quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Netscapismo: vivemos uma era de desconexão?

 “Relationship Status” | obra do fotografo Nicolas Ritter que reinterpreta o Facebook. 

Geração Superficial, muito prazer. Segundo o pesquisador Nicholas Carr e seu livro “O que a Internet Está Fazendo com os Nossos Cérebros: Geração Superficial”, estamos nos tornando incapazes de adquirir concentração e profundidade. Na minha opinião, trata-se de um reducionismo de como o fetiche por telas e abas simultâneas afeta nossa forma de pensar e, indo mais longe, nossa relação com nós mesmos. O Caio Braz levantou esse raciocínio ao afirmar que a Internet é o novo crack e que, ao nos conectarmos com o mundo, nos desconectamos de nós mesmos.
A psicóloga norte-americana Sherry Turkle tem uma visão muito interessante sobre o assunto. Para a autora de “Alone Together”, nossa relação com a tecnologia precisa ser revista, porque esta realidade intermediada por telas nos acostuma à escolher e controlar excessivamente nossa atenção. Nada grave quando você está naquela fila e começa a jogar angry birds – situação na qual você escolhe não “viver” a fila, mas sim o angry birds. Mas talvez seja um pouco mais sério se pensarmos em pessoas que escolhem “viver” o Facebook em um velório e escolhem não lidar – pelo menos não integralmente – com o início do processo de luto.
Escolhemos com quem e quando queremos interagir, substituindo algumas conversas por conexões. Nesse cenário, parece que estamos constantemente falando sem necessariamente saber se alguém está realmente ouvindo. É como se estivéssemos criando a capacidade de nos esconder dos outros ao mesmo tempo que estamos 100% conectados. Como consequência, estamos perdendo nossa capacidade de reflexão.

A Psicanálise nos permite aprofundar a discussão. Segundo Lacan, a lógica psicológica na qual operam os indivíduos segue 3 esferas: o Real, o Simbólico e o Imaginário [RSI]. “Normalmente”, o humano confere significação àquilo que é Real [e cru] através do Imaginário – ou seja, reveste o que não compreende inteiramente com diversas significações. No entanto, esse processo só opera por causa do Simbólico, campo da linguagem, do discurso, e dos significantes que está ligado ao inconsciente. Ou seja, é o processo através do qual cada um atribui sua visão e, consequentemente, realiza questionamentos básicos [na linha “quem sou eu e o que eu quero”].
No entanto, alguns pensadores atuais afirmam que vivemos uma crise dessa “elaboração subjetiva”. É o caso, por exemplo, do Slavoj Žižek e seu memorável título “Bem-vindo ao deserto do Real”. O filósofo esloveno combina interpretações, digamos, ousadas da obra do Lacan com teoria social e análise cinematográfica para construir uma crítica à ausência do processo simbólico no contemporâneo, como se “pulássemos” do real para o imaginário automaticamente, sem elaboração ou reflexão. Ainda que essa seja uma interpretação resumida [e quase grosseira] do pensamento do Žižek, acredito que faça sentido se pensarmos que o filósofo emprestou essa frase célebre do primeiro Matrix, obra que também coloca em pauta a relação homem X tecnologia [ou máquina].
Refletindo um pouco mais, me pergunto sobre as consequências disso [se já não afeta significativamente] para a nossa habilidade de tomar decisões ou mesmo criar empatia com o outro. Quais os desdobramentos desse processo para a formação de expectativas ou mesmo a capacidade de cometer e aceitar os nossos próprios erros. Acima de tudo, conforme provoca a Sherry Turkle, as implicações mais sérias dizem respeito à capacidade de ficarmos a sós com nós mesmos, nos tornarmos mais íntimos de nossas próprias emoções ou adquirirmos consciência do que somos e do que buscamos. Recomendo assistir o TED Talk dela, “Connected, but alone?”.
Claro que esse raciocínio pode parecer exagero, ainda mais para nós brasileiros, que tanto valorizamos o contato e o calor humano. Ainda assim, ao longo de diversos trabalhos sobre tecnologia tenho visto esse quadro em diversos perfis comportamentais, etários e econômicos em centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro. Preenchemos todos os cômodos da casa com TVs e notebooks, estamos substituindo pausas e lacunas por telas e, em muitos casos, novas abas têm tomado o lugar dos pensamentos.


 
Nicolas Ritter Reached a new high score in Mafia Wars”

Sendo assim, gostaria de deixar algumas provocações: estamos incentivando as pessoas a assistir, conectar e compartilhar em prol do que? Como é possível incentivar mais o debate e a reflexão entre as pessoas? A visão clássica do publicitário mad men é o cara que não estimula ninguém a pensar, afinal a massa deve permanecer ignorante para comprar aquilo que não precisa. Será? Não quero promover raciocínios rasos ou extremistas, mas colocar esse assunto em pauta e, principalmente, criar espaços para o debate. Talvez os comentários sejam uma ótima oportunidade para iniciar esse processo ou, quem sabe, uma conversa de verdade, não?!
PS1: As reflexões e referências à Psicanálise são crédito da Maria Lúcia Homem, psicanalista, professora na FAAP, pesquisadora na USP e líder do coletivo Pancinema sobre cinema e Psicanálise. Para saber mais, http://pancinema.com.br/
---------------
 Reportagem Por André Oliveira Brand Connections na Limo Inc.
@andrelucas1303
Fonte:  http://unplanned.com.br/coluna/mistura/netscapismo-vivemos-uma-era-de-desconexao/

Nenhum comentário:

Postar um comentário