sábado, 28 de julho de 2018

Isenção, neutralidade, imparcialidade

Juremir Machado da Silva*
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Teoria da isenção

Como certos filósofos que passam a vida tentam resolver questões inconclusas desde Platão, eu, por excesso de ócio, decidi superar alguns impasses e polêmicas da mídia. Quero que na minha lápide escrevam: “Resolveu o problema da imparcialidade em jornalismo”. Claro que deixo esse elogio para o túmulo por ser modesto e discreto. Não quero louros em vida. Que venham as rosas da posteridade. Obrigado.

Durante muito tempo se sustentou que a obrigação do jornalista era ser isento, imparcial, objetivo e neutro. Ninguém duvidava da possibilidade cognitiva de se realizar tão nobres ideais. Depois, tudo se inverteu. Tudo isso passou a ser considerado um mito. Há quem diga que filme de ficção e documentário são iguais: recortes, seleções, edições, enquadramentos, angulações, escolhas. Contradições pululam. A esquerda é a primeira a declarar que a imparcialidade é impossível. Mas volta e meia cobra imparcialidade da Veja e da Rede Globo. Teóricos quebram a cabeça para mostrar as diferenças entre esses conceitos. O leigo simplifica com razão: usa-os como sinônimos. Ser neutro, imparcial, isento e objetivo significa não ser tendencioso.

O tendencioso distorce os fatos consciente ou inconscientemente por fazer parte de uma tendência. Por ter lado. Eu acredito em imparcialidade, isenção, objetividade e neutralidade. Defino objetividade negativamente: faculdade de neutralizar a subjetividade. Imparcial é quem não é parte. Como, em tese, um juiz. Não é parte, não tem lado prévio, mas toma parte, ou seja, posiciona-se a cada vez conforme os dados disponíveis, evidências, indícios, provas e situações concretas. Avalia, julga, sentencia, escolhe. Se há um estupro provado, condena-se o estuprador. Se há uma injustiça evidente, denuncia-se quem a comete. Neutralidade é ponto de partida. A isenção é a disponibilidade para a prática da independência.

Ser imparcial não é impossível intelectualmente falando. Mas, além de difícil e de pouco praticado por quem deveria, é sempre pertinente? A quem interessa isso? Diante de uma injustiça deve-se tomar parte ou permanecer alheio? A esquerda considera imparcial quem diz o que ela pensa. A direita tem por imparcial quem ataca a esquerda. Pode-se ter lado e não ser tendencioso conscientemente. Basta que se pratique a honestidade intelectual. Um jornalista de opinião obviamente não pode ser parte, mas deve se posicionar. A partir de quê? Do seu livre entendimento, da sua consciência. Se é pênalti contra o seu clube do coração, deve dizer sem hesitar.

Independência implica ser capaz de frustrar todos os lados. No meio da polêmica dominical sobre a soltura de Lula, disparei uma fórmula que transbordava independência e provocação: “A direita prende sem provas. A esquerda solta sem competência”. Não sou parte. Posso desagradar a todos. Sempre consigo. Sou chamado de isento por quem concorda com minhas posições. Sou rotulado de parcial por quem discorda de mim. Os mesmos que afirmam a impossibilidade lógica da imparcialidade chamam de isentão quem não se decide, ainda que momentaneamente, por uma parte. Jornalista não é parte. Faz parte.
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* Jornalista. Sociólogo. Escritor. Prof. Universitário PUCRS.
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/07/11040/isencao-neutralidade-imparcialidade/

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