quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O que há de errado com a blasfêmia?

Fúria Muçulmana

O que há de tão perturbador em insultos ou mentiras sobre coisas que os outros consideram sagradas, sejam elas textos, profetas humanos ou objetos físicos?

Suponha que não tivesse havido um único motim em resposta ao vídeo “A Inocência dos muçulmanos“. Nem um único carro queimado, nenhuma embaixada violada, nenhum ser humano fisicamente ferido. Nesse caso, será que quem produziu este vídeo risível teria feito algo de errado? Se assim for, a quem, e por quê?
Estas perguntas estão agora no centro de um debate internacional. O próprio presidente dos EUA Barack Obama tocou no assunto em seu discurso à Assembleia Geral da ONU na terça-feira, 25. Ele se dirigiu diretamente à reação violenta do mundo muçulmano ao “vídeo bruto e grotesco”. Mas será que a filosofia tem algo a dizer sobre essa visão que muitas pessoas têm de que há algo nesse tipo de insulto – e não apenas o seu dano à ordem pública – que não deve ser pronunciado ou produzido?
O que há de tão perturbador em insultos ou mentiras sobre coisas que os outros consideram sagradas, sejam elas textos, profetas humanos ou objetos físicos? Que razões temos para censurar este tipo de discurso?

A maioria das abordagens sobre a moralidade de discursos envolvendo “o sagrado” vai começar com três pontos de partida:
1 - Os seres humanos têm interesses muito fortes em ser livre para se expressar.
2 – O “sagrado” é um objeto da construção humana e, portanto, o fato de que alguma coisa é chamada de “sagrada” é insuficiente em si para explicar por que todos os seres humanos devem respeitá-la.
3 – O respeito é devido às pessoas, mas não a tudo o que elas dão valor ou veneram.

Estas três premissas tornam mais difíceis alguns argumentos comuns que defendem a censura a este tipo de ofensa ao “sagrado”. Aqui estão alguns destes argumentos considerados mais comuns:

1. A blasfêmia transgride limites e viola o “sagrado”.
A partir da perspectiva religiosa, este é o maior mal da blasfêmia. Na lei islâmica, por exemplo, Deus e o profeta Maomé têm, além de muito valor para os crentes, interesses e direitos também. Mas qual a razão para que os outros não violem o sagrado se eles não concordam que x ou y é sagrado ou tem um valor incrível? Nenhuma razão.

2. Devemos respeitar o que as pessoas consideram como “sagrado”, ou tratam como religioso.
Eu não tenho nenhuma objeção a isso como um princípio da moral do discurso. Certamente, o fato de que X é chamado de “sagrado” por alguém deveria me dar algum motivo para repensar o que eu estou dizendo. Mas há dois problemas óbvios aqui: (a) isso dá ampla liberdade para outras pessoas reivindicarem poder de veto sobre o meu discurso, chamando de “sagrado” coisas que não o são, como: a bandeira norte-americana, a política, a Coca-Cola; (b) é fácil pensar em exemplos em que a fala de alguém é tão importante que se sobrepõe à eventual dor que ela pode causar a alguém, como consequência não-intencional.

3. As pessoas ficam profundamente magoadas e feridas por violações do “sagrado” ou objetos de amor.
Isso é importante. A dor dos outros sempre importa. Mas a dor por si só não pode explicar a totalidade de nossas relações morais. As pessoas sentem dor por todos os tipos de coisas. As pessoas se ligam a todos os tipos de histórias, símbolos e instituições. A dor às vezes é merecida. Pelo menos, às vezes, o discurso é tão importante que a dor é um custo razoável. O religioso sabe isso melhor do que a maioria de nós.

4. A blasfêmia é perigosa.
O grande Thomas Hobbes foi tão longe a ponto de declarar que os insultos são uma violação da lei natural, mesmo antes de entrarmos no contrato social. Ele não teria sido surpreendido com a reação às caricaturas dinamarquesas, ao filme “Inocência dos Muçulmanos”, ou qualquer briga de bar: “Qualquer sinal de ódio e de desprezo é mais provocador de brigas e lutas do que qualquer outra coisa, de modo que a maioria dos homens prefere perder a sua paz em vez de sofrer insulto”. Então, sim, o fato de que uma palavra ofensiva irá contribuir para um surto de violência é uma razão muito boa para não proferi-la e, muitas vezes, a razão decisiva e suficiente. O problema é: que tipo de razão? Se pensarmos que as nossas palavras eram razoáveis e não pretendiam provocar ninguém, e ainda assim nos auto-censuramos, estamos agindo com prudência ou medo, e de certa maneira, tratando o outro como um ser irracional. Não são os seres humanos capazes de ter mais vontade de dialogar do que o medo mútuo?
O que este artigo tenta argumentar é que nenhum destes argumentos comuns sozinhos nos dá razão suficiente para nos abster de um discurso simplesmente porque é uma blasfêmia. É importante olhar para além dos clichês reciclados que surgem de todos os lados cada vez que alguma expressão nova cria uma crise internacional.
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