terça-feira, 28 de agosto de 2012

Paulo Freire Revisitado

Resenha por Prof. Dr. Moacir Gadotti*

Acompanhei meu filho Dimitri, astrônomo do European Space Observatory, numa apresentação para uma classe de crianças de 6 anos de idade, que queriam que ele falasse sobre galáxias. Perguntei a ele o que achou da experiência. Ele me disse: “pai, eu só quis mostrar a eles que ser astrônomo podia ser divertido”. Eu retruquei: “ser filósofo também pode ser divertido”.
Diverti-me e aprendi muito lendo o livro de Paulo Ghiraldelli Jr., As lições de Paulo Freire: filosofia, educação e política (Manole, 2012).
Ghirardelli tem um estilo literário que seduz e inspira o leitor, incitando-o à reflexão. É um bom intérprete de Freire.
Por que gostei do livro? Porque tenho lido muitos textos que vem sendo escritos sobre Freire, muitas teses cheias de citações e muitos desses escritos repetem a Freire. Aqui encontrei uma nova leitura de Freire, aberta, destemida, inteligente e… divertida! Não podemos deixar de concordar com Ghirardelli de que existem “maus usos” de Freire. Um deles é a repetição acrítica do seu pensamento; outro, é reduzir Paulo Freire a um “metodólogo”, ignorando que se trata de um filósofo da educação.
Ghirardelli lê Paulo Freire com imaginação, tocando em pontos estruturantes do seu pensamento, como o tema do “oprimido”. Ele entende o “oprimido” em Freire como o “desenraizado”, aquele que, no meio em que vive, é “comprimido”: “o peso do meio esmaga-o” (p. 3).
Dewey e Freire aparecem em diversos momentos no livro, com suas semelhanças e diferenças. Muito boa a diferenciação que faz entre a “experiência” em Dewey, e a “vivência” em Freire, no capítulo V, que tem um sugestivo título: “Um grego erótico: Paulo Freire”. Diz que Paulo Freire falava muito de amor mas “nós nunca conseguimos entender essa palavra” (p. 28). Para Ghirardelli a “pedagogia do amor” de Freire não se confunde com “colocar afetividade no ato pedagógico” (p. 29). Freire, como um bom hegeliano, entendia o amor como “eros”, como “construção cultural” (idem). Eu acrescentaria que a “pedagogia do amor” em Freire é, ao mesmo tempo, uma pedagogia da luta e da esperança.
Ghirardelli revisita o tema da “educação bancária” de Freire sob uma nova ótica, realçando o papel do professor como aquele que se comunica, que “transmite” mas não “transfere” conhecimento (p. 38), superando uma interpretação ingênua e espontaneísta de Freire: “quando eu, como professor, produzo um livro, organizo o conhecimento e o transmito ao deixar o livro pronto” (p. 39).
Trata-se de um livro composto de pequenos ensaios, um texto literário, com boas imagens e narrativas sedutoras, por vezes indignadas, como quando se insurge, de um lado, contra a crítica “feroz contra Paulo Freire” (p. 51) e, de outro, contra a estupidez de um “bando de dementes tentando criar gênios analfabetos inventivos” (p. 50). Mas esse é o Ghirardelli que conhecemos. Sempre contundente e provocativo.
Quando a gente se diverte lendo algum livro, acha muitas coisas bonitas e interessantes. Haveria outros temas que gostaria de comentar – inclusive a sua análise crítica ao tema do “preconceito linguístico”, da “interdisciplinaridade”, do “bullying” e da relação “teoria e prática” – mas vou deixar que o leitor descubra por si só.
Valeu Ghirardelli! Boa contribuição. Paulo Freire não deve ser idolatrado. Ele não queria isso de jeito nenhum. Respeitamos e admiramos um autor quando o lemos criticamente.
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* Presidente de Honra do Instituto Paulo Freire, Professor Titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP
Fonte:  http://ghiraldelli.pro.br/2012/08/27/paulo-freire-revisitado/

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