sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Fabrício Carpinejar lança livro 'Depois é nunca'


O poeta Fabrício Carpinejar -  (crédito: Vicente Carpinejar/Divulgação) 

 O poeta Fabrício Carpinejar - (crédito: Vicente Carpinejar/Divulgação)

Na obra, Fabrício Carpinejar aborda os efeitos da pandemia na vida das pessoas, o luto, a saudade e destaca a importância da arte no processo de cura

José Carlos Vieira
postado em 22/10/2021
 

Em Depois é nunca, Fabrício Carpinejar é todo coração e empatia. Num livro leve e denso, recém-lançado pela editora Bertrand, o poeta reflete sobre as milhares de perdas de vidas no período da pandemia. “Não há como se alienar das lacunas afetivas”, destaca ele ao Correio. Carpinejar é, hoje, um dos maiores sucessos do mercado editorial brasileiro, com mais de 750 mil exemplares vendidos. Este novo trabalho segue o anterior, Colo, por favor! Reflexões em tempos de isolamento, que também aborda o impacto e os estragos do novo coronavírus na vida das pessoas. São feridas que estão ainda abertas, como ele destaca num trecho do livro: “Enterrar um filho é se virar sem a esperança daí por diante” ou “quem sofre precisa de área livre ao redor. Está soterrado de uma ausência”.

Você acaba de lançar Depois é nunca, um olhar poético e reflexivo sobre um momento de perdas e muita dor. Como a literatura ajuda nessa cura?

A literatura pode ressignificar a dor para que não seja uma dor em vão, uma dor vazia, uma dor sem propósito. No luto, entendemos que não temos como eliminar aquela dor da nossa vida, só podemos ajeitá-la dentro de nós para doer menos, para continuarmos com a nossa vida. O enlutado é alguém que sente que vai chover pelos ossos. Nunca mais vai olhar o céu do mesmo jeito.

Seu livro anterior, Colo, por favor! Reflexões em tempos de isolamento, aborda esse baque pandêmico nas pessoas, que se viram obrigadas a mudar radicalmente as relações sociais e afetivas. Voltaremos ao “velho normal”?

A normalidade morreu. Não há nem nova nem velha normalidade. Ainda estamos apegados ao passado, como se pudéssemos retomar a vida anterior automaticamente. Foram mais de 600 mil mortos (até agora). Cada vítima tinha família. Então, são milhões de enlutados, milhões de parentes com a raiva seca que ainda não conseguiram chorar de verdade. Não são minutos de silêncio, mas meses e anos de silêncio. Você pode até abstrair por um momento, mas não sempre. Não há como se alienar das lacunas afetivas. A empatia não é mais uma opção: é obrigatória.

Como buscou alento para passar esses dias tão difíceis?

Depois é nunca, né? Não adio mais nada. Aceito a intensidade imperfeita dos meus dias. É preferível dar 10 minutos de presença a quem você ama, a planejar um final de semana idealizado que nunca acontecerá.

A saúde mental em crise é um dos efeitos colaterais dessa pandemia. A cultura e a arte
são remédios?

São remédios naturais. A cultura é uma erva medicinal colhida do próprio coração, no alto da montanha. Lendo, o outro não se sente menosprezado, percebe que não está sofrendo sozinho, identifica que não é louco ou está alucinando, encontra palavras para organizar as suas emoções e encontrar gratidão no fundo da saudade. O único jeito de alfabetizar a dor é pela arte. Sabe qual o maior medo de quem perdeu um ente querido? Esquecer o rosto da pessoa. E não porque tem uma imagem vaga, mas porque tem tantas lembranças e de tantos ângulos diferentes que não consegue escolher um só. O amor existe para combater o esquecimento. E a arte é a memória dos nossos desejos, das fotografias que nunca foram tiradas.

Você acha que as pessoas terão mais empatia, serão mais solidárias depois da pandemia? Ou continuará o mesmo, com suas falhas na alma?

Gosto muito de uma metáfora de C. S. Lewis. Tudo depende do que você enfrenta. A confiança depende dos fatos. Você pode confiar em alguém, porque nunca houve intimidade. É uma relação rasa, sem teste, sem envolvimento. Na primeira adversidade, verá que nunca confiou. Confiança é como uma corda. Pode usar para arrastar uma caixa. Não se importará com o nó. Ou pode usar a corda para salvar uma pessoa do penhasco. Daí o nó tem que ser firme. Qual o nó que você tem com os seus afetos: de uma caixa ou do socorro?

No livro A peste, Albert Camus destaca que “nada é menos espetacular que um flagelo e, pela sua própria duração, as grandes desgraças são monótonas.” É isso que está acontecendo no mundo agora?

Pensei muito neste livro durante a pandemia. A peste revela o que temos em nosso interior: se somos solidários e resilientes ou egoístas e indiferentes. Nosso grande problema é a avareza do tempo, que nos leva a uma avareza financeira e emocional. Hoje, ninguém mais quer perder tempo com o outro. Prefere procrastinar sem destino pelas redes sociais a se fixar no endereço de um rosto presencial. Não se pretende ter o trabalho de pensar e de se emocionar. Os contatos são coletivos. Você encaminha a mesma mensagem para todos e não mais particulariza as conversas. Não faz mais segredos, não se importa em ouvir. Viramos spams dentro de casa.

A mentira não é uma versão da história; é só mentira. A proliferação impune das fake news e o excesso de informações irrelevantes confundem as pessoas. Como fazer esse filtro? Como se educar e se vacinar contra esse mal moderno? Como enfrentar o negacionismo?

Não querendo lacrar. Tendo paciência. Esperando a confirmação dos fatos. Há a necessidade de ser o primeiro a postar algo e ganhar likes, daí vem a perigosa precipitação.

Vivemos um momento de intolerância, em que o “cidadão” julga, condena e executa. Se acha acima da lei e aposta na impunidade. A pandemia acelerou esse sentimento covarde. Como reverter isso?

A covardia descende da impunidade digital. Você deve agir na internet como se o outro estivesse em sua frente. Com a mesma educação e respeito. O que se observa é o ataque anônimo, achar que pode dizer qualquer coisa porque nunca será responsabilizado. A palavra mata. O bullying mata. O cancelamento mata. Nem todo mundo tem estrutura emocional e psicológica para combater ofensas e reverter expectativas negativas.

O feminicídio é uma doença cada vez mais grave da sociedade; o patriarcado e o machismo, mesmo em xeque, tiram vidas e provocam tragédias. O que fazer? Como reagir? Como mudar essa cultura caduca?

Não fazendo mais piadas. Não mais achando engraçado o que é uma injustiça social. Não mais confundindo romantismo com possessividade, não mais considerando o ciúme como um tempero do relacionamento, não mais acreditando que casamento é sacrifício e renúncia, e que o bonito do amor é se anular pela companhia. Costumo dizer que uma das ciladas do comportamento machista é dizer que a mulher é forte e guerreira (então, pode suportar qualquer coisa) ou que ela é capaz de fazer tudo ao mesmo tempo (a simultaneidade é exploração).

Você participa hoje, em Sobradinho, do projeto Diálogos Contemporâneos, que reflete os momentos de pandemia e que propõe atitudes diante do Brasil que se apresenta. Como você avalia sua participação?

Diálogos Contemporâneos traz densidade, espessamento de ideias. Não é performance, não é espetáculo, são autores dispostos a falar francamente do que vêm sentindo e do seu processo de criação com o público. É um desnudamento das nossas dúvidas e um desafio dos condicionamentos.

Por mais que propaguem contra, o livro resiste e até ganhou protagonismo de vendas durante a pandemia. Você consegue transitar pelas plataformas digitais com elegância, haverá espaço para o livro no futuro?

Sou o mesmo no livro ou nas redes sociais. Não tenho avatar, esse dublê das aparências. Tampouco emprego filtros. O que eu faço bem na vida? Abraçar. Deveria existir uma profissão para mim: abraçadeiro. Eu abraço pelas palavras.

Fonte:https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2021/10/4957132-em-brasilia-poeta-e-escritor-fabricio-carpinejar-lanca-livro-depois-e-nunca.html?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=Revue%20newsletter

Nenhum comentário:

Postar um comentário