Juremir Machado da Silva*
Imaginário é uma palavra linda, sonora,
poética, misteriosa. Tomou o lugar, no mundo dos conceitos, de outras:
subjetividade, representação e até ideologia. Mas é outra coisa.
Imaginário é uma atmosfera, uma camada de sentido que recobre algo, um
complemento de alma, um "plus", um algo a mais que transfigura um
acontecimento. O mítico Andy Warhol, em "América" (L&PM), fala em
ruas com atmosfera. Com uma maravilhosa intuição sociológica, diz que
essa atmosfera não é real, mas trabalhada pelo cinema, pela música e
pelo tempo. Imaginário é o que se transforma ao entrar na memória, ao
ganhar atmosfera pela lembrança. Daí a minha frase: todo imaginário é
real, todo real é imaginário. A gente vai ver certa rua ou lugar - o
edifício de John Lennon - e sente alguma atmosfera. Para quem não
conhece a história - isso, sabemos, existe - é apenas um lugar de Nova
Iorque. Uau!
Jacques Lacan disse que o sexo acontece no imaginário. Sem uma camada de atmosfera, é quase uma fricção de corpos, um ato animal. A publicidade e o marketing são tecnologias do imaginário. Trabalham para dar atmosfera ao banal. Quase tudo o que vivemos na infância, tempo de grandes enigmas, tende a entrar em nosso imaginário, esse reservatório de imagens, de emoções, de afetos e de transfigurações. O goleiro Félix, que morreu na última sexta-feira, vive em nosso imaginário. O astronauta Neil Armstrong também. Ouvi muitos homens dizerem que Félix não era um grande goleiro. Mas ele era o goleiro da seleção de 70. Como poderia não ser grande? A seleção de 70 era aquela música, "noventa milhões em ação", um tempo, uma atmosfera, dramas secretos nos porões da ditadura, conflitos, confrontos, revoluções comportamentais em andamento no mundo, hippies, guerrilheiros, utopias.
Neil Armstrong é o próprio imaginário. O primeiro homem a pisar na Lua. Edu, meu amigo de infância, não acreditava nessa viagem à Lua. Numa viagem em carroça de cavalo, lá por 1976, ele não escondia o seu ceticismo:
- Conheço muita gente com a cabeça na Lua. Com os pés, ah, isso, pelo amor de Deus, isso não. Pura lorota.
Neil e Félix pertencem a um tempo que começou a morrer antes deles. A utopia do futebol espetáculo e das viagens à Lua foi sendo substituída pelo pragmatismo, pelos pés no chão, pela lógica do resultado e pelo aqui e agora sem transcendência. O imaginário é sempre nostálgico. As mortes de Félix e Neil não sensibilizaram os mais jovens, os que sentirão, dentro de algumas décadas, se nenhum imprevisto ocorrer, as mortes de Messi, Neymar e de Justin Bibier. Ah, não é igual, deve estar exclamando algum leitor! É da natureza do imaginário essa negação da atmosfera do outro. O imaginário é uma aura, uma iluminação, uma viagem à Lua.
Às vezes, infelizmente, acontece uma perda da aura. A imagem de Macaulay Culkin adulto passando mal na rua mostrou um homem já sem a atmosfera do menino ator. O imaginário é caminho para mito. Quem, tendo feito muito, morre cedo, tende a ter mais aura. Mas Neil Armstrong e Félix fazem parte de um time especial. Representam, para gente como eu, um excesso de atmosfera. Imaginário puro.
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Jacques Lacan disse que o sexo acontece no imaginário. Sem uma camada de atmosfera, é quase uma fricção de corpos, um ato animal. A publicidade e o marketing são tecnologias do imaginário. Trabalham para dar atmosfera ao banal. Quase tudo o que vivemos na infância, tempo de grandes enigmas, tende a entrar em nosso imaginário, esse reservatório de imagens, de emoções, de afetos e de transfigurações. O goleiro Félix, que morreu na última sexta-feira, vive em nosso imaginário. O astronauta Neil Armstrong também. Ouvi muitos homens dizerem que Félix não era um grande goleiro. Mas ele era o goleiro da seleção de 70. Como poderia não ser grande? A seleção de 70 era aquela música, "noventa milhões em ação", um tempo, uma atmosfera, dramas secretos nos porões da ditadura, conflitos, confrontos, revoluções comportamentais em andamento no mundo, hippies, guerrilheiros, utopias.
Neil Armstrong é o próprio imaginário. O primeiro homem a pisar na Lua. Edu, meu amigo de infância, não acreditava nessa viagem à Lua. Numa viagem em carroça de cavalo, lá por 1976, ele não escondia o seu ceticismo:
- Conheço muita gente com a cabeça na Lua. Com os pés, ah, isso, pelo amor de Deus, isso não. Pura lorota.
Neil e Félix pertencem a um tempo que começou a morrer antes deles. A utopia do futebol espetáculo e das viagens à Lua foi sendo substituída pelo pragmatismo, pelos pés no chão, pela lógica do resultado e pelo aqui e agora sem transcendência. O imaginário é sempre nostálgico. As mortes de Félix e Neil não sensibilizaram os mais jovens, os que sentirão, dentro de algumas décadas, se nenhum imprevisto ocorrer, as mortes de Messi, Neymar e de Justin Bibier. Ah, não é igual, deve estar exclamando algum leitor! É da natureza do imaginário essa negação da atmosfera do outro. O imaginário é uma aura, uma iluminação, uma viagem à Lua.
Às vezes, infelizmente, acontece uma perda da aura. A imagem de Macaulay Culkin adulto passando mal na rua mostrou um homem já sem a atmosfera do menino ator. O imaginário é caminho para mito. Quem, tendo feito muito, morre cedo, tende a ter mais aura. Mas Neil Armstrong e Félix fazem parte de um time especial. Representam, para gente como eu, um excesso de atmosfera. Imaginário puro.
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* Sociólogo. Escritor. Tradutor. Cronista do Corrio do Povo
juremir@correiodopovo.com.br
Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER
juremir@correiodopovo.com.br
Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/Impresso/?Ano=117&Numero=336&Caderno=0&Noticia=459452
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