domingo, 23 de setembro de 2018

A volta do diabinho

Lya Luft*

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Tenho no ombro, e às vezes se manifesta, um feio diabinho pousado. É meu lado descrente, talvez sarcástico, e triste. Quando me assaltam as notícias atuais, aqui e pelo mundo, ele enrola e desenrola seu rabo, e se inquieta. 
 
Assuntos como meninos criminosos tratados como crianças e cotas - mas estas são para outro dia. Drogados ou lúcidos, os meninos começam a roubar e a matar, às vezes com requintes de crueldade, aos 12 anos, pouco mais, pouco menos: se apanhados, nem todos poderão ser reintegrados à sociedade, frase aliás metafórica e vaga. Voltarão para novos crimes. 

Um menino de 15 anos confessou na maior frieza o assassinato de 17 pessoas. "Matei, sim." Talvez tenha acrescentado num dar de ombros: "E daí?". Quinze dos crimes foram comprovados. Por ser menor de idade, como tantos assassinos iguais a ele, foi para uma dessas instituições de ressocialização nas quais não acredito. Logo estará livre para reiniciar sua vida de psicopata. E, se perguntarem a razão, talvez diga como outro criminoso, quase uma criança, que assaltou um amigo meu e repetia: "Vou te matar". Meu amigo perguntou por que, e o menino respondeu com simplicidade: "Nada. Hoje saí a fim de matar alguém". 

Como nós, sociedade moderna, produzimos esse e outros dramas morais? Acusa-se pela criminalidade juvenil a família, que às vezes é apenas outra vítima, ou "a sociedade", conceito vago que isenta de uma ação enérgica, enquanto se multiplicam os dramas, aumentam as tragédias. 

Esperamos soluções ou progressos de parte dos políticos? Dos líderes, das autoridades? De momento, isso me parece mais uma imensa falácia, pois mesmo os bem-intencionados terão pouco poder numa sociedade adoecida. 

Sou mais crédula do que cética, o que nem sempre é bom. (O diabinho fica à espreita.) Quando menina, me disseram que, se a gente cavasse fundo no jardim, esse poço daria no Japão, onde as pessoas andavam de cabeça para baixo (para eles, de pernas para o ar estaríamos nós). Mas, adulta, descobri que a vida tem outros poços, nem todos divertidos. Um deles parece não ter fim: o dos escândalos nossos de cada dia, o da nossa desolação e dos nossos enganos. O poço tem água no fundo: o diabinho no meu ombro espia seu reflexo nela, para ver se não haverá alguma luz que o afugente. Mesmo que seja uma lamparina, será uma luz, e apesar de tudo acredito nela. Resta descobrir quanto tempo se leva para chegar nesse fundo e se, em lá chegando, boa parte das nossas aflições à espera de justiça será resolvida e haverá justiça. 

Enquanto escrevo isso, o diabinho rosna uma das melhores frases sobre o assunto: "A lei nem sempre garante a justiça".
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* Escritora.
Fonte:  http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=8210d5432e746010c3ef28f8d3178435
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