domingo, 27 de maio de 2018

Quando a terra parou

Lya Luft* 
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"...acho que nossas autoridades (ministros, por exemplo), além de despreparadas, confusas, ainda são arrogantes. Negociar não é impor, ironizar, decidir, mas ouvir argumentos, imaginar dificuldades e, sobretudo, ser precavido, previdente."
 
Não sei a dos outros, mas a minha terra, isto é, o meu planeta, isto é, o meu Brasil, começou a parar há tempos, parou há uns dias, e agora tenho conhecidos empurrando o carro na rua, aqui ou no Rio ou em outro lugar, porque não acreditaram no pré-caos, não encheram os tanques, e agora não encontram gasolina para levar o carro até em casa.

Também acho que vamos parar de comer, beber, viver, porque até o meu mercadinho tradicionalíssimo, que uso há décadas, em poucas horas ficou desabastecido: pessoas enlouquecidas - ou muito lúcidas - carregaram o que podiam em carne e outros mantimentos. Além disso, a segurança que andava cambaleante agora estourou. Pessoas quebram vidros de carros, de pedágios, quebram a cara umas das outras: nem todas, nem sempre, mas estamos muito sensíveis, irritados, saco cheio arrastando no chão. Estamos todos esfolados, como pessoas que não tivessem pele adequada, e qualquer brisazinha queima feito fogo selvagem.

Estamos decepcionados? Não sei, eu não estou, porque na minha vida já vi coisa demais, e não esperava grande coisa, sempre digo que nada me espanta - mas acho que nossas autoridades (ministros, por exemplo), além de despreparadas, confusas, ainda são arrogantes. Negociar não é impor, ironizar, decidir, mas ouvir argumentos, imaginar dificuldades e, sobretudo, ser precavido, previdente. Um mínimo de bom senso e sabedoria: quem não estava vendo que acabaríamos travados, parados, encurralados na própria incompetência, se há meses aconteciam avisos, pedidos, recados e mais?

Pouco entendo de economia, sou apenas uma ficcionista, colunista, e às vezes poeta. Mas é evidente que um "acordo" com os sofridos caminhoneiros e donos de transportadoras, e motoqueiros e motoristas civis - e brasileiros em geral -, teria de ser claro, imediato, simples, viável, e honesto. Nada de promessas e planos, ou projetos, comissões e mais debates. Promessas temos desde sempre, e os mais antenados pouco acreditam nelas. Do tipo "se você fizer isso, te deixo ir na matinê com as amiguinhas no domingo" (na minha infância, quando não havia shoppings), e na hora de ir, cadê a permissão, quem se lembrava da promessa além de mim?

Agora, aqui na terra brasileira, e desta vez não se tratava com crianças, ou ignorantes, ou cínicos, ou aproveitadores. Éramos nós, o povo brasileiro, ali representado, porque no fim das contas as contas vão pular no nosso bolso, e nos passar belas rasteiras.

Mas acabei tendo de rir ao fechar esta coluna hoje breve (ainda não estou parando, mas...), ao ouvir uma mulher simples mas inteligente que, vendo multidões carregarem toneladas de papel higiênico, comentou com seu maravilhoso bom senso: "Pra que esse alvoroço? Se faltar comida, não vão mais nem precisar disso". Genial: pois estaremos dispensados de fazer dieta, de suar na academia, de correr ao banheiro.

Desculpem o final pouco poético desta vez, mas estou me sentindo bem pouco poética, e, sim, irritada, perplexa, e ridícula porque, afinal, sim, diante de muitas coisas, ainda me espanto.
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* Escritora. Cronista. Tradutora.
fonte:  http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=9fd10588a886cac5909755e5c69535cb
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