Rubem Alves*

A propósito dessa confusão que envolve políticos e governo,
vale
esse conselho: “Se houver processo, toma
um patife como advogado. Pois
ele conhece
todos os furos nas malhas da lei.
Pensamentos da minha cadela: “Meu nome é Lola. É assim que me chamam. Quando gritam o meu nome sei que me querem perto deles. Psicologicamente posso ser definida como um animal incapaz de mentir ou fingir. Minha alma mora na minha pele. Quando estou alegre meu rabo abana por conta própria, independente da minha vontade. Quando a alegria é demais dou umas mijadinhas. Quando estou triste meu rabo e minha cabeça abaixam.
Quando estou com sono me esparramo no chão, do rabo ao focinho. Tudo se dependura: pele, orelhas, testa, olhos. Meu dono gosta de mim embora fique bravo quando eu pulo para abraçá-lo e lhe dar uma lambida. O que é verdade para mim não é verdade para o meu dono. A alma dele não mora na pele. Ele mente. Ele finge. Nunca o vi dar uma mijadinha de felicidade. Talvez ele não seja suficientemente feliz para isso. Às vezes eu estou deitada do jeito como descrevi e ele está assentado numa cadeira. Ele olha para mim de um jeito diferente. Não é alegria. Não é tranquilidade. Acho que é inveja. Ele gostaria de ser como eu sou mas não tem coragem...
Está morrendo de vontade de se esparramar também no chão frio, como eu. Mas não o faz. Fico a pensar: o que o impede? Acho que é vergonha. Os homens têm vergonha uns dos outros. Sou feliz porque não tenho vergonha e faço o que quero. Talvez essa seja a razão por que os homens gostam de ter ‘pets’: porque nos ‘pets’ eles projetam uma felicidade que eles mesmos não têm. Diga-me o ‘pet’ que você tem e eu saberei como é a sua alma. Os ‘pets’ têm uma função terapêutica. Bem, eu sou uma cadela, e tudo o que disse foi de brincadeirinha. Porque eu mesma, na realidade, me contento em ser feliz. Não gasto tempo pensando essas coisas...”
As experiências que esperam um pastor ou um padre são as mais
inesperadas. Eu, por exemplo, tive de realizar o sepultamento de uma
perna. Meu amigo Carlos Alberto, sobre quem já falei, pastor de uma
igreja no Rio de Janeiro, teve de tranquilizar uma velhinha cujo único
amigo era o seu cãozinho. Uma perturbação devastadora lhe veio ao ler um
texto do Apocalipse onde se diz que os cães não entrarão no céu. Ela
percebeu logo que um céu sem o seu cãozinho seria o inferno. Ele a
tranquilizou mostrando que também os cães são criaturas de Deus e que
tudo o que Deus criou é bom e está destinado à eternidade. Pois esse
mesmo pastor, realizando um ato solene numa favela, qual seja o
sepultamento de uma senhora, ele ao lado do caixão, no meio de sua
prédica olhou para a morta e viu que o seu rosto estava coberto de
piolhos. Os piolhos, sentindo a chegada da morte, tratavam de abandonar o
navio...
Para meditação, esse curto poema: “Quando no quarto branco do hospital acordei certa manhã e ouvi o melro, compreendi bem. Há algum tempo já não tinha medo da morte. Pois nada me poderá faltar se eu mesmo faltar. Então consegui me alegrar com todos os cantos dos melros depois de mim”.
Para meditação, esse curto poema: “Quando no quarto branco do hospital acordei certa manhã e ouvi o melro, compreendi bem. Há algum tempo já não tinha medo da morte. Pois nada me poderá faltar se eu mesmo faltar. Então consegui me alegrar com todos os cantos dos melros depois de mim”.
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* Educador. Escritor.
Fonte: http://correio.rac.com.br/correio-popular/opiniao/1129/0.html
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