sábado, 4 de maio de 2019

André Lara Resende e o outono da velha teoria macroeconômica

JUREMIR MACHADO DA SILVA*

Economista diz que quem emite moeda não tem restrição orçamentária
Por que não vemos nas folhas caídas o ocaso de uma forma de pensar?

Esta obsessão pelo tempo não é apenas uma folha caída, possivelmente de plátano, se for o caso, de carvalho. É algo mais. Muito mais. Mas o quê? De que se pode falar pensando no outono? Claro que os homens, sempre tão utilitaristas, não se extraviam da produção, salvo quando se deprimem, nem leem plaquetas sobre as estações. São as mulheres, desde sempre, que separam o outono do inverno e semeiam a primavera. O verão é uma loucura de bêbados com o suor a revelar humanidades e desejos lascivos. A literatura, no fundo, é toda ela feminina mesmo quando feita por homens, que a dominaram durante séculos por inveja do seio materno.

      Ao escritor, pós-tudo, só resta ser útil ou fazer rir, o que dá no mesmo. Não lhe cabe mais narrar a sua perplexidade diante das cores de outono. Nem lhe é perdoado contar folhas amareladas no chão. Há palavras que se tornaram proibidas e soam como obscenas: crepúsculo, aurora, alvorecer, outonal. O homem que passeia ao final da tarde e se comove com as barras avermelhadas no céu está condenado ao silêncio ou ao ridículo. O último reduto legítimo de uma paisagem de outono é um quadro impressionista. Algo como o “Efeito do Outono em Argenteuil”, de Claude Monet. Mas é preciso ir a Londres para se ter esse momento de liberdade.

      O outono tem esse jeito aveludado que atemoriza. Alguns julgam que é a estação mais próxima da morte, de uma morte, ao menos, “natural”. Falta ao outono a violência do inverno e do verão e a dissimulação da primavera. Outono é crônica num tempo em que a crônica perde espaço para o artigo. No Velho Mundo, de onde costumavam ver as novidades, o outono é um tapete de tons amarelados, avermelhados, pontilhados, tudo isso seguido por um estalar seco sob os pés. Entre nós, apenas uma palheta que se esgotou.

      O economista André Lara Resende é o filho do grande cronista Otto Lara Resende, um homem que ainda podia falar do outono. André escreveu isto recentemente: “Acreditar que o problema do gasto público está em garantir o seu financiamento é uma superstição que provoca dois tipos de equívocos igualmente perniciosos. Primeiro, acreditar que não se pode gastar sem contrapartida de receitas, mesmo quando os gastos são plenamente justificados. Segundo, acreditar que se o financiamento está garantido, o problema foi resolvido. Enquanto o primeiro equívoco mantém o governo de mãos atadas diante do desemprego, da capacidade ociosa, da deterioração da infraestrutura, da falta de saúde, de saneamento e de segurança pública, o segundo leva a crer que basta vincular receitas no orçamento para que o problema esteja solucionado. O Brasil de hoje é o retrato acabado e dramático da combinação desses dois equívocos”.

      Segundo ele, “o governo que emite sua moeda não tem restrição financeira”. O que André Lara Resende quer dizer? Que um governo pode emitir toda a moeda que precisar para custear os seus gastos? Se for assim, por que há crise de financiamento? O outono é uma sensação que se evade com o passar dos meses até se tornar uma saudosa melancolia. Então, quando isso acontece, passamos a nos ocupar do futuro e da economia.

Lara Resende, o filho do cronista, pensa longe demais. Enquanto isso, os membros do governo e seus defensores mostram que nunca viram uma universidade. Jamais se falou tanta asneira sobre educação e especialmente sobre o funcionamento do ensino superior. A ideia de que as universidades são dominadas por marxistas é tão precisa quanto a descrição do pensamento filosófico em Marte. Coisa paranoicos que destilam ódio, ressentimento e ignorância.
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* Sociólogo. Escritor.
Fonte:  https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/andr%C3%A9-lara-resende-e-o-outono-da-velha-teoria-macroecon%C3%B4mica-1.336816

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