sábado, 22 de setembro de 2018

Aristóteles, felicidade é ter êxito


Juremir Machado da Silva*
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A felicidade para os gregos tinha nome: eudaimonia. Não se pode filosofar sem alguma palavra em alemão e sem várias em grego. Faz parte de uma espécie de ritual de legitimação, que é a maneira pela qual normalmente alguém é aceito por outros já iniciados. A eudaimonia designa o sucesso ou a prosperidade. Talvez o termo mais adequado nos tempos atuais seja êxito. O que é ser feliz? Ter êxito. Alcançar o desejado. Cumprir a meta. Atingir o objetivo. Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, ocupou-se da eudaimonia. Ele foi o homem da ciência, da observação e da experiência. Inventou a biologia e destacou-se como poucos em múltiplas disciplinas. Mesmo assim, cometeu alguns equívocos: pensava que as mulheres possuíam menos dentes que os homens, os quais teriam oito costelas de cada lado; achava que um objeto mais pesado cairia mais rápido do que um mais leve; entendia que as crianças não podiam ser felizes por inexperiência.

Aristóteles interessou-se por quase tudo. Escreveu sobre ética, política, estética, biologia, astronomia e tudo mais. Sócrates era feio. Platão, bonito. Aristóteles, nem uma coisa nem outra. Platão criou a sua Academia. Aristóteles, o seu Liceu. Platão tentou influenciar reis da Sicília. Aristóteles foi preceptor de Alexandre, que se tornaria “o grande”. Se para Platão as ideias é que contavam, para Aristóteles o concreto era fascinante. Ele pensava em termos práticos. O que fazer para ser bem-sucedido, ter sucesso, alcançar a prosperidade? Para ter êxito?

A resposta de Aristóteles é de uma simplicidade assombrosa: preparar-se. De que maneira? Buscando o caráter propício, temperando a personalidade, domando os impulsos, aprendendo a não desejar muito nem pouco, treinando-se para o equilíbrio, tendo como norte o meio termo, o justo meio, a ponderação. Quem deseja demais, frustra-se ao não alcançar tudo que quer. Quem deseja de menos, não sai do lugar. Excessos são toleráveis e “naturais” na juventude. Depois, deve prevalecer a razão. A construção da felicidade é um trabalho permanente: “o bem dos homens é a alma trabalhar no caminho da excelência uma vida inteira”. A felicidade é aliada da amizade e da razão, não dos sentidos, volúveis e insaciáveis.

Como aplicar as ideias ponderadas de Aristóteles ao nosso tempo consumista no qual todo desejo deve ser satisfeito? O pensador peripatético (refletia e ensinava caminhando) entendia que a felicidade é uma questão interior, uma paz de espírito, uma harmonia que cada indivíduo pode alcançar por autoconhecimento e lapidação. Não se pode ser feliz realmente sem levar em consideração o outro, aqueles com quem convivemos. A felicidade tem valor em si. Não é meio. É fim. Buscar a felicidade no prazer e na glória são bons meios para se chegar à infelicidade. Ser feliz é estar bem consigo mesmo. Aristóteles gozava intelectualmente. A satisfação maior para ele estava uso da mente. O que é ser racional?

Do ponto de vista do êxito, ser racional é ser razoável. Aristóteles alertava para os perigos e ilusões de se procurar a felicidade, por exemplo, na política. Fica-se na dependência do povo, que é volúvel. Nada é mais importante do que a felicidade. Pensar a eudaimonia como êxito não pode significar que toda meta é legítima ou desejável. Ser razoável implica não se fixar objetivos insanos, incomensuráveis, inalcançáveis, impossíveis? O êxito depende das forças de quem o busca. Essas forças podem ser melhoradas, ampliadas, adaptadas. Não podem, contudo, tudo obter.

Na “Ética a Nicômaco”, Aristóteles precisa: “A felicidade tem, por conseguinte, as mesmas fronteiras que a contemplação, e os que estão na mais plena posse desta última são os mais genuinamente felizes, não como simples concomitante, mas em virtude da própria contemplação, pois que esta é preciosa em si mesma. E assim, a felicidade deve ser alguma forma de contemplação”. Não se assuste o leitor. O homem que precisa agir cotidianamente também pode ser feliz. Aristóteles sabe que cada um precisa trabalhar e comer. Ele rejeita é o excesso. Sustenta que a felicidade está no consumo comedido, “é suficiente que tenhamos o necessário para isso, pois a vida do homem que age de acordo com a virtude será feliz”.

Não cabe o espírito capitalista na filosofia de Aristóteles? Ou, ao contrário, apenas para refrear a ansiedade capitalista é fundamental uma boa pitada da racionalidade aristotélica? O mestre grego achava que a felicidade não podia ser confundida com lazer e recreação. Considerava “infantil” sofrer com o trabalho só para chegar ao prazer do divertimento. Já o contrário lhe parecia razoável: “Mas divertir-nos a fim de poder esforçar-nos, como se expressa Anacársis, parece certo; porque o divertimento é uma espécie de relaxação, e necessitamos de relaxação porque não podemos trabalhar constantemente”. Teria sido Aristóteles um moralista, no sentido hoje pejorativo da palavra, e um produtivista, que submetia o homo ludens (o homem que brinca) ao homo faber (o homem da produção)?

A felicidade é um mistério que nem os gregos decifraram.
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* Escritor. Jornalista. Prof. Universitário. Sociólogo.
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