Hélio Schwartsman*
Giorgio de Chirico. The archeologist, 1927. Óleo.
A função do médico é preservar a vida do paciente, de
modo que qualquer conduta que vá contra esse princípio é condenável.
Essa é uma ideia simples, cativante e errada. O mundo é um lugar bem
mais complexo e nuançado do que sugerem nossos esquemas mentais.
É mais do que bem-vinda a resolução do Conselho Federal de Medicina
(CFM) que faculta a pacientes registrar em seus prontuários os
procedimentos aos quais não querem ser submetidos. Em tese, isso lhes
permitirá evitar intubações, choques elétricos e outras técnicas
invasivas que podem prolongar a agonia do doente terminal. É uma medida
necessária, mas que chega com décadas de atraso e apenas arranha o
problema das decisões de fim de vida.
A dificuldade maior é que as fronteiras entre a ortotanásia (não aplicar
tratamentos fúteis, atitude que o CFM aprova) e a eutanásia (quando o
médico toma medidas que aceleram o óbito, legalmente considerada um
homicídio) são tudo, menos claras. Frequentemente, a fim de evitar que o
paciente sinta dor, faz-se necessário elevar o uso de sedativos. Só que
uma sedação mais profunda favorece o surgimento de complicações fatais.
Se as drogas utilizadas forem da classe dos opioides, elas podem
provocar diretamente uma parada respiratória. Em que medida o médico
precipitou a morte? E, se não o faz, é legítimo deixar o paciente
sofrer?
Tentar responder a esse tipo de questão é um exercício metafísico que
até pode ser intelectualmente estimulante, mas que não produzirá
critérios inequívocos de decisão.
Minha sugestão é que abandonemos toda metafísica e estabeleçamos de uma
vez por todas que cada qual é dono de sua própria vida, podendo dela
dispor como preferir. Isso significa que, se quiser, o paciente deve ter
o direito de receber doses letais de sedativos e analgésicos. O bonito
dessa solução é que, ao não impor crenças externas a ninguém, maximiza a
liberdade de todos.
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*Colunista da Folha
Fonte: Folha on line, 31/08/2012
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