Noemi Jaffe*
Durante algumas décadas, a poeta Wislawa Szymborska, ganhadora do
Prêmio Nobel de Literatura em 1996, escreveu uma coluna para um jornal
polonês, chamada "Nonrequired Reading" - ou leituras não obrigatórias.
Como ela conta no prefácio a uma coletânea desses textos, "era garantido
que livros de ciência popular e manuais passassem despercebidos" pelas
resenhas críticas dos grandes jornais e, por isso, ela "sentiu a
necessidade de dar a eles alguma atenção".
Dessa necessidade resultou uma coluna que, ao longo de vários anos,
falou sobre assuntos que vão desde "Pássaros na Polônia" passando pelos
"Santos e Magos dos séculos XVII e XVIII" até "Gladiadores". "No começo
eu pensei que escreveria resenhas de verdade. Mas rapidamente percebi
que não podia escrever resenhas e nem mesmo queria. Que eu basicamente
sou e quero permanecer como uma leitora, uma amadora. Às vezes o livro é
o meu assunto principal; outras vezes é somente um pretexto para
desencadear várias associações soltas. Quem chamar esses textos de
rascunhos estará correto."
É daí que surge a ideia geral desta nova seção mensal: "Leituras
Amadoras". Uma seção amadora no sentido de ser escrita por amor à
leitura diletante - aquela que se faz por deleite. Ler por entusiasmo e
curiosidade; sem a utilidade específica de quase tudo o mais que
fazemos.
Uma leitura amadora pode estar num livro de culinária para quem não
cozinha, num livro infantil para adultos, num best-seller para
acadêmicos ou num livro de autoajuda para filósofos.
O livro "As Armas da Persuasão - Como Influenciar e Não Se Deixar
Influenciar", por exemplo, procura ensinar as pessoas, entre outras
coisas, a não cair na lábia de vendedores que procuram nos enfiar goela
abaixo alguns produtos desnecessários. Há um capítulo inteiro sobre
amostras grátis: "Quem oferece amostras grátis pode liberar a força de
gratidão natural inerente a um presente, quando parece ter apenas a
intenção inocente de fazer uma divulgação". Trata-se da sensação
constrangedora de devolver, à moça do supermercado, apenas o palito e ir
embora sem comprar o queijo. Santo Tomás de Aquino também teorizou
sobre a gratidão.
"A gratidão se compõe de diversos graus. O primeiro consiste em
reconhecer o benefício recebido; o segundo, em louvar e dar graças; o
terceiro, em retribuir de acordo com suas possibilidades e segundo as
circunstâncias mais oportunas de tempo e lugar". Robert B. Cialdini,
Ph.D.(1), autor desse livro, procura desconstruir a forma
como as grandes indústrias exploram nosso espírito de reciprocidade,
fazendo-nos comprar uma mercadoria indesejada mais por gratidão ao
presente do que pelo desejo de consumi-la.
Dr. Robert, me perdoe, mas preciso confessar: só no mês passado, sem
reconhecer o benefício recebido, sem louvar e dar graças e sem as
circunstâncias oportunas de tempo e lugar, comprei um pote de geleia de
framboesa (que detesto), um pacote de biscoitos diet (que não como),
assinei uma revista de culinária só para poder ajudar um garoto que
certamente mentia e contribuí com R$ 50 para uma instituição de caridade
suspeita. Dr. Robert, desculpe novamente: seu livro não me influenciou a
não me deixar influenciar e estou contente com isso. Aliás, uma
pergunta: se todos aprenderem a não se deixar influenciar, como faremos
para continuar influenciando os outros?
(1) Por que essa mania de colocar a titulação acadêmica dos autores na capa?
"As Armas da Persuasão: Como Influenciar e Não Se Deixar Influenciar".
Robert B. Cialdini, Ph.D. Sextante. 303 págs., R$ 29,90
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Noemi Jaffe é doutora em literatura brasileira pela USP e autora de "Quando Nada Está Acontecendo" (Martins Editora)
Fonte: http://www.valor.com.br/cultura/2811528/como-nao-se-deixar-influenciar
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