José Carlos Teixeira Giorgis*
Frederico II, rei da Prússia, conhecido pelo apreço às belas-artes e grande estrategista militar, decidiu construir um palácio de verão, à maneira de Versalhes, em Potsdam, perto de Berlim.
Ergueu ali o Castelo de Sanssouci – “sem preocupação” – hoje visita obrigatória para os turistas, mercê de suas belas linhas arquitetônicas, das coleções de pinturas, a biblioteca, as salas e quartos, a louçaria; e jardins do paraíso.
Certo dia, ao visitá-lo e mirar da janela, o rei viu que um moinho atrapalhava a amplitude da vista, colocado em curva que frustrava a paisagem.
Logo, como sempre acontece, adulões reais foram ao proprietário do moinho, instigando a vendê-lo para o soberano, mas voltaram decepcionados com a negativa.
Desagradado, o próprio kaiser resolveu descer à estrada e visitar o moleiro, colhendo também recusa, sob o argumento de que seu pai ali morrera e seus descendentes iriam continuar a tradição ancestral para sempre. O rei insistiu, dizendo que poderia indenizá-lo e, já irritado, simplesmente ameaçou tomar-lhe a propriedade, a que respondeu o dono da azenha:
– Engana-se Vossa Alteza. Vossa Alteza é que não está entendendo. “Ainda há juízes em Berlim.”
Impressionado com a ousadia e o desejo de litigar com o próprio rei na Justiça, Frederico II alterou seu projeto, ali deixando a moenda.
Há cerca de quatro anos, tive a ventura de visitar o moinho, que ainda se encontra encravado na elevação próxima ao castelo; e também ao maravilhoso palácio, onde Voltaire se hospedou por dois anos, escrevendo textos clássicos.
A história virou conto versificado por François Andriex, sob o título O Moleiro de Sanssouci (1759-1833), e simboliza a independência da Justiça que é cega às diferenças sociais, e zela na aplicação de lei que não distinga a situação pessoal da parte, mas o mérito da causa.
Há alguns anos, o Judiciário deixou de ser impermeável às suas entranhas, e a transparência de sua estrutura permite, aqui e ali, ataques sazonais midiáticos, ora pinçando decisões isoladas, ora mexericando com os vencimentos, ora uma conduta humana indevida, olvidando-se que o subjetivismo dos veredictos é oriundo de pessoas que expressam as idiossincrasias de suas ideologias, de sua religião, de sua formação acadêmica, de seus estudos: ou seja, como já disse alguém, de suas “circunstâncias”, pois o juiz deixou de ser o modelo napoleônico (“a boca da lei”), mas vislumbra no caso julgado a procura do justo e acima de tudo, a função social da lei.
Há que se confiar nas instituições. É necessário venerar as normas republicanas, mesmo que não nos atendam em certo episódio, ou nos derrotem em pleitos que se patrocine.
Ainda há juízes no Brasil...
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*Coordenador do Memorial do Judiciário do RS
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a3866027.xml&template=3898.dwt&edition=20279§ion=1012
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