bertolt Brecht, Jerzy Grotowski. Também é claro que algumas posições do sistema envelheceram. Mas outras adquirem um valor ainda maior. No teatro, você não pode ser um continuador. Não se pode continuar absolutamente nada. Você pode ser apenas um pesquisador. E, para isso, é preciso entender não a letra, mas o espírito desse sistema.

De alguma maneira, as ideias de Stanislavski parecem ser tão poderosas que a discussão continua levando-as em consideração. Não importa se para afirmá-las ou negá-las. Stanislavski ainda pauta o debate.

Essa é a maior evidência de que ele ainda está vivo: o fato de incomodar muita gente. Por ele as pessoas brigam, reagem, se irritam. Respeito os que negam o sistema Stanislavski. Mas depois de o terem conhecido. Porque a maioria dos seus detratores não sabe o que está negando.
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Reportagem por  MARIA EUGÊNIA DE MENEZES - O Estado de S.Paulo
Fonte: Estadão on line, 25/09/2012

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