Marcus Eduardo de Oliveira*
Em
geral, acredita-se que os economistas sejam, por natureza, estreitos e
egoístas. Uma possível justificativa para essa crença largamente
difundida repousa no fato dos economistas defenderem, grosso modo, a
prática do individualismo como ação motivadora do progresso. Em outras
palavras, trata-se do famoso “salve-se quem puder”. Isso leva, em
sentido geral, a típica e habitual confusão de entender que
sucesso/progresso está estritamente relacionado com acumulação
individual de bens, num êxtase sem precedentes à prática materialista.
Assim, desde que Adam Smith (1723-1790) consagrou a ideia de que uma
“mão invisível” age para assegurar a consistência dos planos
individuais, reforça-se substancialmente o sentimento em favor de que
cada um deve, individualmente, avançar à sua maneira.
No entanto, foi também o próprio Smith, ao fazer uso das
contribuições da filosofia estoica, que apontou que “o homem deve
considerar-se não separado e desvinculado, mas um cidadão do mundo, um
membro da vasta comunidade da natureza”.
A partir desse pressuposto em prol da ação individual, regulada pela dita “mão invisível” (invisible hand)
como se cada agente econômico (consumidor, empresas, governo) agisse o
tempo todo de forma isolada e não-interrelacionada, é possível concluir o
seguinte: deve-se buscar a melhoria individual e, dane-se o resto!
Dessa forma, à medida que o individualismo é enaltecido e decantado
em verso e prosa pela economia tradicional inegavelmente cria-se
considerável contribuição no sentido de desviar a ciência econômica de
seus verdadeiros pressupostos, incluídos aí o principal deles:
estabelecer condições propícias para a busca de uma melhoria social
levando às pessoas, no coletivo, a desfrutarem do estado de bem-estar.
Dito isso, uma indagação se apresenta como pertinente: qual é o valor
fundamental que orienta a economia normativa – aquela economia cujo
princípio indica como devem se comportar os indivíduos?
Primeiramente, é fundamental não perder de vista a noção de que o
conceito central em economia não é o dinheiro, como muitos talvez
acreditam; mas, antes, o incentivo, e, no final, as expectativas. Os
pressupostos que fundamentam a teoria econômica dominante apontam para o
seguinte: as pessoas agem, em geral, de acordo aos seus incentivos,
esperando obter algo logo a mais à frente. Em geral, as pessoas
respondem de acordo com suas necessidades (esse é o referencial) e, a
partir da satisfação dessas necessidades, abre-se relevante espaço para a
obtenção da tão desejada felicidade (o ponto a ser atingido); ainda que
essa tal felicidade, filosoficamente, seja algo extremamente subjetivo.
A esse respeito, tomemos a contribuição da filosofia moral de John
Stuart Mill (1806-1873), quando acentua que “felicidade” se resume a
“prazer e ausência de dor”. Isso, dizia Stuart Mill, “são as únicas
coisas desejáveis como fins”.
Como também foi um bom economista social, Stuart Mill sabia que a
qualidade do prazer não é menos importante do que a sua quantidade. E,
em nenhum momento, a questão de se ter muito ou pouco dinheiro se
apresenta como condição sine qua non para a obtenção de prazer ou
ausência de dor. Ademais, não nos parece descabido afirmar que, para
Stuart Mill, não há uma correlação entre o nível de renda e a
felicidade. No entanto, para o tradicional pensamento econômico, há uma
corrente de seguidores que enxergam e refletem a questão do dinheiro (do
acesso e posse) como sendo o ponto central da economia. Para esses,
tudo deve girar em torno da obtenção de dinheiro. Daí a existência do
postulado que assegura que o bem-estar/felicidade aumenta em função do
rendimento pessoal. A variável “renda”, nesse caso, é vista como
significativa para a determinação da felicidade. Visto unicamente por
esse prisma, basta aumentar o salário (ou qualquer outra maneira de se
obter dinheiro) que a felicidade logo se aproxima. O dinheiro seria,
pensando dessa maneira, absoluto e potencialmente gerador de felicidade.
Nesse aspecto, os indivíduos tenderiam puramente a se comportar somente
em função de seus rendimentos.
Ora, restringir a ação individual apenas e tão somente em função de
seus rendimentos é tornar essas próprias ações numa estreiteza sem
precedentes. Se a obtenção de dinheiro fosse, de fato e de direito,
pré-condição inequívoca para a obtenção da plena felicidade, todos os
habitantes dos países cuja renda per capitaé elevadíssima certamente
teriam, na média, a efetiva sensação de viverem num “paraíso”, cuja
felicidade resplandeceria em cada canto. Isso seria, pois, o suprassumo
da ação da “mão invisível”, criando, a partir do alto rendimento de cada
um (pelo conceito per capita), uma espécie de “paraíso econômico”, sem a
ausência de dor e, também, sem a incidência de nenhum outro tipo de
crise econômica e/ou de desajustes macroeconômicos. Nessa linha de
análise, basta agir individualmente, tendo poder de compra elevado, pois
a felicidade, nesse caso, será puramente um “objeto” que pode ser
comprado estando ao alcance dos mais abonados.
O mundo econômico, por esse sentimento tipicamente monetário, seria
então mais que perfeito se fosse, reiteramos, a posse de dinheiro,
atributo fundamental e determinante de sucesso, de bem-estar e de
felicidade.
Como isso está longe de ser verdadeiro, sendo nada mais que um
sofisma, o propósito principal da economia parece não ser esse de
característica puramente mercantil. Afinal, pelo que consta ainda não
foi “elaborado” um custo monetário para se medir essa tal felicidade.
O essencial em termos de economia –longe da visão monetária– parece
ser a questão social e o propósito decorrente disso é levar à sociedade
ao desenvolvimento social. O verdadeiro propósito da economia, para
usarmos as palavras do professor Tyler Cowen, “é obter mais das boas
coisas da vida” e, a “sacada econômica” mais relevante, por incrível que
pareça, é que se pode sim obter as boas coisas da vida mesmo sem ter
dinheiro.
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* Marcus Eduardo de Oliveira é economista, especialista em
Política Internacional, articulista do site “O Economista”, do Portal
EcoDebate e da Agência Zwela de Notícias (Angola)
(Adital)
Fonte: http://mercadoetico.terra.com.br/22/08/2012
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