sábado, 19 de maio de 2018

Nossos trágicos limites

 Lya Lyft*
 Resultado de imagem para família em pintura moderna
Com alguma frequência, pedem-me que fale ou escreva sobre famílias em transformação. Muita dor, angústia, medo e confusão nascem com essa ideia e essa realidade, pois até mudanças boas trazem inseguranças. Nem todas são as da borboleta emergindo, bela e livre, do casulo de alguma opressão: algumas são explosões de vulcão e borrifos de lava derretida que nos destroem ou marcam para sempre.

Está na moda falar em "transformação, mudança", com tom de orgulho - como se mudar fosse sempre positivo. No olho do furacão, não há muito tempo para raciocinar, e qualquer coisa, qualquer conceito, ainda que fake (estamos falando em modismos), nos dá algum conforto. Aliás, vicejam receitas: os "ter de" e "faça assim", mostrando nossa servidão a vários senhores e modelos.

A "nova família" sendo uma realidade em tantos casos, o sensato é assimilar: família já não é necessariamente a de pai, mãe, filhos, avós, tios e todo o cortejo, mas pode incluir a namorada do pai, o namorado da mãe, meios-irmãos que vêm junto com os novos relacionamentos - sem falar em famílias com duas mães e dois pais. "Tudo o que é humano me diz respeito", dizia o dramaturgo romano Terêncio, e tinha razão. Sobretudo quando se trata de sentimentos.

Vivemos tempos difíceis e vertiginosos, crianças e jovenzinhos, os mais vulneráveis, debatendo-se numa sociedade agitada, superinovadora, cheia de seduções, às vezes violenta, e preconceituosa. (Vejamos o detestável "politicamente correto", que quer excluir todos os que pensam diferente. Onde a independência, a liberdade de pensar e ser?)

Recentemente, assisti a um documentário sobre um tema tabu e terrível: suicídio de adolescentes, realidade amarga para emergências e hospitais, profundamente trágica para as famílias. Por que se matariam os jovenzinhos? Nem sempre, ou até raramente, por uma tragédia pessoal. Muitas vezes, algo mais amplo, mais vago e não menos pungente: solidão, falta de limites sentida como desinteresse, sem regras que signifiquem aconchego e abrigo, não importa se com pai e mãe, dois pais, duas mães, ou alguém solteiro. A diferença não está no gênero, mas na qualidade e quantidade de afeto, de colo, de escuta, de exemplo e serenidade, de firmeza.

Não é simples orientar os filhos: são incontáveis as possibilidades de vida e até profissão que se abrem para eles. Mas, atenção: a velha frase "quem ama cuida" é eterna. Não oprimir, não criticar demais, nem se neurotizar, mas estar presente, ser interessado, num ambiente de alegria e amor, respeito e ordem. Para crianças e adolescentes, o mundo ainda é informe: nós, adultos, temos de lhes dar algum sentido, vivendo, estimulando, com carinho apesar das naturais discordâncias ou brigas.

Voltando ao terrível assunto: raramente há culpados diretos quando um adolescente se mata. A dura verdade é que, se temos filhos, somos responsáveis; o trágico é que existem limites. Somos todos uns pobres seres humanos querendo fazer o melhor. Nem sempre podemos. Nem tudo dos nossos filhos podemos prever, conhecer ou entender. Como escreveu meu poeta preferido, Rilke, "a alma do outro é uma floresta escura": isso inclui todos aqueles que amamos.
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* Escritora. Tradutora. 
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=92664de43e5721bc5c0cfd1c31f08f30 
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