Fernando Reinach*
Se você passar o dedo na bochecha de um recém-nascido,
ele vai girar a cabeça e tentar abocanhá-lo. Essa reação o ajuda a
mamar. Esse comportamento vem programado no cérebro. Não depende de
experiência prévia ou aprendizado. Mas ninguém aprende a falar se não
ouvir outros falando. A língua que falamos depende da interação do
cérebro com estímulos do meio ambiente.
Por anos, cientistas acreditavam que só características "culturais"
(como fala e escrita) dependiam da interação do sistema nervoso com o
ambiente. Características "biológicas", como reflexos, audição e até a
visão, surgiriam ao longo do desenvolvimento de maneira pré-programada,
em momentos precisos, sob controle dos genes.
Essa crença caiu por volta de 1970, quando dois cientistas, estudando
primatas, demonstraram que o desenvolvimento da parte do cérebro que
controla a visão (córtex visual) só se completa se os olhos enviam
imagens ao cérebro.
Eles estudaram o desenvolvimento do sistema visual em animais em que
um ou ambos os olhos eram tampados. Sem informação do globo ocular, a
organização dos neurônios do sistema visual não ocorria direito. Até um
certo momento (chamado de "fase crítica"), o sistema visual se
desenvolve independentemente do funcionamento dos olhos, mas, se eles
não enviam sinais na fase crítica, não há desenvolvimento normal da
visão.
Essa descoberta, que rendeu o Nobel, demonstrou que o sistema visual
dos mamíferos - uma característica biológica - não é determinado
unicamente por fatores genéticos, mas depende de uma forma de
aprendizado, obtido pela observação do mundo. Por isso é tão importante
corrigir defeitos como estrabismo acentuado logo após o nascimento.
Agora cientistas húngaros demonstraram que a realidade é mais
complexa. Descobriram que a fase crítica não ocorre em momento
determinado, mas depende dos estímulos que o cérebro recebe. Eles
estudaram o aparecimento da capacidade de integrar a imagem oriunda de
cada olho. Ela surge por volta dos 4 meses de idade, durante o período
crítico, e permite que o cérebro combine a informação gerada em cada
olho, produzindo uma imagem tridimensional. Antes dos 4 meses, o cérebro
reage de uma única maneira, independentemente de as imagens
apresentadas a cada olho serem iguais ou diferentes. Após os 4 meses, o
cérebro passa a reagir de modo diferentes, dependendo do caso. Nessa
idade a criança começa a reconhecer as faces e expressões faciais dos
pais, demonstrando que o sistema visual está maduro.
Os húngaros se perguntaram se o período crítico ocorre em um momento
fixo, determinado geneticamente, ou se pode ser alterado, dependendo de
quando o cérebro começa a receber sinais dos olhos. Eles determinaram o
momento em que 15 crianças nascidas com 9 meses de gestação passam pelo
período crítico e compararam com dados obtidos com 15 crianças
prematuras. O resultado mostra que o período crítico ocorre 4 meses após
o parto, independentemente do tempo de gestação. Ou seja, o momento em
que passamos pelo período crítico não depende só de eventos ditados
pelos genes, mas pode ser alterado se o cérebro recebe informação dos
olhos mais cedo.
Essa descoberta é importante, pois demonstra que a interação com o
ambiente tem um papel maior que o imaginado. O processo de visão é parte
determinado geneticamente, parte determinado pelo meio ambiente. A
linha que separa comportamentos derivados de processos biológicos dos
derivados de processos culturais está ficando difusa. Será que nascemos
com o dom da visão ou aprendemos a ver quando abrimos os olhos?
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* BIÓLOGO, MAIS INFORMAÇÕES: EARLY ONSET BINOCULARITY IN
PRETERM INFANTS REVEALS EXPERIENCE-DEPENDENT VISUAL DEVELOMENT IN
HUMANS. PROC. NATL. ACAD. SCI. USA, VOL. 109, PÁG. 11.049, 2012
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,nos-aprendemos-a-ver-,923494,0.htm
Imagem da Internet
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