quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O elogio das crises de fé

José Tolentino Mendonça*

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«Mais do que uma palavra, “crise” é uma árvore de ramos incessantes». «A crise é uma espécie de assinatura humana.» «A crise é essencial para podermos crescer.» «Não há vida», «maturação pessoal», «crescimento espiritual» nem «consciência de si» que «não suponha a experiência» da crise.

«Não faz sentido alimentarmos uma visão puramente negativa da crise». O que nos é pedido, «antes de tudo, é que escutemos a sua voz», tornando-a um «lugar de aprendizagem». «A crise aparece como um apelo e uma mensagem que é preciso decifrar».
«O verdadeiro problema que a crise coloca é como geri-la, que uso fazer dela.» A vida é o perde-ganha. E nesta perde inscreve-se a possibilidade surpreendente» por onde o «imprevisto de Deus pode entrar».

«Temos, culturalmente, pouca disponibilidade para escutar a crise» e perceber que ela «pode ser um austero mestre» que «aparece para evitar o pior», ou seja, «o desencontro com a nossa verdade.»

A crise, seja ela de fé, económica ou de qualquer outro tipo, pode ser entendida como «momento privilegiado de auscultação». Para isso é preciso olhar para ela «como um caminho, e não como o fim da estrada».

Por vezes a crise convoca-nos a uma leitura «impiedosa» e «purificatória» da existência e dos tecidos económicos, éticos e eclesiais que tínhamos por adquiridos. «A crise obriga-nos a repensar a nossa posição no mundo».

«Neste longo, paciente – às vezes impaciente – processo de maturação interior e crescimento espiritual temos de aceitar o que Camilo Pessanha dizia num dos seus sonetos: “Foi bom para nós esta demora”.»

Toda a crise é constituída por três andamentos. O primeiro é a separação, por vezes violenta e inesperada. A primeira imagem que temos da crise é a de um rasgão que descostura a vida.
O segundo momento é o do umbral: na crise somos colocados perante o inédito. A experiência do novo acontece de uma forma surpreendente.

A crise possibilita também a reconfiguração, uma nova compreensão, uma renovada presença no mundo e na história. A possibilidade de renascer.

É muito fácil ficarmos no primeiro passo, pensando que a crise é simplesmente a morte. A vida pode ser bela e feliz para além das nossas ilusões. Por isso a crise pode ser uma alavanca para uma maturação mais funda e paciente da existência.

A experiência de Deus não é necessariamente de consolação ou confirmação. A tradição bíblica fala de uma experiência de crise e de luta. 

«A fé não é a construção de uma estabilidade mas é a aceitação de um combate, que é também uma dança com o anjo de Deus.»]

A experiência de Deus é de nudez, muitas vezes mudez, de fragilidade, dúvida, silêncio e noite; é uma experiência de não saber, não ver, não conhecer, não ter, não poder... É um não repetido que paradoxalmente acaba por se tornar lugar de encontro.

«O crente é aquele que se deixa colocar em crise.» As narrativas bíblicas do Natal são a «invasão da crise», desde a anunciação a Maria ao anúncio aos pastores.

«Bendita noite, bendito silêncio de Deus, bendito caminho austero que a fé nos leva a fazer.»

«O que nos é oferecido é o caminho, a viagem, 
o bordão e as sandálias
 de peregrino.»


«Não há teologia de fé que não seja teologia de crise. A fé é para nos colocar em crise, isto é, em estado de abertura, renascimento e reconfiguração.»

A figura de Pedro é trabalha desde o início a partir do motivo da crise. Pedro olha para a crise como um obstáculo; Jesus olha para a crise como uma oportunidade. 

«Aprender a não temer e a sentir a crise como o momento do chamamento, da vocação, do seguimento e da descoberta mais funda.»

«Também para nós a crise, “esse misterioso país das lágrimas”, não é um impedimento. Não só as crises de fé que nos impedem de acreditar. É nosso o conformismo, o acharmos que está tudo feito e resolvido.»

«A crise de fé é o momento privilegiado que o Espírito Santo nos dá para mergulharmos mais profundamente na nossa existência, no nosso coração.»

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* Conferência “O elogio das crises de fé», proferida em dezembro de 2011 em Lisboa pelo padre José Tolentino Mendonça.
© SNPC | 11.10.12

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