Juremir Machado da Silva*
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Nelson Rodrigues, que, conforme a fórmula,
faria 100 anos hoje se vivo fosse, foi um baita reaça. Um conservador
brilhante e meio taradão. Nem Freud pensava tanto em sexo como ele. Na
cabeça de Nelson só tinha safadeza. Quer dizer, segundo ele, na nossa
cabeça. O mínimo que uma dona de casa, personagem do dramaturgo Nelson
Rodrigues, fazia era desenhar cacetinhos (não confundir com pães)
voadores na parede do banheiro. Nelson Rodrigues foi um grande cronista.
Tinha direito ao insulto. Um cronista só se torna grande quando
conquista o direito ao insulto. Até o insultado fica feliz. Nelson era
bom de frases e de rótulos do tipo "óbvio ululante".
O que tem de imitador de Nelson Rodrigues é uma enormidade. Aqui, em Porto Alegre, tem uma penca. Alguns não conseguem nem amarrar o sapato do falecido. Salvo em reacionarismo. Aí até o batem. Também não faltam gigolôs do Nelson Rodrigues, aqueles caras que até para subir no ônibus citam o mestre. A maior mala que pode existir é o chato que, por qualquer coisa, diz: "Como já falava Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra". Aí todo mundo concorda. Unanimemente. Eu gosto muito de Nelson Rodrigues. Gosto de ler as coletâneas das suas crônicas para me absolver das minhas repetições. Poucas vezes um cronista repetiu tanto os mesmos truques. E daí? Funcionava. Nelson Rodrigues e Gore Vidal eram opostos, um reacionário e um anticonservador. Tiveram, contudo, um ponto em comum: a admiração de malas como Arnaldo Jabor.
Pensando bem, a culpa é de Nelson Rodrigues. Se temos de suportar os arroubos rodrigueanos de Jabor, a culpa é do guru. Sábato Magaldi faz malabarismos para livrar a cara do ídolo: numa "crônica, publicada em O Globo de 18 de outubro de 1968, menos de dois meses antes do AI-5, ele chamou os estudantes que participavam das manifestações contra a ditadura militar de ''jovens canalhas''. Ao fazê-lo, ele estava pondo o dedo na ferida da direita bem-pensante, chamando-a de hipócrita. Mas, talvez, inconscientemente, ele estivesse apenas revelando a sua irritação com o isolamento crescente da ditadura militar, por ele apoiada. Porque havia uma direita que dava as caras e apoiava abertamente o regime autoritário, inclusive invadindo apresentações teatrais e espancando atores. Mas com essa direita ele não queria se identificar. Chegou a protestar contra ela". Magaldi destaca que um dos "jovens canalhas" era Nelsinho, filho de Nelson Rodrigues, que pararia atrás das grades. Uau!
Artistas são assim mesmo. Não são confiáveis, nem servem para bons genros, salvo quando as filhas gostam de algo mais caliente. Borges era muito conservador. Tinha simpatias por um velho canalha, Augusto Pinochet. Celine era um nazistão de quatro costados. Não é preciso se dar ao trabalho de fazer piruetas para justificar. Escrevem bem, defendem mal. Nelson Rodrigues marcou época. Hoje, como Pelé, teria mais dificuldades para jogar, pois a marcação é mais forte. Nem todo insulto é permitido. Ser humorista em tempos de politicamente correto exige um novo posicionamento, uma nova arte do drible e do gozo.
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O que tem de imitador de Nelson Rodrigues é uma enormidade. Aqui, em Porto Alegre, tem uma penca. Alguns não conseguem nem amarrar o sapato do falecido. Salvo em reacionarismo. Aí até o batem. Também não faltam gigolôs do Nelson Rodrigues, aqueles caras que até para subir no ônibus citam o mestre. A maior mala que pode existir é o chato que, por qualquer coisa, diz: "Como já falava Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra". Aí todo mundo concorda. Unanimemente. Eu gosto muito de Nelson Rodrigues. Gosto de ler as coletâneas das suas crônicas para me absolver das minhas repetições. Poucas vezes um cronista repetiu tanto os mesmos truques. E daí? Funcionava. Nelson Rodrigues e Gore Vidal eram opostos, um reacionário e um anticonservador. Tiveram, contudo, um ponto em comum: a admiração de malas como Arnaldo Jabor.
Pensando bem, a culpa é de Nelson Rodrigues. Se temos de suportar os arroubos rodrigueanos de Jabor, a culpa é do guru. Sábato Magaldi faz malabarismos para livrar a cara do ídolo: numa "crônica, publicada em O Globo de 18 de outubro de 1968, menos de dois meses antes do AI-5, ele chamou os estudantes que participavam das manifestações contra a ditadura militar de ''jovens canalhas''. Ao fazê-lo, ele estava pondo o dedo na ferida da direita bem-pensante, chamando-a de hipócrita. Mas, talvez, inconscientemente, ele estivesse apenas revelando a sua irritação com o isolamento crescente da ditadura militar, por ele apoiada. Porque havia uma direita que dava as caras e apoiava abertamente o regime autoritário, inclusive invadindo apresentações teatrais e espancando atores. Mas com essa direita ele não queria se identificar. Chegou a protestar contra ela". Magaldi destaca que um dos "jovens canalhas" era Nelsinho, filho de Nelson Rodrigues, que pararia atrás das grades. Uau!
Artistas são assim mesmo. Não são confiáveis, nem servem para bons genros, salvo quando as filhas gostam de algo mais caliente. Borges era muito conservador. Tinha simpatias por um velho canalha, Augusto Pinochet. Celine era um nazistão de quatro costados. Não é preciso se dar ao trabalho de fazer piruetas para justificar. Escrevem bem, defendem mal. Nelson Rodrigues marcou época. Hoje, como Pelé, teria mais dificuldades para jogar, pois a marcação é mais forte. Nem todo insulto é permitido. Ser humorista em tempos de politicamente correto exige um novo posicionamento, uma nova arte do drible e do gozo.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Tradutor. Colunista do Correio do Povo
juremir@correiodopovo.com.br
Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER
Fonte: Correio do Povo on line, 23/08/2012
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