segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Ser feliz é tudo o que se quer

Juremir Machado da Silva* 
 Resultado de imagem para felicidade
Sócrates, ser feliz é ser honesto
Para o filósofo e escritor francês Albert Camus (1913-1960) a única questão importante, filosoficamente séria, era o suicídio. A filosofia, porém, como se sabe, começou bem antes e com outras preocupações. Não é inapropriado dizer que para os gregos clássicos fundamental era o bem viver. Hoje, a questão essencial é a felicidade. Como diz a música dos gaúchos Kleiton e Kledir Ramil, “ser feliz é tudo o que se quer”. Mas o que é a felicidade? Outra maneira de falar do bem viver pensado pelos gregos?

Os gregos embrenharam-se na aventura do pensamento desde tempos remotos.

Tales de Mileto (624-548 a.C.) achava que a água era o princípio de tudo e que as coisas estavam cheias de deuses. Anaximandro de Mileto (611-547 a.C.) discordava de Tales. Para ele, havia antagonismo entre a frieza do ar, a quentura do fogo e a umidade da água. Só um elemento neutro poderia ser o princípio geral de tudo. A sua conclusão dificilmente pode ser contestada: o ilimitado é eterno. O efeito prático dessa afirmação é menos evidente. Anaxímenes de Mileto (588-524 a.C.) sustentava que do ar vinham todas as coisas. Esses pensadores interessados nas forças da natureza, cuja lista de nomes passa por Parmênides, Heráclito, Demócrito e muitos outros, foram rotulados pelos estudiosos de pré-socráticos.

Parmênides (530-460 a.C) e Heráclito (540-476 a.C.) certamente ajudam a pensar o problema atual da felicidade. Para o primeiro, nada muda e devemos desconfiar de nossos sentidos. Para o último, tudo flui e só podemos contar com a nossa percepção. Terá sido Heráclito o inspirador do polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), teórico da modernidade e do amor líquidos? Como ser feliz quando de nada temos certeza? Como viver bem quando tudo se altera incessantemente? Como gozar a vida quando nada muda? Há quem pense que o melhor é viver sem pensar. Sócrates (469-399 a.C.) jamais concordaria com essa ideia. Pensar era o que lhe dava prazer. Pensar e fazer os outros pensarem. O que ele pensava sobre a felicidade?

O leitor poderá dizer que pensar dói. Sócrates talvez visse nessa dor uma espécie de terapia.

A cura pela reflexão. Pensar como forma de viver melhor. Esses gregos que não saem dos nossos pensamentos não se preocupavam em falar difícil ou em criar conceitos obscuros. A chamada maiêutica socrática nada mais era do que uma conversa cheia de pegadinhas. Ele perguntava sem parar empurrando o interlocutor para dentro de si de modo a fazer vazar as suas contradições. Nesse sentido, Sócrates pode ter sido o primeiro psicanalista, só que sem ficar em silêncio durante as sessões. Ele usava e abusava da ironia em seus diálogos. Era impiedoso. Feio e mal lavado, adepto de poucos banhos, desprezava a aparência. Qual pode ser o valor hoje, na sociedade da boa forma, de um pensador do conteúdo?

Valores – Os gregos demonstrariam grande interesse pelo bem, pelo belo e pelo verdadeiro. Ainda hoje queremos saber: o que é o bem? O que é o belo? O que é o verdadeiro? Sócrates nada escreveu. Foi seu discípulo Platão quem eternizou as lições do mestre em textos que se tornariam best-sellers. Terá Platão inventado um tanto, atribuindo ao outro as suas ideias, legitimando-as com essa autoria? Não importa. Sócrates sustentava que quem pratica o mal está fadado a ser infeliz. Mais uma vez, cada um se pergunta: o que é o mal? Numa época de relativismo, a linha de defesa de cada pessoa é clara: o que eu considero como mal, pode não ser mal para outro. Mesmo assim, temos definições inequívocas do mal: pedofilia, racismo, xenofobia, preconceito.

Uma das mais provocativas lições de Sócrates ensina que viver não basta: é preciso viver bem.

O que isso significa?

Quais os critérios?

Viver bem é ser justo e verdadeiro. Em “Górgias”, Sócrates afirma sem hesitação: “É como digo, Polo; considero feliz quem é honesto e bom, quer seja homem, quer seja mulher; o desonesto e mau é infeliz”. Sócrates não aceita que a felicidade possa ser identificada com os prazeres independentemente da natureza deles, bons ou maus. Não pode ser chamado de felicidade um prazer maligno. De certo modo, Sócrates sugeria que cada um tem consciência de estar praticando o mal quando o faz. Sem conhecer o inconsciente, que só seria inventado ou descoberto dois mil anos depois por Sigmund Freud, Sócrates não podia considerar as forças ocultas do prazer no mal.

A vida para Sócrates devia ser um processo permanente de autoconhecimento.

Viver bem e ser melhor implicavam determinação racional para compreender as situações existenciais. O erro teria de ser pedagógico:  “A pena merecida para quem recebe castigo, quando é punido com justiça, é tornar-se melhor e tirar algum proveito com o castigo, ou servir de exemplo para outros, a fim de que estes, vendo-os sofrer o que sofrem, se atemorizem e se tornem melhores”. Sócrates era um homem racional. A humanidade, nem sempre. Como incluir a emoção na busca pela felicidade?
----------------------
* Escritor. Sociólogo. Jornalista. Prof. Universitário.
 Postado em Publicado em Uncategorized
Fonte:  https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/09/11161/ser-feliz-e-tudo-o-que-se-quer/

Nenhum comentário:

Postar um comentário